terça-feira, 12 de abril de 2011

Em alto mar

"Se não se sabe para que porto se navega, nenhum vento é favorável" (Séneca)

Por muito que este nosso mundo tecnológico, resultadista e pragmaticista o tente desmentir, as ciências sociais e humanas ainda são fundamentais. As humanidades permitem-nos aperceber de realidades latentes na sociedade e, a partir dessa compreensão, estimulam o desenvolvimento dessa mesma sociedade, fomentando a imaginação e a criatividade que, subsequentemente, desenvolvem ideias como respeito pela diferença, participação na acção colectiva, vontade em fazer melhor. Uma sociedade autoconsciente é, em princípio, uma sociedade melhor.

Transpondo esta realidade para níveis micro, a lógica mantém-se. Na sociedade em que nós, leitores deste blog, nos inserimos, a sociedade Sporting, o mesmo se passa: conhecer o Clube e as suas dinâmicas sociais é fundamental para superarmos os nossos problemas. E se muitos destes problemas são de natureza tangível, quantificável, outros não o são - ou são-no apenas indirectamente. Aquilo que defendo é que a solução para os problemas do Sporting reside muito mais em questões de natureza abstracta do que na realidade dos números. Entre aquelas, refiro-me, sobretudo, a duas: identidade e liderança.

Ao longo dos últimos anos (cada um escolha o intervalo de tempo que quiser), a maior parte dos erros do Sporting passou por más decisões que resultam da falta de uma liderança forte e/ou que afectam a nossa identidade. Os exemplos destes erros, largas dezenas, são facílimos de encontrar, e encontram-se presentes na mente de todos os sportinguistas. Apesar de terem gravidades e dimensões diferentes, todos juntos contribuem para quatro resultados negativos:

1) - falta de mobilização colectiva; 2) - diminuição dos níveis de exigência e, consequentemente, de competitividade; 3) - desresponsabilização; 4) - diminuição do "poder negocial", da força do Clube (e da respectiva marca) quando numa situação de negociação, seja direitos de transmissão televisivos, publicidade, passes de jogadores ou a calendarização dos jogos. 

Se o diagnóstico for este, como defendo, a solução passa pelo reforço das duas debilidades que o Sporting tem apresentado. Com uma liderança forte, alicerçada em valores que constituem o ADN Sporting, será possível incrementar a nossa força. Não será possivel, de um momento, reduzir o passivo para metade nem ganhar todos os jogos, mas a verdade é que não é disso que trata. Por estes dias, por estes anos, os problemas do Sporting vão muito mais longe do que isso. São problemas identitários, fundacionais, e não podem nunca ficar em segundo plano numa estratégia que vise corrigir, de cima a baixo, o que tem estado mal.

Como referia Séneca há dois milénios atrás na citação que transcrevi acima, a ausência de rumo e de estratégia torna-nos débeis, ineficazes, incapazes de cumprir uma missão. A falta de orientação faz-nos falhar sucessivamente. Quantos jogos perdeu o Sporting nos descontos, este ano? Quantas vezes não chegou ao porto, mesmo com ventos favoráveis? Quantas vezes ouvimos "Agora há que levantar a cabeça e pensar no próximo jogo"? Enquanto a nossa mentalidade não mudar, não há craque ou "unha do leão" que nos valha. Enquanto a mentalidade não mudar, nada irá mudar no jogo seguinte.

4 comentários:

  1. Perfeitamente de acordo. Urge mudar e muito. Mas com pequenas/grandes mudanças pode-se tentar inverter este rumo errático.
    Como pode um clube de século XXI conviver com uns Estatutos de século XX.
    E não podemos esquecer que os Estatutos são a alma-mater deste clube.
    E não é só no clube que tem de haver mudanças.
    Este post centrou-se sobretudo no interior do clube, mas também o exterior do clube ( adeptos, sócios) têm de mudar para ajudar nesta tarefa hercúlea.

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  2. Bruno, bom post!

    Os problemas que nos cansamos a discutir, passivos, activos, marketing, etc., são essencialmente questões técnicas e a eles deveria estar reservada a análise e a resolução dos problemas.

    A alma, aquilo que sem sabermos explicar nos leva a irracionalmente ser Sporting está fora desse âmbito, é mágico e tem sido desprezado.

    Como dizia o LdA, basta ver o Manuel Fernandes a pisar de novo a relva de Alvalade para sentir que estamos mais fortes. Quais vão ser as suas funções, de que forma o clube pode potenciar as suas qualidades são questões que naquele momento passam para segundo plano.

    Que bom que é sentir apenas emoção!

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  3. Bruno Martins,
    Não compreender essas dinâmicas sociais, ignorar que existem, ou mesmo atentar contra elas é, como dizer ... é ter-se uma visão muito limitada das coisas, no mínimo. E não falo de claques ou grupos organizados de apoio. Esses são uma minoria. Falo de todos: massa de adeptos, todos nós, onde até eles se incluem. Não em todo o tempo, mas pelo menos em algum.
    Mas mesmo ao nível das opções Bruno Martins, elas têm um papel fundamental: despedem treinadores. Nós despedimos treinadores. Enchem ou esvaziam estádios, alimentam o Clube com receitas, e outras.
    Ignorá-las num quadro de opções que se tome é invariavelmente conduzir um exercício ao erro, seja ele qual for. E é por isso que um mesmíssimo conjunto de elementos em alguns lados equivalem a sucesso, e noutros, equivalem a insucesso.
    Ao nível de Clube, só, fora do contexto "opções", tratar ou entender as dinâmicas sociais que o Clube gera como um inimigo ou algo que prejudica o Clube, é simplesmente suicídio, porque um Clube sem elas, não é nada.

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  4. Bruno,

    Bom post.

    Quando falas em liderança forte não posso deixar de ter em conta o momento em que o clube vive, com novos corpos sociais recentemente eleitos.

    Estou expectante relativamente às medidas que venham a tomar no futuro próximo,porque como todos sabemos, e em especial no Sporting de hoje, as primeiras impressões contarão muito para uma nova liderança se afirmar.

    Tenho esperança que, tendo em conta todos os contornos do momento eleitoral, esta direcção sinta a obrigação de trabalhar para tirar o Sporting do buraco onde se afundou em particular nos 2 últimos anos e veja na enorme quantidade de votos que ficaram dispersos por outras candidaturas um desafio em estímulo para unir o clube.

    Nada disto resultará se os sócios e adeptos se recusarem a aceitar toda e qualquer medida apenas porque foi tomada por este ou aquele em quem não votaram.

    Precisamos tanto de bons dirigentes como de bons adeptos.

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