terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Eusebio e o dia em que todos fomos mais iguais. O Panteão e outras coisas mais.

O último adeus a Eusébio foi um manancial de imagens poderosas. Elegi a que ilustra o post de hoje porque acabou por ser a que inspirou o post de hoje.

Eusébio jaz no relvado, no meio de um palco onde conheceu tantos triunfos e a imagem testemunha aquele que é provavelmente o último deles: o da vitória sobre a morte. A morte física é inevitável e a condição última que nos torna a todos iguais. Mas essa é iludida por uns quantos, os que superam o esquecimento que nos mata de vez.

Foi essa vitória de ontem de Eusébio. E foi-lhe concedida por aqueles a quem deve tudo e a quem tudo deu: não apenas os adeptos do seu clube, mas dos adeptos do grande jogo e do povo em geral. A abrangência e espontaneidade da homenagem vinda de todos os clubes e nacionalidades são a sua derradeira mas suprema condecoração e goleou por números expressivos a pobreza e desinspiração dos discursos oficiais.

Um adeus português
Espontaneidade, dramatismo, excesso, generosidade, aproveitamento parasita e caos foram mosaicos do painel que se construiu em torno do seu cortejo fúnebre. À catarse colectiva associada não será estranho também a mingua de referencias colectivas. E nem sequer faltou o destrambelho das declarações inadequadas ao momento de Mário Soares. Ou da preocupação com as contas da segunda figura do estado. Apresentar a factura antes de saber sequer se o serviço vai ser prestado, com muitos zeros a inflacionar, seria sempre inadmissível e inqualificável, no momento escolhido pior ainda. São estas as nossas Coreias que, de forma atávica, nos "oferecem" 3-0´s para dar a volta. Importa sempre lembrar a lição de Eusébio e restantes Magriços: só perde quem desiste.

Todos diferentes mas de sentir tão igual 
Obviamente que a fatia maior de dor é dos nossos congéneres rivais. Muitos nunca viram Eusébio jogar, apenas ouviram contar. A angústia não se esgota por isso apenas na graça que não lhes foi concedida, no sentimento de perda do ídolo maior. Hoje centra-se talvez mais na dúvida de algum dia lhes serem possíveis glórias semelhantes. Sentimentos que, não nos preocupando, partilhamos já nos piores momentos de incerteza e dor. Com um imenso oceano de rivalidade a dividir, ontem foi um dia em que fomos um pouco mais iguais.

Panteão, sim ou não?
Não digo que Eusébio não o mereça. Para perceber melhor a sua importância é preciso ter em conta o que era Portugal nos anos 60 e o que significou socialmente "um preto" deixar ser apenas isso para ser uma das figuras mais consensuais. E repôs Portugal no mapa no estrangeiro hostil a um Portugal enclausurado. Mas é também importante lembrar nesta altura  e sempre que Portugal é o país errado para se ser um Português Excepcional, como foram alguns que, antes e depois de Eusébio, o foram. Porém as más decisões não são razão para que se tomem outras igualmente más. 

Recordo que Portugal existe uma dispersão de monumentos onde se perpetuam as memórias de Portugueses Excepcionais e que vão de Coimbra a Lisboa (Panteão e Jerónimos), passando pela Batalha, etc, etc. A hipótese de ficar sepultado nas imediações do complexo da Luz é um anseio que pode ser dos adeptos benfiquistas mas que de alguma forma reduz o espectro das homenagens. Mas sendo Eusébio um herói das pessoas do povo, do futebol, parece-me bem mais adequado que um desterro honrado do Panteão.

Um clube grande é isto
A presença dos corpos sociais ao mais alto nível honraram a nossa história e creio que representaram a interpretação correcta do sentir da maioria dos Sportinguistas. Não significam em nenhum momento qualquer menorização para nós, mas o oposto. Houve quem fizesse referência a entrevistas passadas de Eusébio e outras tomadas de posição públicas que, em devido tempo, aqui fiz referência, em que Eusébio não terá tratado bem o meu clube. Mais do que Eusébio a falar foi uma certa de lógica de rivalidade musculada e que torna justificável "a rega às escuras" quando não se ganha. Forma de encarar o significado de uma derrota que nem sequer é consensual entre benfiquistas. Prefiro ficar com os testemunhos de Bessone Bastos e Manuel Fernandes  e tantos outros Sportinguistas que privaram com Eusébio e conheceram bem.

7 comentários:

  1. "São estas as nossas Coreias que, de forma atávica, nos "oferecem" 3-0´s para dar a volta."

    Mais uma vez, texto muito bom e que honra a memória de Eusébio e respeita todos aqueles que se reviam nele.

    Quanto à "nossa" representação na cerimónia, outra coisa não seria de esperar, o que me deixou bastante satisfeito e tranquilo. Também aqui, Muito Bem!
    Quem ouviu e viu ontem o José Guilherme Aguiar a justificar a ausência do Melhor Clube (de Futebol) Português só pode sentir vergonha por partilhar o mesmo ar que aquela gosma.

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  2. Cantinho,
    Tive que me atar a um poste para não ver os programas de ontem. Já percebi que fiz bem.
    Abraço

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  3. http://www.dn.pt/desporto/benfica/interior.aspx?content_id=3619562

    E o que dizer disto?

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  4. Só vi mesmo o início desse da Sic Notícias.
    Depois liguei para este, da RTP Informação (Justiça Cega), onde Marinho Pinto deu outra visão das cerimónias futuras a Eusébio.
    Deixo o link (vejam a partir do minuto 6.30 + ou -) e não vou comentar:

    http://www.rtp.pt/play/p761/e139874/justica-cega

    É outra visão. Pode chocar pela frontalidade.

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  5. «
    Quem ouviu e viu ontem o José Guilherme Aguiar a justificar a ausência do Melhor Clube (de Futebol) Português só pode sentir vergonha [...]
    »

    proponho um exercício ao estilo "suponhamos que...".
    suponhamos que Pinto da Costa e alguns administradores da SAD apareciam para enviar condolências à família enlutada. alguém acredita que, de boa-fé, não haveria agitação, burburinho? seria essa a melhor forma de homenagear o 'king' - sobrepor uma outra figura a quem se está a celebrar?
    sinceramente não o creio. e o episódio dos cachecóis só vem confirmar que a decisão em não comparecer foi a mais acertada.
    e esta é a minha opinião. e não, eu não sinto qualquer vergonha por a sentir e partilhar convosco. e eu também não vi os programas acima referidos.

    cumprimentos cordiais.

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  6. Bela imagem, com td o que tem de simbólico…

    O Marocas tem (quase) 45 anos em cada bochecha… Voltou a ser uma criancinha. Fala o que deve e o que não deve e mistura tudo. Uma pena abrir a boca sem pensar, até pq o discurso, cheio de elogios, não estava a correr mal… mas depois, despistou-se. Á grade e à francesa. Uma pena dupla: nem Eusébio merecia a desfeita, nem ele, Soares, pelo que representa enquanto uma das figuras que mais se evidenciou na luta contra a ditadura salazarenta e pela implantação da liberdade e democracia em Portugal.

    O “Bochechas” ainda fez alguma coisa de útil pelo País, essa senhora… nem isso. Eu olho para o panorama político actual e não vejo gente da cepa (queria dizer com tomates…) da geração que a precedeu e que lutou para melhorar a sociedade e as condições de vida no seu País. Pelo menos conquistaram (e ofereceram-nos) a liberdade. Alguns, prescindindo da sua condição privilegiada, já que eram originários de famílias abastadas…

    Panteão, sim ou não? Para mim: sim… Se existe alguém que se tenha evidenciado no desporto, em Portugal, como outrora a Amália na canção portuguesa: o fado, esse alguém é Eusébio. Por acaso ontem vi (em directo) o Justiça Cega. Nem sempre vejo, mas quando me lembro espreito, pq gosto do António Marinho Pinto. Desta vez não estou de acordo com ele, que até se confessou benfiquista. Mas é uma visão legitima, que tem essencialmente a ver com o facto dele menosprezar o fenómeno futebol… na sociedade. Mas não me chocou a sua posição. Concordo, no entanto, com a ideia do LdA: Os restos (i)mortais de Eusébio trasladados para um local mais popular, menos elitista… Acho que o “Pantera Negra”, se pudesse escolher, também iria preferir.

    Seria escandaloso, se o SCP não se fizesse representar ao mais alto nível. Seria... anti-Sporting. De modo que aqui não tenho que elogiar BdC: fez o que se impunha. Eusébio esteve mal, nalgumas frases polémicas a envolver o Sporting… Mas também me parece que se ampliou demasiado a gravidade da coisa. E depois surge-me sempre a eterna questão: quem nunca errou que atire a primeira pedra…

    Banda sonora para terminar: “Panteão” By Linda Martini.

    http://www.youtube.com/watch?v=MIm6_gwrsEU

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  7. Mais um grande post, que me fez viajar pelos confins minha memória... Cantinho, o Marinho Pinto é tramado e eloquente, para ele um nome Spartacus! Há mais, mas estamos a discutir "kings". Já agora também uma pergunta, será que das vezes que foi a Roma nunca visitou o Coliseu? Concordo com ele que o mundo do futebol se dá a si próprio demasiada importância, mas o desporto teima em deixar as suas referencias na historia em todas as civilizações. Se o futebol vai existir daqui a 300 anos, não sei, mas as suas marcas na sociedade do século XX e inicio de XXI serão tão imortais como os jogos olímpicos na Grécia antiga.

    Podem é só vir a sobrar ruinas dos atuais estádios...

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