terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Bruno de Carvalho explica o negócio NOS (e outros assuntos)

Bruno de Carvalho concedeu uma entrevista ao Expresso, publicada na véspera do clássico, que teve como tema principal a recente assinatura de contrato com a NOS e onde aborda também outros assuntos.. É essa entrevista que hoje partilhamos com os leitores:

Expresso: Antes do Sporting-Paços de Ferreira, Bruno de Carvalho recebe-nos na SAD para nos explicar, afinal, que acordo é este que o Sporting acabou de assinar com a NOS. “É, de facto, o maior negócio da história do futebol português”, diz ele, frisando que quer continuar a engordar o currículo do clube e a emagrecer mais uns quilinhos. “Já perdi 13”. O presidente do Sporting fala dos contratos do Benfica e do FC Porto, da mentalidade do futebol português e explica porque é que, lá em casa, são os canais da NOS que passam na TV.

Quando começou a negociar?

Para o Sporting era importante perceber como se iriam posicionar o Benfica e o FC Porto. As conversações existiam, o Sporting nunca negou, mas há que esperar sempre pelo momento certo, sem pressas.

O Sporting beneficiou por ter sido o terceiro a chegar a acordo?

É como olhar para o futebol: se o mérito é de quem marcou mais golos ou o demérito de quem os sofreu. A minha estratégia foi esperar para ver o que acontecia nos rivais e, depois, a partir daí, fazer valer a dimensão do Sporting. Nunca tinha visto o Sporting fazer um negócio a este nível, de patrocínios e de direitos televisivos, melhor do que os rivais.

Acaba por ser irónico o que Luís Filipe Vieira disse na apresentação do acordo com a NOS — que os €400 milhões seriam um referencial e que os outros clubes iriam beneficiar.

Há os que querem fazer as coisas de uma forma apressada, ou porque têm estratégias específicas, ou porque têm eleições [2016, presidenciais no Benfica], dívidas de dezenas largas, ou mesmo centenas de milhões para pagar. O nosso acordo é de €515 milhões, é um negócio tripartido, com a NOS e a PPTV. E o valor resulta de contas simples: os ativos, os custos desses ativos e o resultado líquido de agora até final do contrato. O Benfica fez o negócio que achou que devia fazer e teceu os comentários que achou por bem tecer. E o Sporting fez o negócio dele: o maior negócio de sempre do futebol português.

É o terceiro presidente de um clube a dizer isso no espaço de um mês...

Havia uma história que se contava, dos seis milhões [de adeptos do Benfica], que depois eram 14 milhões, mais a capa do jornal em que o país era vermelho e o resto do mundo azul, como se o Sporting, que é verde e os marcianos são verdes, só tivesse adeptos em Marte. Isso não é real. O mercado reconhece a grandeza, credibilidade e solidez do projeto do Sporting.

É possível saber os valores associados a cada uma das parcelas? Patrocínio da camisola, publicidade, etc.

Não, por questões de confidencialidade. Mas não escondemos nada naquilo que foi transmitido à CMVM. O Sporting não pode ser o mais prejudicado por ser o que melhor explica os seus negócios. Quando nós discriminamos o contrato, é porque temos esta maneira de ser e de estar. E o comunicado deixou isto bem claro: o Sporting vendeu a publicidade de primeira linha e na camisola, direitos televisivos e a exclusividade do seu canal a partir de 1 de julho de 2017.

O canal será exclusivo da NOS?

Sim. Qualquer presidente gostaria de estar em todas as plataformas de Portugal e do mundo inteiro. Só que, depois, há a realidade do negócio.

Este dinheiro que recebe é para abater passivo, recuperar valores mobiliários obrigatoriamente convertíveis em ações (VMOCS)...?

Este dinheiro é cash. Agora, vamos esperar para ver os relatórios e contas dos outros, para se perceber qual a real diferença entre os contratos. O dinheiro vai estar todo disponível para o Sporting, não vai para bancos ou comissões, que também são custos associados às receitas. O Sporting não está obrigado a destinar verbas para os bancos por causa deste contrato...

[interrupção] Que é o caso do Benfica?


Vocês é que o dizem, não sou eu. E no Sporting também não pagámos nenhuma comissão por este contrato...

[interrupção] Que foi o que aconteceu no FC Porto?


Não vou responder a isso.

Então refazemos a pergunta: foi-lhe proposto algum negócio que incluísse esse tipo de pagamentos?


Em termos de banca, não; em termos de comissões, sim.

De que operadora?


Não vou dizer.

O Sporting recebe já algum adiantamento financeiro com este acordo?

Houve renegociação dos contratos com a PPTV já para 2016. E os patrocínios são válidos já a partir de janeiro. Portanto, o Sporting joga já este clássico com a NOS na camisola.

Este contrato com a NOS também é válido por três anos e renovável anualmente a partir daí, como o do Benfica?

Tem que se entender o seguinte: com quem foram feitos os contratos e que duração tem a vigência com cada uma das entidades. Se calhar aí chega-se à conclusão de porque é que este contrato é apresentado de uma forma e o do Benfica de outra.

O que quer dizer com isso?

Nada. Só isso. Ouço dizer que o Benfica pode renegociar o contrato daqui a três anos e que vai rebentar a escala. Mas não estou preocupado com o que vai acontecer.

Este contrato permite-lhe respirar melhor, por causa do caso Doyen e da não entrada na Liga dos Campeões?

Ainda não aconteceu nada no caso Doyen, a não ser uma primeira decisão [do Tribunal Arbitral do Desporto (TAS)]. Estamos a trabalhar no recurso e não temos dúvida de que no mínimo há situações previstas na lei cível e na lei desportiva que tiram a validade ao contrato com a Doyen. Porque há questões de desproporcionalidade nos ganhos possíveis e porque não pode haver intromissão na gestão desportiva. A partir daí, o Sporting denunciou o contrato, pagou todo o valor que a Doyen tinha investido e foi defender os seus direitos. Quanto à não entrada na Liga dos Campeões, foi um revés, mas com este contrato [com a NOS], acho que resolvemos alguns problemas.

Há a ideia de que processa tudo.

Nós já cumprimos vários contratos hediondos. Mas não eram nulos ou anuláveis. Eram só péssimos negócios. Mas depois há casos mais falados. A Somague, por exemplo, veio fazer exigências de última hora, que contrariavam o próprio concurso; o que é que o Sporting podia fazer quando, depois, de aceitarem, vieram pedir coisas que não estavam previstas na adjudicação?

Qual a ordem de valores dos processos em tribunal?

Posso dizer-vos que quando entrámos no Sporting havia cerca de €21 milhões de assuntos que eram considerados na reestruturação financeira como contingências. Eram assuntos que estavam a decorrer, em tribunal ou ainda não, e que não seriam cobertos pela reestruturação. O Sporting teria de arranjar verbas pelos seus meios para os pagar. Dessas contingências de €21 milhões, até agora, sem custo nenhum para o Sporting, já foram resolvidos €19 milhões. Isto significa que o Sporting pela primeira vez está a dar lucro, está a pagar as suas dívidas aos bancos, está a amortizar capital em dívida e consegue ainda resolver €21 milhões de problemas herdados.

O Sporting e o Benfica eram a favor da centralização dos direitos televisivos. O que correu mal?

O Sporting era a favor da centralização, ponto. Fomos os primeiros a falar nisto. Mas, a partir do momento em que um dos clubes [Benfica] que faz parte da presidência da Liga e que assina um business plan em que estava escrita a centralização, depois avança para outro lado e fura o acordo... o Sporting tinha de ir para o mercado.

E como fica Pedro Proença, presidente da Liga, neste filme?


Quando um clube lhe puxa o tapete, depois de assinar um contrato, vai fazer o contrário e ele vem dar os parabéns, porque é um bom sinal para o futebol português... A partir daí, deixa de haver compromisso. Não podemos agradar a gregos e troianos. No futebol, não dá. Quando alguém quebra um compromisso tem de ser avisado. O Pedro errou e muito.

Diz que gosta de pensar a longo prazo. Estamos a chegar ao final de 2015. No início do ano pensava em contratar Jesus e ter este contrato com a NOS?

Tenho duas características: ambição e amor ao clube desmedidos. E se não tivesse essas duas características, não estava onde estou hoje. Se me perguntasse que tinha isto pensado exatamente assim, não, mas queria pôr o Sporting no lugar em que ele deve estar. No dia em que deixar de ser uma mais-valia, o sócio Bruno de Carvalho dará um pontapé no rabo do presidente Bruno de Carvalho. Quero um Sporting vencedor, campeão, com mais sócios ainda, e tudo farei para chegar aí. Quero fazer melhor, melhor, melhor...

€515 milhões é mais do dobro do passivo atual do Sporting. Este negócio permite repensar o projeto para o clube no médio prazo?

O Sporting precisava de ousadia e coragem. Costuma dizer-se que a sorte protege os audazes e que a sorte dá muito trabalho. Ora, como trabalhamos muito, temos sorte, e temos sorte porque somos audazes. Este contrato não muda nada. A nossa ambição mantém-se.

Relativamente às VMOC, este negócio pode acelerar a recompra?

O Sporting tem até 2026 para ter o dinheiro suficiente para manter a maioria da SAD. Sempre assumimos que essa é a vontade desta administração. Porque acreditamos que é importante manter essa posição.

Que operador tem em casa?

É a NOS. Já tinha antes. O Sporting respeita todos os seus parceiros, sejam atuais ou antigos e a PT foi parceira do Sporting durante muito tempo. Mas, para mim, desde o primeiro dia foi fácil escolher o operador em minha casa, porque a MEO tinha o canal do Benfica...

Curiosamente, a MEO tem agora o Cristiano Ronaldo, a pérola da formação do Sporting, como novo rosto.

É uma forma de limparem a imagem com que ficaram por terem sido os primeiros a ter o canal do Benfica... Estou a brincar, mas é verdade: foi por isso que escolhi a NOS. Podem dizer que sou um obcecado, mas não me apetecia ter esse canal.

“Não ganhar o título será grande desilusão”


Este contrato com a NOS também permite não ter de vender nenhum jogador?

Já tinha dito que não sairia ninguém do Sporting que o Sporting não quisesse. Isso era claro e evidente antes desse negócio.

Este dinheiro pode acelerar o projeto desportivo?

Em quê? Temos o melhor treinador, o plantel que é considerado como o mais valioso, o pavilhão está em crescimento, voltou uma modalidade histórica como o hóquei que ganhou logo uma taça europeia no regresso, volta agora o ciclismo para honrar a memória do Joaquim Agostinho... o que é que quer que se faça mais?

Será uma desilusão se não for campeão?

Tendo em conta a onda verde que se criou, a alegria que se vê nos olhos dos sportinguistas, a fé e a crença que se sente, estaria a ser hipócrita se não dissesse que seria uma grande desilusão.

O clássico Sporting-FC Porto é decisivo?

É um jogo muito importante, são duas excelentes equipas e estamos a falar de um jogo que pode mudar ou sedimentar posições no campeonato. Tem esses dois picantes, mas muitas vezes os campeonatos ganham-se ou perdem-se nos outros jogos. E é nisso que a equipa tem de estar focada.

Levou a mal que Jorge Jesus tenha falado do FC Porto na entrevista à TVI e dito que gostava de ser campeão nos três grandes?

Ele não disse propriamente isso, porque eu também vi a entrevista. Mas quando lhe perguntam 50 vezes se fecha a porta, se fecha a porta e se fecha a porta... bem, a mim bastava perguntarem uma vez e eu diria logo que fechava a porta a tudo o que não fosse o Sporting, porque o meu grau de gosto só tem o Sporting. Mas eu percebo, porque ele é um profissional e estamos a falar de um clube grande e nunca se sabe o futuro.

Como está o assunto Carrillo?

Já disse várias vezes que o Carrillo é um assunto delicado. Não é fácil. As coisas têm uma velocidade vertiginosa na vida e o que ontem era verdade hoje já é mentira. Ontem o Sporting precisava de muito dinheiro e hoje se calhar já não precisa. Temos de ter a sensatez de estar calados. As pessoas podem dizer que eu nunca estou calado e que agora venho falar na sensatez de estar calado. Mas uma coisa é falar e saber do que se está a falar e tirar consequências positivas do que se fala. Outra coisa é falar por falar e aí a coisa corre mal.

Está preparado para que o Carrillo fique sem jogar?


Estou a dizer que ele está num processo disciplinar. Sei que o comunicado que emitimos sobre o caso era maçudo, mas quem quiser ficar a saber tudo, é dedicar meia hora a lê-lo.

ACERCA DE...

CENTRALIZAÇÃO DOS DIREITOS

“Continuo a achar que era melhor negociar em bloco e espero que um dia o futebol português tenha a maturidade suficiente para distinguir a rivalidade entre clubes do negócio onde estão”

FOSSO ENTRE GRANDES E PEQUENOS

“A resposta mais simples é que estes novos contratos podem agudizar esse fosso. Mas a resposta mais honesta é que isto já está agudizado há muito tempo”

MUNDO DO FUTEBOL

“A cultura do nosso futebol não tem base de sustentação, é o amigo do amigo, que conhece este e aquele, que deve um favor que vai cobrar, e por aí fora. Não há valores, nem leis, nem princípios”

CANAL QUE EMITIRÁ O SPORTING

“É-nos indiferente se será na Sport TV ou noutro qualquer. Só queremos que seja num canal dignificante. E vai ser, com certeza absoluta”

LITÍGIO COM A GALP

“Estamos a falar de um negócio com uma garantia bancária dada por direções anteriores, de €5,25 milhões, e esperamos que fique resolvido entre janeiro e fevereiro sem consequências financeiras para o Sporting”

OS três contratos

Sporting

O valor global é de €515 milhões e resulta da combinação de dois acordos. O maior é com a NOS, de €446 milhões, e inclui os direitos de TV e de exploração publicitária nos jogos em Alvalade a partir da época 2018/19, a transmissão exclusiva da Sporting TV a partir de julho de 2017 e o patrocínio das camisolas já a partir de janeiro. Todos os contratos terminam em 2028. Além disso, o Sporting renegociou o contrato com a PPTV (de Joaquim Oliveira, que divide com a NOS a propriedade da Sport TV), válido até 2018, por €69 milhões

FC Porto

O valor do contrato com a PT é de €457,5 milhões e abrange os direitos de transmissão e de exploração comercial dos jogos do FC Porto por 10 épocas a partir de 2018, o direito de transmissão do Porto Canal no MEO por 12 anos a partir de 2016 e o patrocínio das camisolas por sete épocas e meia a partir de janeiro

Benfica

O acordo com a NOS foi fechado por €400 milhões, e envolve a cedência à operadora dos direitos de emissão dos jogos do Benfica na Luz durante 10 anos, a partir da época 2016/17, e os direitos de transmissão e distribuição da Benfica TV pelo mesmo período

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