segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Rúben Semedo saiu do bairro mas o bairro não saiu dele

Não começou nada bem a aventura espanhola de Rúben Semedo. Começou com um arranque de época tristonho, contabilizando apenas dois jogos completos, alternados com idas ao banco, que optimisticamente poderia ser atribuído a uma fase de adaptação às novas condições que encontrava em Villareal. Uma lesão tendinosa haveria de o afastar dois meses da competição, entre Outubro e Dezembro. No regresso, ante o Barcelona, uma recidiva deixaria praticamente hipotecada toda a presente época, uma vez que se esperavam pelo menos três meses de recuperação, após intervenção cirúrgica. 

Entretanto começam-se a avolumar as noticias de um comportamento nada consentâneo com as exigências impostas aos atletas de alta-competição. O  número de convocações policiais começaram a rivalizar com as chamadas à equipa principal, num claro indicio de que algo não estava a correr bem. Aliás, havendo cada vez maiores suspeitas sobre o que faria o jogador nos seus tempos livres, é quase inteiramente legitimo especular sobre a verdadeira causa das lesões e a dificuldade em recuperar. Isso, e muitas coisas mais.

Já iremos ao jogador. Mas perante a sequência de factos é não só legitimo como obrigatório perguntar qual foi papel do Villareal neste triste folhetim, sabendo-se que mesmo para um clube espanhol catorze milhões de euros não são nenhuma pechincha. Sabe-se pelo menos que o clube tentou convencer o jogador a mudar-se para uma área residencial menos afastada do centro, certamente com mais possibilidades de o poder ter mais facilmente debaixo de escrutínio. Em vão, infelizmente.

E o que dizer do agente e advogado do jogador, sempre tão solícitos na hora de cobrar as famosas e não menos chorudas comissões? A sua responsabilidade é ainda maior por serem conhecedores das características e das condições pessoais do jogador. A separação recente da mãe da filha em troca da companhia de "amigos" não lhes deveria ter feito soar as campainhas de alarme para agora não serem obrigados a fazer o triste papel de coitadinhos, os últimos a saber? 

E o Sporting terá responsabilidades como clube formador? Sinceramente, não me parece e não me parece que esteja a ser condescendente. É uma velha questão mas não creio que a principal actividade de um clube seja moldar caracteres e o facto é que o Sporting ajudou Rúben Semedo dotar-se de muito mais do que as ferramentas básicas para se tornar um profissional apetecível ao ponto de um clube pagar uma por ele uma pequena fortuna.

Mas, independentemente daquelas que tenham sido as responsabilidades por imprevidência ou omissão de clube e agentes, era sobretudo Rúben Semedo quem poderia ter evitado todo o percurso que o acabaria de deixar à mercê das câmaras fotográficas, algemado, à porta de uma esquadra de policia como um vulgar criminoso de que é agora acusado. Bem diferente da atenção mediática de microfones e flashes dos amanhãs radiosos que lhe projectavam.

Não faltará quem associe os factos agora ocorridos na vida de Rúben Semedo com as suas origens num dos muitos "bairros de risco" da Amadora, ou na atribulada vivência de um jovem oriundo de uma família desestruturada, com historial de problemas com a justiça do progenitor. Claro que, juntando a isso a cor da pele, tornava Rúben Semedo em mais um potencial jovem problemático, daqueles que, como o titulo indica, nunca saem totalmente do bairro mas arrastam-no consigo o resto das suas vidas.

É indiscutível que o meio de origem e as circunstâncias pessoais condicionam fortemente o trajecto de qualquer um individuo. Mas não é menos verdade que há também muitos e bons exemplos de quem consegue reescrever a letra e música do seu próprio fado. Era isso que, ao fim e ao cabo, Rúben Semedo estava a fazer, mesmo que com os naturais percalços, desde que saiu do bairro onde nasceu até chegar a Villareal, onde passou a gozar de um rendimento mensal que 99,9% dos seus antigos vizinhos apenas conseguirá usufruir nos sonhos mais optimistas. 

Esse caminho terá sido tudo menos fácil e resultou seguramente de muitos sacrifícios, desenganos e desilusões, só superados por grande vontade e aplicação. Terá de ser precisamente esse agora o grande trunfo de Rúben Semedo: não o clube, não os empresários, mas ele próprio. É certo que o futebol não é muito pródigo em reabilitações, é talvez mais conhecido pela facilidade com que tritura e facilmente repõe os seus actores. 

Desde que a sentença judicial que resultará como consequência das suas acções não lhe impunha um afastamento prolongado ele terá todas as condições para se reabilitar. Todas menos uma: a vontade de afirmar o seu enorme potencial. Foi dela que se esqueceu ou se desviou e precisará de reencontrar rapidamente. Oxalá ainda vá a tempo de sair do bairro que construiu que construiu para si e onde se deixou cercar.

2 comentários:

  1. Em relação ao agenciamento vê-se logo que está a ser muito bem aconselhado. Um puto que vai ser presente a um juiz de instrução devido sobretudo a problemas com armas e veste um camuflado da tropa... tem tudo para sair ileso. Nem se percebeu muito bem a prisão preventiva. Que por sua vez parece-me que é capaz de não colar muito bem com alta competição. Augura-se-lhe sem dúvida nenhuma, uma carreira fantástica.

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  2. Eu pergunto é qual o papel do José Fouto que recebeu 10% da transferência? Já alguém o ouviu?

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