segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O espantalho

Vivo num bairro de 16 moradias, sendo a minha uma das mais vistosas. Rivalizando com ela, há apenas mais duas, formando um trio que concentra em si a quase totalidade dos grandes momentos históricos da vida do bairro. À medida que se desce a rua podemos observar algumas casas interessantes, bem arranjadinhas, mas dessas, a que tem concentrado mais atenções no último ano, é de arquitectura moderna, um aproveitamento original feito pelo Sr. Salvador. Ao fundo da rua, as duas últimas casas são feias e desconfortáveis. Mesmo assim, e estranhamente, há choro e gritos cada vez que os inquilinos são obrigados a sair por acção de despejo. 

Mas a conversa que agita o bairro de há um mês para cá recai sobre o quintal do Sr. Vieira. Começou por se comentar à boca pequena que o homem tinha perdido a cabeça, numa viagem a Madrid, não por uma espanhola geniquenta, cheia de salero, folhos e castanholas, ou por ter abafado um saco de caramelos ou colónias Puig num qualquer Corte Inglês. Ah, e a bem da verdade convém realçar que, desta feita, na deslocação ao País vizinho - realço desta feita – não consta que tenha havido qualquer assalto a bombas de gasolina. Isto antes que venha aí gente mal formada insinuar o contrário

Bom, não sei onde começou o rumor, mas o que é facto é que a notícia se espalhou: o Sr. Vieira tinha contratado um segurança espanhol, pelo qual havia gasto uma fortuna colossal. Consta também que a intenção inicial tinha recaído num brasileiro, de nome Bruno, cujo perfil se entendia ser mais adequado à herança genética e às necessidades familiares. Mas parece que os problemas recentes sentidos na abertura de um talho clandestino, vão retê-lo do lado de lá do Atlântico por mais uns tempos. Um rude golpe - ou direi uma profunda catanada? - que não se podia repetir, uma vez que os impedimentos mais ou menos recentes do ponta-de-lança de Santa Comba Dão, ou do fura-redes de Telheiras já tinham atrasado a estratégia que se pretendia implementar. 

Mas a vizinhança começou a desconfiar. Primeiro por causa de um desabafo do Sr. Costa, que, azul de gozo e raiva, comentou alto e a bom som, (enquanto se supõe que falava ao telefone com o merceeiro mais próspero do bairro, o Sr. Mendes) “oube lá, tu és um sinhore, carago! Óito milhuens e meio por um segurança! Hã, num é segurança? Intõn é o quiê, carago? Hã?! Olha depois falamos, tenho que ir com Nãodinha passear o Boby e o Tareco, porque ando descunfiado do motorista. Porquiê? Lembras-te de ter falado daqueles problemas nas antenas, que num me deixabam ver o Hot, quer dizer a TBI? Pois, desde que a Nãodinha e o Tião saem à noite para cumprar regueifas e só aparecem de madrugada, que comecei a apanhar a Aljazzira sem interferências!

Tudo se começou a clarificar, de repente, nas férias no Algarve da família Vieira. O imaginado segurança não se mexia, a não ser quando o vento soprava. O que, é bom de ver, pode ser bonito se estivermos a falar das saias da Orsi, em particular se estivermos lembrados do vento quente que soprou neste verão e das aulas de física, onde se dizia que as massas de ar quente tem tendência a subir. Mas falando de um segurança? Depressa se verificou que qualquer steward deste País poderia continuar, - repito, continuar – a fazer mais pela segurança de Vieira e respectiva família que o imaginado segurança. Foi aí que o acaso intercedeu em seu favor, da mesma forma caprichosa que um qualquer bolor ajudou a descobrir a penicilina. 

Roberto – é esse o nome do segurança - foi chamado à presença do senhor, isto é de Jesus, o capataz da mansão da família Vieira. Para tal teve que atravessar o quintal em direcção aos arrumos onde Jesus, de forma circunspecta, recebia “inline” aulas do programa novas oportunidades. Estava o capataz a finalizar as primeiras linhas da  sua redacção, começada 2 anos antes, quando é sobressaltado por enorme alvoroço. Toda a passarada que abundava na propriedade, milhafres, abutres ou simples piscos, fugia em sonora revoada, à passagem do segurança. Jesus, certamente abençoado pelo Espírito Santo, depois dos problemas que teve com o Banco Privado, percebeu finalmente: Vieira, por sua indicação, tinha comprado um espantalho!
Bom, o fim desta história está próximo. Todas as famílias do meu bairro, incluindo a minha têm histórias semelhantes a manchar a reputação, embora sem despender tanto dinheiro. 

A solução será, ao contrário do que conseguiriam suspeitar, encontrada no próximo conselho de ministros. Sabemos que o ministério sediado no palácio das Necessidades – que nome tão apropriado quando se contam histórias do Sr. Vieira – já fez as primeiras diligências no sentido de devolver o espantalho à procedência.  A razão deste envolvimento ao mais alto nível é mais que justificada. É que, de há um mês para cá,  cada vez que se pronuncia o nome Roberto o nível de absentismo no País aumenta, as chamadas caem no INEM mais do que os prédios no Haiti, as urgências dos hospitais apinham-se como pulgas nos cães vadios. Ainda agora, confidenciava a um amigo, via telefone que ia fazer um post sobre o Roberto e, na casa ao lado, a do sr. Vieira, ouvi o baque surdo de mais um corpo tombado, transido por um chilique.

12 comentários:

  1. LOL! mil xs LOL!

    Digno do mestre! :D

    (Só faltou um bigode e umas orelhas no boneco, carago!)

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  2. Vá lá, LdA, lê a caixa de comentários da posta anterior e satisfaz o meu desejo (hmmm, isto não soou lá muito bem...)

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  3. Façam uma assembleia geral de condóminos para expulsarem tão má vizinhança!
    Parabéns pelo post. Muito bom.

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  4. Muito bom post...é só espero que a noticia que vão emprestá-lo seja totalmente falsa...eheheheh

    SL

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  5. LdA

    Sabes como é... Os novos ricos quando se apanham com dinheiro é só luxos.

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  6. Falsos ricos...

    A PROPÓSITO DAS TOALHAS ATIRADAS AO CHÃO!

    http://conselholeonino.blogspot.com/

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  7. Sabes o que eu te digo: deixa-te de poesias e dedica-te a esta pesca. Mt bom!

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  8. Eh lá! Queres ver que o Mestre Bulhão era o LdA disfarçado? :)
    Excelente texto!

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  9. Muito bom LdA.

    Ainda este fds, num grupo de 6 (2 do SCP, 2 do Vitória e 2 do slb) se comentava que por 8.5M€, só não se conseguia ir buscar um GK de topo (Buffon, Júlio César, Casillas, etc.).

    Por mim, que continue por muito tempo.

    E o sr. Costa, que acaba sempre por passar mais despercebido na coscuvilhice do bairro, também teve dificuldade em assinar contrato com o seu novo empregado de churrasco. 1 mês? Não costumam levar tanto tempo...

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