sábado, 18 de maio de 2013

Entrevista "exclusiva" a Ronaldo numa sexta-feira triste e cinzenta

Ronaldo apareceu, na hora e local combinado, de semblante carregado. A derrota no seu reduto, ante um vizinho rival e presenciada pelos adeptos do clube que representa, havia deixado marcas. 

Entrevistador: Boa-noite Ronaldo. A ocasião não será a mais feliz mas é um honra e um orgulho poder   ter esta conversa contigo. Nada faria prever este desfecho, marcaram cedo, um golo teu, estavam a dominar o jogo e depois...

Ronaldo: Pois, quantas vezes não viste isto acontecer no futebol? Uma equipa a dominar, marcar, bolas nos postes de todas as maneiras e feitios ou salvas em cima da linha. Não marcas, o adversário começa a acreditar que a sorte se lembrou dele esta noite e acredita. Apesar de seremos melhores e mais fortes começamos a sentir o inverso. Quando dás conta já estás a perder e numa situação complicada para dar a volta.

Entrevistador: Aquela expulsão também não ajudou nada...

Ronaldo: Pois não...

Entrevistador: Queres falar sobre isso?...

Ronaldo: Não há muito a dizer. Por vezes não conseguimos controlar algumas emoções. Seres travado constantemente sem qualquer respeito pelo jogo, por vezes com a complacência dos árbitros e veres o tempo a esgotar-se sem conseguires alterar a situação não ajuda muito.

Entrevistador: No fim não apareceste para receber a medalha. Mourinho também não. Diz-se nos mentideros que por trás disso está uma estratégia para sair para Inglaterra. Tu para o Manchester, ele para o Chelsea.

Ronaldo: Isso é uma idiotice. Não sei o que vai na cabeça de Mourinho, mas não tenho nenhuma estratégia concertada com ele para sair do clube. Tenho muito repeito pelos adeptos. São eles que nos dão tudo, directa ou indirectamente, muitas vezes com sacrifícios pessoais enormes, enquanto a nós não nos falta nada. Saí a bem de Manchester, deixei o clube com muitos títulos e proporcionei-lhe uma receita directa e indirecta que lhes permitiu continuar a sua hegemonia no futebol inglês. Tenho contrato com o Real, o respeito e o carinho da aficcion, e se ele for interrompido será sempre dentro do mesmo espirito.

Entrevistador: Então o que se passou para não apareceres perante os adeptos e o Rei? Tens noção do quanto isso foi chocante para muitos e até para a tua própria imagem?

Ronaldo: Sim agora tenho essa noção, basta ler o que dizem a meu respeito. Mas na altura nem me apercebi das implicações ou consequências. Estava ainda sob o efeito da expulsão, da derrota, perante os nossos adeptos, no último momento da época em que podias dar-lhes uma alegria. Senti que falhei. Falhei com eles. Mas sobretudo falhei comigo e com os valores que me foram ensinados quando comecei a jogar futebol no Sporting. Por vezes essas são as falhas que mais te custam a superar, porque não te representas a ti mesmo apenas, estás a "falar" por muita gente... Mas isso são águas passadas, preferia ter agido de forma diferente, é uma lição que a vida me dá e aprenderei com ela. Sou um homem como qualquer outro, posso falhar. Mas sou também um grande profissional que luta todos os dias com a mesma vontade e alegria para ser melhor. Para minha satisfação pessoal acima de tudo, sem esperar que reconheçam o meu valor ou que já consegui alcançar.

Entrevistador: Falas no Sporting no clube onde te formaste. Porquê? Não foi já há muito tempo para voltar a esse lugar?

Ronaldo: Para muitos pode ser, não para mim. Falei-te há pouco no respeito pelos adeptos, não foi? Foi das primeiras coisas que lá me ensinaram: "menino, respeito pelo jogo, pelos adversários, pelos adeptos, para que possas também exigir respeito para ti". A importância do exemplo, mais do que as palavras. 

Entrevistador: Foi assim tão marcante esse período? Ainda por cima saíste muito cedo, com apenas 17 anos. 

Ronaldo: Claro que foi marcante. Saí muito cedo, não era ainda o jogador que me tornei, mas tinha todas as ferramentas para o fazer, além das minhas próprias qualidades, claro. Mas é impossível não pensar se o que sou hoje seria possível se alguém como o Sr. Aurélio Pereira não decidisse ir ver um jogador franzino, ainda por cima à Madeira e me tivesse levado com ele. Imaginas quantos jogadores havia em Portugal semelhantes e mais perto? Ou até com melhor possibilidades?

Entrevistador: Tu és um expoente, o diamante mais vistoso de uma colecção. Mas que também contabiliza fracassos. Há dias vi numa televisão portuguesa um tal Paim, de quem tu dizias que iria ser melhor do que tu e nem jogador é hoje sequer.

Ronaldo: São duas coisas diferentes. Quanto à colecção de que falas, não podes ignorar Figo. Quantas escolas conheces com 2 jogadores que foram considerados os melhores entre os melhores? Mas há um patamar ligeiramente mais abaixo de enormes jogadores, alguns deles nunca puderam beneficiar da exposição mediática de que hoje beneficiamos. Não te esqueças de Futre. Ou Nani, Simão, Moutinho e muitos outros. Estes dois são um bom exemplo do que a formação do Sporting é capaz. Quantos clubes acreditariam em jogadores com 1,70 ou menos para jogar no meio de homens?

Quanto aos fracassos é injusto imputá-los à formação em exclusivo. Terá as suas responsabilidades que, estou certo, quererá apurar, como fazem todos as organização de excelência como ela é. A formação do clube dá-nos as ferramentas mas temos que ser nós a usá-las. 

Um exemplo:

Queres saber como ir de Madrid a Barcelona. Eles dizem-te, tens o comboio, entre eles o AVE e outros mais lentos. Tens o avião. Podes ir de camioneta, à boleia de um amigo, etc. Dão-te o custo das respectivas opções e tu fazes as tuas escolhas. Há quem não consiga pagar um bilhete de avião e vai de comboio. Desses alguns não têm dinheiro para o AVE, vão num intercidades. E por aí a fora. Alguns chegam aos seus destinos, mais tarde ou mais cedo, consoante as opções e capacidades. Outros param em Saragoça e ficam-se por lá. Outros não têm sorte, há um acidente na Castelhana e, quando chegam a Atocha o comboio já partiu. Outros perdem-se nos shopping´s, num último chupito, que é o primeiro de muitos e quando dão conta a vida não esperou por eles. Nunca espera por ninguém. Talvez tenha sido esse o caso de Fábio. 

Entrevistador: Mas tornaste-te sócio só agora. Porquê agora, depois de tanto tempo?

Ronaldo: É daquelas coisas que tu pretendes fazer, não marcas uma data e quando dás conta já passou muito tempo. Há quem olhe para o tempo que ficou para trás. Eu prefiro olhar pelo que está pela frente e nesse tempo vou ter certamente muitas ocasiões para ajudar o meu clube. Ser sócio é já uma delas. E ajudo-me a mim mesmo também, pela satisfação e o orgulho que me proporciona este estreitar de laços com aquilo que considero ser a minha família desportiva. 

Entrevistador: Família desportiva que não vive um momento muito feliz. O sucesso não tem andado muito a pairar por aqueles lados...

Ronaldo: São duas coisas diferentes, o sucesso e a pertença. Pode ser muito importante para outras famílias, na nossa não se é do Sporting porque se ganha. Isso é um pouco difícil de explicar a quem está de fora. Não que as derrotas nos sejam leves, que não percamos noites a dar voltas, como se cada uma dessas voltas pudesse alterar o destino da bola que não entrou, ou tirar uma outra do fundo da nossa baliza. Temos tido muitas, muitas mais do que estávamos preparados para aguentar. E, ao contrário do que possam pensar, por serem muitas, quando a próxima surge ao virar de uma qualquer jornada, ela não doí menos que a primeira que nos lembramos.

Mas a contabilidade de um Sportinguista é muito mais complexa que o deve ou o haver das derrotas ou das vitórias, dos títulos arrecadados, que são muitos, ou dos que contávamos ganhar e acabamos por perder. Há uma noção telúrica de pertença, uma identificação natural que discursos ou proclamações grandiloquentes não fazem justiça. 

Como se Alvalade fosse o nosso centro magnético e nós, leões de um ADN único e invulgar, fossemos impelidos pela urgência imposta pelo sangue que nos corre nas veias a estar e ser dali. E estar e ser com os nossos, que não sabemos quem são, mas que vemos nas faces correr as mesmas lágrimas que seguramos nos nossos olhos, que não sabemos quem são, mas desaguamos nos mais apertados abraços a cada golo e fundimos num bruá imenso que grita Spooooorting!

Isto nasce contigo, está ali à espera que desperte, no colo de um pai que te leva pela primeira vez a um estádio ou pavilhão, que te oferece uma caneta, uma bandeira, uma camisola. Ou quando te dás conta nasceu do nada. Sabes que és dali e não poderias ser de mais lado nenhum.

É verdade que o clube não vive um momento feliz. Mas vai dizer aquela gente que não pode ser diferente, que não pode ser melhor. Foi ali que aprendi a fintar o meu destino. Nasci numa família de recursos limitados e estava fadado para assim viver.

Hoje posso comprar quase tudo o que quiser, mas o prazer de entrar em Alvalade, reconhecer os cheiros, as cores das camisolas e das bandeiras, o arrepio dos cânticos a troar, a emoção a levantar cada pêlo do teu corpo não tem preço. Infelizmente têm sido poucas as vezes que a vida me tem permitido esse luxo. Espero que ela me compense depois. Da mesma forma que me ensinaram a mim, juntos conseguiremos fintar este momento.

Nota: Esta entrevista não aconteceu. Mas gostava de a ter realizado, para assim lhe retirar as "comillas". Estas e algumas outras que o dia de ontem pôs no caminho de Ronaldo. Pelo que representa para nós sportinguistas, pelo que já fez pelo futebol, pelo que merece a sua dedicação à modalidade. Pelo seu exemplo.

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Ontem foi uma sexta-feira triste e cinzenta. Completaram-se 17 anos da morte de Rui Mendes no estádio nacional, num dia em que a memória se apagará do sitio e do momento em que recebi a noticia mas não apagará a dor e a incredulidade com que a recebi. Habituado desde os 9 anos de idade a ir sozinho ao futebol, nunca julguei que naquela tarde se anunciava um tempo diferente, em que os estádios deixariam de ser um local de celebração de alegrias e tristezas e as únicas mortes possíveis eram as dos sonhos. A impunidade dos responsáveis é um soco permanente que nos ajoelha de dor e descredibiliza a justiça.

Foi ontem também que o Sporting viu igualado um feito até então só seu. O FCP alcançou ontem o pentacampeonato em andebol, igualando um feito por nós alcançado há 4 décadas. A seguir ao atletismo é a nossa modalidade mais titulada, creio. O orçamento da secção deve custar menos que muitos ordenados de alguns dos nossos futebolistas. Já que parece haver revolução à vista no plantel que se tenha isto em conta.E quem vos diz isto adora o futebol

Foi também uma sexta-feira que anunciou uma final da UEFA perdida em Alvalade. Um dia em que pelo país fora muitos foram os portugueses que depressam descobriram afinidades com o clube russo que ergueria a taça. A não esquecer, especialmente esta semana...

4 comentários:

  1. Enorme texto, a reler vezes sem conta. Aqui e ali sem evitar a pele de galinha. Obrigado

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  2. Apesar de simular um diálogo, não deixa de se notar o exercício daquilo que é uma profissão de fé. Feita de uma forma curiosa e bastante imaginativa, é impossível que quem viva e sinta o Sporting, com ela não se identifique.

    Retiro como mais importante o penúltimo parágrafo da segunda parte do post. A realidade do ecletismo do Sporting.

    Se pensarmos, a este propósito, que só o ordenado auferido pelo atleta Elias poderia equivaler à dotação orçamental que permitiria manter ao mais alto nível uma equipa de Voleibol e outra de Basquetebol...

    Esperemos que esta direcção, a qual ao contrário de muitos me merece o total benefício da dúvida, não insista em clamar o ecletismo do Sporting como proverbial quando todos sabemos que também aqui a realidade desdiz a glória do passado.

    É que se sou sportinguista, não só ao futebol o devo. Nem de perto.

    SL

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  3. Brutal...

    E acho que o Ronaldo gostaria de dar essa entrevista.

    Quanto ao clube russo, que muitos portugueses se tornaram adeptos, foi o mesmo que os eliminou nos 16avos dessa mesma competição, em plena pré-época (dos russos). Isso é que é respeito pelo adversário... Derrotados em Fevereiro, mas adeptos em Maio. Um exemplo!!!

    Já agora, que tanto se falou no comportamento dos adeptos benfiquistas em Amsterdan. Não os vi vitoriar e aplaudir a equipa adversária, como vi (ao vivo) os tais russos, em Alvalade, quando deram a volta ao estádio com a Taça na mão. Todo o estádio os aplaudiu.

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  4. Sublime, meu caro. Assim continue, Leão.

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