quinta-feira, 20 de junho de 2013

Ecletismo: "cortar nas gorduras" ou ir ao osso e ferir a alma?

Muito se tem falado dos cortes a efectuar em todo o clube. A discussão tem sido quase sempre centrada no futebol mas foi nas modalidades onde as suas consequências práticas se fizeram sentir de forma mais célere. O abandono de João Pinto no andebol é já um facto, a que se podem juntar em breve outros nomes. Não se sabe ainda que repercussões vão ter os cortes no futsal ou no atletismo, citando as mais emblemáticas. Na verdade sabe-se apenas que vai haver cortes, a profundidade da incisão é ainda desconhecida, mas adivinha-se profunda.

Pode-se dizer que ninguém ficaria muito surpreendido com a necessidade de racionalização de meios, face à realidade do clube ou à conjuntura. Mas poucos esperariam cortes substanciais que colocarão em causa a competitividade das equipas que representarão o clube nas diversas modalidades. Isto porque não foi isso que foi a impressão deixada nos sócios durante a campanha eleitoral por nenhuma das listas concorrentes,  não foi bem esse o compromisso assumido no programa eleitoral que os sócios votaram. E digo não foi bem esse porque, como veremos no parágrafo seguinte, o referido programa acaba por ser contraditório nas suas promessas e asserções.


O compromisso com os sócios no programa eleitoral
Na introdução ao programa pode-se ler:
"A Formação será prioritária em todas as modalidades com vista ao respectivo desenvolvimento e crescimento sustentado, para garantir um Clube ecléctico e orgulhoso de ser um dos maiores do mundo com o contributo e pujança das suas modalidades."

No capítulo Modalidades
"Modalidades Auto-Sustentáveis. Não havendo recursos financeiros para manter, em plenitude, as modalidades históricas ou que os Sócios pretendam implementar no Clube terá de ser política do Conselho Directivo apoiar a criação e manutenção de uma determinada modalidade, criada, ou já existente, pela vontade de seus Associados, desde que estes, autonomamente encontrem meios financeiros para suportar os custos da sua actividade."

"Para criar uma nova Onda Verde e Branca Nacional, o Sporting Clube de Portugal redefinirá o seu caminho desportivo. Voltará a centrar a sua atenção em projetos desportivos vencedores."

"A construção de um Pavilhão junto ao Estádio José de Alvalade e o seu projeto desportivo terá de passar por uma análise séria das modalidades existentes"

"Aumento do Patrocínio e Receitas das Modalidades.
É nesse espírito de Glória que o Sporting Clube de Portugal poderá difundir ainda mais o seu nome, fidelizar e angariar mais Sócios e aumentar o volume dos seus patrocínios e rendimentos
".

Como facilmente se depreende, este arrazoado dá para o lado que pontualmente for mais útil. O conceito de auto-sustentabilidade das modalidades é abstracto e pode, no limite, querer dizer que se aquela condição não se verificar a direcção poderia até encerrar a modalidade. Não me parece que fosse isto que os sócios estivessem à espera e que choca com o reconhecimento da importância do ecletismo e com a promessa de "centrar a sua atenção em projetos desportivos vencedores".
Como é óbvio, sem a existência de modalidades competitivas faz pouco sentido enveredar pelo tão almejado pavilhão. O corte agora anunciado também não honra o compromisso de  "aumentar o volume dos seus patrocínios e rendimentos." Abordaremos mais adiante o que é uma equipa competitiva à escala do Sporting.


A mensagem passada após as eleições
Pouco tempo após a tomada de posse do novo conselho directivo a equipa do Sporting de futsal venceria a Taça de Portugal. No momento em que o departamento da modalidade entregava, de forma simbólica, o troféu no Museu do clube Vicente Moura afiançava que se estavam a criar condições para "vencermos em todas as modalidades". Na sequência da vitória sobre o FCP, na Taça de Portugal de Andebol o presidente afirmaria com veemência que "começámos um novo ciclo e que os outros comecem a habituar-se ao sabor derrota."  

Nesta altura já era do conhecimento do conselho directivo - que não dos demais sócios - as condições impostas pelos credores, pelo que este discurso reiterado menos se compreende. O contraditório entre estas declarações e a realidade que agora se projecta remetem-nos para o inefável Carlos Barbosa. Não se pode falar com esta ligeireza sem alienar ou por em perigo o capital mais importante de uma liderança: a confiança.


A pior postura no melhor momento e a herança recebida
Este é o momento de graça do conselho directivo. É preciso recuar ao tempo da eleição de Bettencourt para constatar um nível tão grande de tolerância relativamente ao CD e em particular ao seu presidente. A infelicidade dos anteriores mandatos em muito ajudam, pena é que em muitos sectores se viva um unanimismo doentio. Este é o sentimento pior que se pode esperar quando se tomam decisões estruturantes. O que de mal se fizer agora demorará muito tempo a reconstruir. Olhe-se para o que sucedeu no basquetebol e no hóquei. Ou quanto tempo demorou a ter uma equipa competitiva no andebol. O pior que nos pode suceder é esta, ou qualquer direcção, sentir que tem carta branca ou desobrigada de qualquer exigência.

É pacifico entre todos que a herança recebida em mãos pelo CD é pesada. Mas não é menos verdade que quer o andebol ou o fustal têm das melhores equipas dos últimos anos, fruto de boas decisões do passado. O andebol começou a ser reconstruído ainda no tempo de Bettencourt, os resultados começam a aparecer, apesar da hegemonia do FCP, que foi construída numa base directiva e técnica muito mais sólida. O futsal é um exemplo de boa gestão desportiva, mantendo-se no topo das discussões da modalidade. Tendo um dos melhores treinadores da modalidade, Orlando Duarte, adivinhou-se em Nuno Dias um passo à frente. O mesmo se pode dizer do atletismo, apesar da profusão de meios que o SLB tem feito desaguar na modalidade e que nos faz sombra cada vez maior.


O que é um mero corte cego e o que é estratégia?
Esta é uma discussão que qualquer português já teve nos últimos anos. Não há qualquer sabedoria ou preparação quando se decide cortar a direito, sem se olhar onde e como se corta, sem se olhar às consequências. Por alguma razão existem cirurgiões, uns melhores que outros, mas que se distinguem facilmente do melhor dos talhantes.  Podemos estar obrigados a dar um passo atrás agora para podermos mais adiante dar, mesmo que devagar e de forma preferencialmente bem sustentada, dois passos à frente. Mas para isso tem de haver uma estratégia por trás de cada medida de gestão. A não ser assim, cortar é apenas a demonstração inequívoca de impreparação e falta de capacidade de gerar sinergias e incompreensão da importância do ecletismo, ao contrário do proclamado.


O que queremos e o que somos
Não há qualquer estratégia que possa ser bem sucedida que não respeite o que é o espírito ou alma de um clube. Podemos estar agora obrigados a reagrupar, ao indispensável saber esperar. Mas não podemos mudar o nosso desígnio ou a nossa missão sem passarmos a ser uma qualquer outra coisa que não o Sporting Clube de Portugal que recebemos em mãos com mais de uma centena de anos e milhares de troféus. O Sporting está por isso obrigado  lutar pelos melhores lugares com os melhores. Se as modalidades, que até eram a nossa melhor possibilidade de continuar a ganhar troféus, passarem apenas a terem como obrigação competir, perderemos com os melhores. Tornando-nos iguais a tantos outros, definharemos porque nunca nos sentiremos confortáveis numa posição subalterna. 
Este post começou a ser escrito depois da leitura deste comentário: 

O Belenenses tinha modalidades amadoras (semi-profissionais) a competirem nos escalões principais, mas sem dinheiro foram fechando secções e reduziram-no a um clube de futebol. Espero que esse não seja a caminho do SCP.

Dentro deste tema recomendo a leitura deste post:

Parcelas pequenas para uns, vida ou morte para outros

1 comentário:

  1. Não quero acreditar que que vão haver cortes nas modalidades do Sporting. Seria uma estupidez!

    Embora o futebol seja o desporto mais importante do clube, o Sporting é muito mais do que isso. Ainda este fim de semana estive no pavilhão de Odivelas a assitir aos 2 jogos de futsal contra o Benfica e o ambiente é fabuloso!! Respira-se orgulho nesta equipa (como noutras aliás). Bruno de Carvalho e Inácio estiveram presentes nos 2 dias e comprovaram-no.

    É ridículo é o dinheiro que se gasta no futebol. É um verdadeiro desperdício, com a formação que temos. Ainda para mais com as classificações que temos tido nos últimos anos.

    Que se venda Miguel Lopes, Gelson e Schaars porque temos melhores opções. Rui Patrício porque já merece outros palcos. Capel porque fez 2 boas épocas e há que apostar em Bruma e Carrillo. Que se coloque Pranijc, Onyewu e Bojinov noutras paragens. Quanto se pouparia só aqui?


    No limite que não se compre mais ninguém. Se não houver dinheiro para contratações que se aposte em Betinho, Rubio ou mesmo Wilson Eduardo (duvido no entanto que Suk ou o jovem avançado do Rio Ave no mundial sub20 não pudessem ser adquiridos).

    Lda fui dos que sempre defendi a titularidade de Ilori e Bruma (André Martins, Dier ou Cédric). Sem receios! E para mim as suas renovações serão a principal notícia que espero neste defeso.

    Façam cortes no futebol...mas que não se mexa nos orçamentos das modalidades. Porque esses correspondem a salários anuais de jogadores que não se revelam qualquer mais valia desportiva para o clube.

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