quinta-feira, 15 de maio de 2014

15 de Maio, um dia Glorioso!

Há 5 anos, por ocasião do 45º aniversário da conquista da Taça das Taças tive oportunidade de entrevistar João Morais, o autor do golo que equivaleu à conquista do troféu e que ficaria imortalizado como o Cantinho do Morais. Um momento agridoce, porque João Morais dava já os primeiros sinais da doença que o havia de consumir, mas simultaneamente inesquecível pela sua grandeza de alma e simplicidade contagiantes. Não tinha que ser assim, mas o Destino, seja lá o que isso for, foi feliz em juntar a personalidade de João e um dos momentos mais altos da história do Sporting.

Hoje celebram-se os 50 anos dessa conquista e, embora a entrevista seja sobejamente conhecida dos leitores habituais do blogue, parece-me a ocasião certa para a reeditar na íntegra. E, apesar da entrevista ser algo básica e reveladora da minha falta de experiência, julgo que é uma peça cuja partilha e divulgação vale a pena, pela importância do testemunho directo e do momento.

Este foi um dos momentos mais gratificantes deste espaço, daqueles que dá sentido a todo o trabalho e ao tempo perdido.  Infelizmente, aquando da mudança ocorrida na plataforma Blogger, as perguntas dos leitores e respectivas respostas de João Morais perderam-se.


Passados todos estes anos que importância para si o seu feito? Ainda o vive com intensidade?
Claro que tem. Não podia deixar de ter. Para mim é como se fosse hoje, como se não tivessem passado 45 anos.

E sente que os Sportinguistas se lembram desta data, ainda o acarinham e lembram-se de si?Sem dúvida. Sempre que sou solicitado para acorrer aos núcleos as pessoas à minha volta acarinham-me.

Marcou o golo numa final que até esteve para não jogar, não é verdade?
É. Veja as coincidências: jogávamos em Alvalade, contra o Vitória de Setúbal, onde jogava o Carlos Cardoso, hoje o treinador, e o Hilário lesionou-se. Eu não estava convocado e na bancada disse logo à Alice (esposa): vais ver que me vão chamar. E assim foi: depois do jogo, pela instalação sonora, mandaram-me dirigir ao Dep. de Futebol.

Mas o caminho para a final foi invulgarmente trabalhoso, pelo que rezam as crónicas…
Se foi. Jogámos 3 jogos com o Atalanta, só nos livramos deles no jogo de desempate em Barcelona, no estádio do Espanhol. E jogamos outros 3 com o Lyon, que na altura tinha uma grande equipa também. E acabamos por só ganhar na finalíssima.

Foi uma campanha a todos os títulos memorável que deixou muita coisa para lembrar. Por exemplo, a maior goleada de sempre nas competições da UEFA.
É sim senhor e não deve ser muito fácil fazer melhor. Ganhamos 16-1 aqui em Lisboa e na 2ª mão em Coimbra (acordo com o Apoel). Foi pena termos levantado o pé senão não sei onde teríamos chegado. Mas é difícil motivarmo-nos quando tudo está decidido.

Não sei se gosto mais desse resultado se o que vos permitiu virar o resultado de 4-1 com que foram derrotados com o Manchester United. Como foi isso possível?
Olhe, com muita vontade e com muita união. Nós éramos um grupo muito unido.

Mas a equipa acreditava que podia virar o resultado ou foi fruto do acaso, mais um daqueles em que futebol é fértil?
Sempre acreditamos que podíamos virar o resultado. Quando chegamos a Lisboa a 1ª coisa que fizemos foi pedir ao Sr. Mário Cunha, director do Dep. Futebol, para afastar o Lúcio, um defesa brasileiro, porque sabíamos que ele não se tinha portado como devia em Inglaterra. E pedimos para ficar em estágio durante os 15 dias que faltavam para o jogo da 2ª mão.

A sério?
É verdade, sim senhor! Só saímos de lá para jogar, treinar e para recolher mudas de roupa interior, sempre acompanhados por um director. Éramos um grupo muito unido e queríamos muito dar a volta aquele resultado.

E conseguiram…
Pois conseguimos. Marcamos cedo e fomos para cima deles. Ao quarto-de-hora já ganhávamos por 2-0. Foi uma grande noite, sim senhor. Osvaldo Silva fez um hat-trick. E foi assim que conseguimos chegar à meia-final.

A tal meia-final com o Lyon, que também teve que ir a desempate?Pois foi. Ganhámos por 1-0, num golo de Osvaldo Silva e ficamos apurados para a final.

Final que decorreu no célebre Heysel Park, que, mais uma vez, não parecia nada bem encaminhada…
É verdade. Quando demos conta já estávamos a perder por 2-0, o que numa final pode querer dizer que estamos arrumados. Mas nós acreditamos sempre e acabamos por empatar o jogo, já quase no fim, a 3-3. No final queríamos bater no Figueiredo no balneário. Numa jogada ele finta o guarda-redes e com a baliza aberta virou as costas porque pensou que o árbitro tinha apitado fora-de-jogo. Afinal tinha sido alguém da assistência.

E foi assim que chegaram a Antuérpia a finalíssima?Exactamente.

O que lhe deu para marcar aquele canto daquela forma? Foi por acaso?
Não foi nada por acaso. O Gilberto Cardoso era o nosso treinador do inicio de época, que saiu para dar lugar ao Anselmo Fernandes. Com o Gilberto Cardoso treinava muitas vezes aquele lance. E quando fui marcar o Manuel Marques (massagista, grande figura Sportinguista) disse-me para marcar dessa forma. Eu agarrei na bola, fiz a minha reza e disse-lhe: anda lá minha menina, vais entrar ali naquela baliza. Quando a bola me bateu na bota, naquele sitio que eu sabia, senti logo que ia entrar. E entrou mesmo!

Foi um golo muito cedo, aos 20m de jogo. Ainda sofreram muito até ao fim do jogo?Não mais do que é normal numa final. Ganhamos muito justamente.

Foi um momento inesquecível, obviamente.
Não imagina o que foi a nossa chegada a Lisboa. Fomos do Aeroporto ao estádio Nacional, onde se jogava um jogo particular entre Portugal e a Inglaterra. Fomos recebidos em delírio e recebemos os parabéns dos jogadores do Benfica e de Bobby Charlton, que eliminamos por 5-0 no jogo com o Manchester.

Do seu tempo de jogador qual o que mais admirou?
É difícil de dizer. Joguei com muitos jogadores de grande qualidade, quer como colegas ou adversários. Mas lembro-me que quando joguei com o Travassos na asa esquerda, quando o Albano saiu, até marcava golos sem saber como a bola me vinha parar aos pés.

Havia benfiquistas no seu plantel?
Não sei se havia benfiquistas no meu plantel. O Mascarenhas tinha vindo da Luz, é verdade. Mas na altura tinha-se muito respeito à camisola, hoje tem-se respeito a um punhado de notas.

Destacaria alguém que lhe tenha sido mais difícil de ultrapassar ou travar?
Olhe, quando jogava a extremo esquerdo o mais difícil de passar era o Festas, do Porto, meu colega de selecção e meu suplente. Acabou por jogar no meu lugar, contra a Inglaterra, naquele jogo fatídico, o que deu muita polémica cá em Portugal. Quando eu jogava a defesa direito o mais difícil foi sem dúvida o António Simões, do Benfica.

Pensava que me ia dizer o Pelé…
O Pelé não entrava na minha área de marcação. Mas era um jogador terrível. Parecia que conseguia colar a bola ao corpo.

No Mundial de 66 houve faíscas entre si e Pelé.
Nada de muito especial. Ele tinha caído sobre a direita e sabia que não podia deixá-lo dominar a bola. Ela vinha em direcção à cabeça dele e eu, vendo que estava fora da área, fiz o que pude, o que deve um defesa fazer para defender os interesses da equipa… O homem teve que sair, mas antes disse-me que me ia acertar. E quando entrou deu-me mesmo. Caí no chão cheio de dores. Quando o Manuel Marques chegou perguntei-lhe se tinha os dentes todos. O Manuel Marques, naquele jeito dele, disse-me: tens os dentes todos, não sejas maricas e levanta-te lá. Mais tarde, numa entrevista à BBC ele foi o próprio Pelé a reconhecer que foi um lance normal de futebol.

Ganharam esse jogo por 3-1, contra o Brasil de Pele e Garrincha. Como foi isso possível?Olhe, nós entravamos sempre para ganhar e até poderíamos ter sido campeões do Mundo naquele ano. Foi pena termos tido que recuperar daqueles 1-3 contra a Coreia, que nos deixou estourados. Fomos jogar a meia-final cansados, o hotel era longe e ficava numa zona que não permitiu o repouso. Ainda por cima os Ingleses regaram o campo, quando eles eram de porte atlético maior que o nosso e arbitragem foi habilidosa, como é normal nestas coisas com a equipa organizadora.

O que acha da equipa do Sporting de hoje?
Olhe, acho que o Paulo Bento está a fazer um trabalho razoável, embora mexa em demasia na equipa. Uma equipa joga com os mesmos sempre a não ser em casos de lesões ou de má forma. Não passa pela cabeça de ninguém mexer na equipa para jogar com o Bayern. O resultado viu-se. E o Sporting precisa de um defesa central com pé esquerdo. Eu, se fosse no meu tempo, fazia do Polga gato sapato. Metia-lhe a bola a passar pelo pé esquerdo e ia por ali fora. Eu estudava os adversários e sabia como jogavam. Se jogava do lado direito e apanhava pela frente o defesa com pé esquerdo fugia-lhe para dentro, para o pé direito. Era muito rápido. Sabia que uma vez o Prof. Moniz Pereira, (grande sportinguista, que chorava pelo Sporting e não gostava de profssionais) perguntou-me se não queria correr os 100m?

Dos jogadores que jogam hoje qual o que mais admira?O Veloso, o Moutinho e o Liedson, claro. É daqueles que dá sempre o litro.

Foram precisos mais de 30 anos para o Sporting voltar a uma final europeia. Porquê?
Olhe para lá chegar é sempre preciso sorte. Mas é preciso também saber e muito. É preciso que os treinadores percebam do seu ofício. Eu tive grandes treinadores e os melhores deles eram também sportinguistas como o Prof. Reis Pinto ou o Prof. Moniz Pereira. E que os jogadores sejam bons, como eram no meu tempo, mas também que sejam mesmo uma equipa e tenham vontade de ganhar, sem medos. Quando eliminamos o Manchester se entrássemos a pensar nos nomes tínhamos ficado pelo caminho. E eles até foram campeões europeus e a base da equipa campeã mundial de 66. E que não esquecessem os antigos jogadores para ensinar os mais novos.

Como vê o momento eleitoral no Sporting? Não acha que os Sportinguistas andam muito divididos e os muitos candidatos são o espelho disso?
Não dou muita importância a isso. Fazem falta vitórias. No meu tempo já era assim. Começando a ganhar estas coisas não se fazem sentir.

Quem lhe parece que vai ganhar, pelo menos dos que se sabe já que vão concorrer?
Olhe eu acho que o se o Dr. Soares Franco concorresse ganhava. Assim é difícil de dizer. Olhe o Dr. Ribeiro Telles é também um grande Sportinguista e daria um grande presidente. Na candidatura daquele senhor da Judiciária tem lá também uma pessoa que estimo muito, a Drª Isabel Trigo Mira. Conhece os núcleos todos e tem muito amor pelo clube. Corri o País todo com ela e chegou-me a levar a New Jersey. Uma grande Sportinguista.

Estes são apenas os excertos que considerei mais importantes da longa conversa que tive com João Morais. Uma viagem fantástica de Sportinguismo desde o ano em que nasci até aos dias de hoje. Sinto-me um privilegiado e decidi dividir convosco esta distinção no momento em que celebramos a nossa maior vitória internacional ao nível do futebol. O tempo não precisa de voltar para trás para vivermos outra vez momentos como este. Precisamos sim de saber olhar em frente, porfiar, acreditar e saber ousar. Como o Morais, quando, em boa hora, decidiu saltar de um cantinho para a glória. Logo, ao fim da tarde, ele estará aqui para ler os vossos comentários e, caso assim o entendam, trocar impressões.

2 comentários:

  1. Que foto do caraças. O futebol era bem mais simples. Vai tudo em cima de um carro, sem polícias, sem violências. 50 anos é muito tempo mas há coisas que não se repetem.

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  2. Que foto extraordinária! Já aqui se notava a força popular do Mágico Sporting.

    SL,
    Marco Gonçalves

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