quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

A Taça que não era para nós mas que é só nossa e outras histórias de um derby

Momento em que os jogadores benfiquistas recebem o prémio de consolação e os Sportinguistas aguardam a parte de leão.
Quando, a 1 de Dezembro de 1907, o Sporting Clube de Portugal e o Sport Lisboa se encontraram no campo da Quinta Nova, para disputar um encontro inserido no Campeonato de Lisboa, estar-se-ia longe de imaginar que se estaria a na presença da inauguração de uma história de rivalidade que já leva agora mais de um século. Passados mais de cem anos, o derby deixou de ser um simples jogo para ser "O JOGO"  dos jogos, independentemente do momento em que cada um dos oponentes se encontre. Não há favoritos, apesar dos mitos que se já se construíram à volta do jogo com mais história e histórias do futebol português.

Assim será no próximo domingo. Apesar do peso da história e das diferenças entre si, quando o a´árbitro apitar, na cabeça dos adeptos a única coisa que interessa é que o resultado final nos seja favorável, pois não há vitória mais saborosa do que as conseguidas frente aos eternos rivais. Assim o espero e assim confio que venha a ser.

Enquanto um novo capitulo da secular rivalidade não se escreve, resolvi fazer uma viagem pelo tempo, ressuscitando velhas histórias que fui lendo e ouvindo de Sportinguistas mais velhos. Voltar a elas é também a forma de não deixar morrer os que edificaram um clube cuja paixão não nasceu para ser explicada, mas para ser vivida com toda a mesma intensidade da primeira golfada de ar e o mesmo dramatismo do último estertor. A definição é com certeza hiperbólica, assim o é também a paixão e ela ganha ainda maior exuberância e fulgor em jogos como o derby.

Sem nada termos combinado, associo-me assim à excelente iniciativa do meu amigo @bancadadeleao que, no seu blogue, vem também recuperando as histórias que ajudaram a construir um dos derbys incontornáveis e eternos do futebol mundial.

O campeonato do pirolito, das bestas e dos bestiais
Parte desta história foi já aqui contada anteriormente. Estávamos na época de 1947/48 e o Sporting ia escrevendo os seus anos e ouro na história do futebol português. O campeonato haveria de se decidir por apenas um golo, que foi a diferença registada no confronto entre os dois clubes rivais, Sporting e SLB. Seria uma vitória especial,  marcada pelo carácter e vontade de superar o que parecia ser um destino desfavorável. No jogo da primeira volta havíamos perdido por 1-3 em casa e no jogo da segunda volta apresentávamo-nos com a desvantagem de dois pontos em casa do rival. Ganharíamos o jogo por 4-1, passando para a frente do campeonato. Haveríamos ainda de perder um jogo com o Setúbal, mas a derrota do SLB em Elvas na mesma jornada confirmou o título. O golo de diferença seria o tal pirolito, que era como era conhecida uma das bebidas da época e cujo vedante era uma bola. Foi a diferença de uma bola que nos deu esse campeonato, que terminaríamos empatados com 41 pontos!

O jogo seria ainda marcado por uma forte polémica à volta do treinador Cândido Oliveira. Tido como benfiquista, e por força da tensão que envolvia o jogo, viu a sua competência profissional colocada em causa por um dirigente do clube (onde é que eu já ouvi isto?...) e apresentou a sua demissão no final do jogo. Para marcar a diferença dos tempos, esse dirigente apresentaria ele mesmo a demissão, pedindo ao treinador que reconsiderasse. Cândido de Oliveira acedeu a reconsiderar a sua posição desde que o dirigente fizesse o mesmo. No final diria a fase que hoje é célebre entre nós: quando ganhamos somos bestiais, quando perdemos somos bestas.

A Taça que não era para nós mas que é só nossa
Nesse campeonato, o de 1947/48, o Sporting celebraria uma dobradinha. Daí que o campeonato seguinte, 1948/49, ganharia especial interesse por se poder então registar o primeiro tri da história dos campeonatos nacionais do futebol português*. Facto que viria a ocorrer com relativa tranquilidade, o que é conferido pelo 5 pontos de avanço sobre o rival e os 100(!) golos marcados em apenas 26 jogos, o que titula a impressionante média de 3,84 golos por jogo. 

Ora nessa altura um dos jornais mais importantes do país era o há muito extinto "O Século". O seu director, João Pereira Rosa, entendeu que as receitas da exposição organizada pelo jornal para celebrar os 30 anos de futebol a sério em Portugal deveriam reverter para o móbil do evento: o futebol nacional. Segundo as regras então definidas o primeiro clube a ganhar 3 campeonatos seguidos, 5 interpolados ou o que acumulasse mais titulos em 10 anos receberia a taça com o mesmo nome do jornal. Tratava-se de um imponente troféu, que as imagens documentam e cuja deslocação não era possível a apenas um individuo. Daí que, ao alcançar o primeiro tri o Sporting seria o primeiro clube a conquistar o tão apetecido troféu.

Este feito viria a ser repetido na época 1952/53, selando com réplica ligeiramente alterada do monumental troféu o segundo tri da sua história. Infelizmente tal significaria também o final do próprio troféu, apesar da imensa popularidade que este tinha no país futebolístico, certamente pela sua imponência e pelo significado implícito de superioridade  sobre os rivais. 

Dizem as más linguas que tão súbito final se deveu ao facto de os seus criadores, os donos do referido jornal, serem benfiquistas e a a atribuição consecutiva do troféu aos rivais não ser propriamente um facilitador das respectivas digestões...

*Os campeonatos nacionais, no modelo competitivo que se realizam hoje, iniciaram-se na temporada de 1938/39. Viriam a substituir as competições iniciais como os Campeonatos de Portugal (1921/22-1933/34) e os Campeonatos da Liga (1934/35-1937/38)

5 comentários:

  1. De facto o Cândido de Oliveira era benfiquista. O que mostra que se por aquele clube há muito passarão e passaroco, também há gente boa. E o Cândido de Oliveira foi uma personalidade notável. E a frase dele a propósito dos bestiais e das bestas ficou até hoje e dá muito jeito a qualquer treinador que se preze.

    Nesse derby o grande Peyroteu marcou os quatro golos. Curiosamente, o meu derby mais antigo foi em 1966 (tinha 13 anos) e o Sporting foi à Luz ganhar por 4-2… com quatro golos do Lourenço! O Sporting seria campeão nessa época (1965-66).

    http://www.sporting.footballhome.net/index.php?Itemid=29&id=958&option=com_seyret&task=videodirectlink

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  2. Eu nao tenho a certeza que ele era Benfiquista visto que foi educado na Casa Pia (como muitos dos fundadores do Sport Lisboa) mas depois deixou o clube para fundar o Casa Pia Atlético Clube, clube esse que seria a sua verdadeira paixao.Boa sorte para domingo e que nao ganhe o homem de preto :)

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  3. nonameslb

    O Cândido de Oliveira, casapiano dos sete costados, era benfiquista. Começou como jogador no Casa Pia de Lisboa, mas saiu para jogar a médio centro no Benfica de 1914 (ou 1915) até 1920, tendo sido o capitão de equipa. Saiu do Benfica para participar na fundação do Casa Pia Atlético Clube.
    Homero Serpa que estudou escreveu sobre Cândido de Oliveira referiu o seu benfiquismo. Aliás, o problema com um director do Sporting na semana que antecedeu o derby da Luz a em 25 abril 1948 resultou desse facto perante a ousadia da táctica que Cândido estava a preparar para o jogo da Luz. Suspeitou!
    Ribeiro dos Reis nunca terá perdoado a Cândido de Oliveira ter "virado costas" ao Benfica, tal como Cosme Damião que, um dia a propósito da disponibilidade de Cândido para treinar o Benfica, terá afirmado: “Quem sai porque quer não regressa por querer...”

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  4. Lda,

    excelente post, a lembrar como foi que o Sporting se tornou grande.

    Compare-se a atitude do então dirigente do Sporting e os de hoje. Também podia ter mandado um cozinheiro difamar o treinador no jornal e depois deste ter feito o trabalhinho sujo, encolher-se com medo da reacção dos sócios e dizer que o cozinheiro, que disse estar mandatado e autorizado, falava apenas por ele.

    Só discordo de uma coisa. Não são os tempos que são outros, são as pessoas e os valores que defendem que o são e isto não são pormenores. Crápulas sempre os houve.

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  5. É, de facto os tempos são os mesmos... Foi ontem. Curioso é chamar a atenção para a diferente atitude do dirigente, e não notar nada de diferente em relação ao treinador...

    Mas para algumas pessoas tudo serve para fazer chicana. Até as histórias de há 70 anos atrás....

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