sexta-feira, 20 de março de 2015

E de repente todos se esqueceram do modelo Dortmund

Tantas vezes dado como exemplo e provavelmente tantas vezes ansiado, o outrora incensado "modelo Dortmund" deixou de ser apontado como ideal. Em particular pelos Sportinguistas que, há dois anos, reivindicavam a sua adopção.  Esta constatação levou-me a um artigo que então escrevi e cuja actualidade me parece ser ainda hoje pertinente. Deixo aqui o que considero ser os seus pontos mais interessantes para eventual discussão:


"Precisamos de qualidade e resultados. Resultados sem qualidade é aborrecimento, qualidade sem resultados não faz sentido"*

Nota: este texto foi escrito em 17/05/2013

Tornou-se motivo de conversa entre os Sportinguistas e objecto de desejo o "modelo Dortmund", agora que o clube da Vestefália coroa o regresso à ribalta com uma final da Liga dos Campeões. Depressa foi encontrado o substituto do "modelo Barcelona" como exemplo de promessa de felicidade ao virar da esquina, mas temo que nem um nem outro tenham sido verdadeiramente conhecidos e entendidos.

Pergunto-me: e porque não o "modelo Ajax"?, que depois de um longo jejum de títulos se acaba de sagrar tri-campeão com uma equipa de jovens jogadores e um treinador que é também uma das referências da formação da casa?

A generalidade dos adeptos valida e valoriza o sucesso, raramente os métodos, o trabalho, bem como a perseverança necessários para alcançá-lo. Porém este raramente surge por acaso e, mesmo quando se estima fazer tudo bem, ele é tudo menos uma garantia.
Como Sportinguista não me aborrece apenas a superficialidade com que se entende que um modelo é transplantável e facilmente enxertado de um clube para outro, descurando as diferenças abissais entre qualquer uma das realidades, especialmente a alemã. Mais do que isto é o desprezo a que se vota a possibilidade de o Sporting construir o seu próprio modelo. Ou até de este já existir, precisando apenas de ser levado às últimas consequências, ao invés de ser constantemente recauchutado ao sabor das tendências do momento.

Inclino-me para última das hipóteses mencionadas, nem tudo estará ainda por fazer. Esse modelo passa pela formação de jogadores, algo em que já somos uma referência, na qualidade e na quantidade. Não temos "apenas" 2 jogadores considerados como os melhores entre os melhores, por toda a Europa se encontram espalhados jogadores que testemunham uma aptidão invulgar: criar valor onde a natureza se esqueceu de deixar o talento. Fazer grandes jogadores de miúdos geniais é quase natural, uma consequência. Difícil é construi-los a partir da "normalidade" e é isso que talvez seja mais fascinante na nossa formação, mesmo que menos notório e elogiado.

A excelência da nossa formação e o que é hoje o nosso futebol profissional são tão dispares que quase se pode falar em mundos paralelos. Como estender esse bem-fazer à organização do seu departamento profissional, de forma a aproximar-se ou até igualar o que faz nos escalões de formação, é a pergunta óbvia e fácil. O que vale um milhão de dólares é a resposta.

Há pelo menos uma ideia base - o recurso à formação - que carece de sair do papel e ser praticada. Tem faltado também coerência, estabilidade e perenidade, uma linha condutora, sem curto-circuitos permanentes. Todos os clubes bem sucedidos tiveram esses valores na base do sucesso e foi isso que lhes permitiu mudar e/ou adaptar-se à mutação constante da realidade envolvente. Tudo aquilo que o Sporting não tem sido e não tem conseguido no futebol.

Precisamos de recuar aos anos 50 para encontrar a última vez que ganhamos de forma sustentada. O sucesso é isso e não um titulo em cada década. Na década de 40 fomos campeões por 5 vezes, o mesmo número de vezes na década seguinte. Os anos 60 anunciaram uma ligeira travagem - 3 títulos - que estabilizou na década seguinte - os mesmos 3 títulos - para aterrar num titulo por cada 10 anos que, na década em curso, nem sequer assegurámos. É a dureza dos números, mas é também a realidade e esta, quanto mais depressa é encarada mais perto estamos para perceber onde erramos e o que temos que mudar.

Continua a faltar um modelo de jogo que produza boas exibições com frequência. Não só porque é o caminho mais curto para a obtenção de bons resultados também com a frequência necessária para atingir títulos, mas porque é com o futebol de qualidade que os Sportinguistas se identificam. A escolha do treinador assumirá, mais uma vez, uma importância decisiva para a definição dos resultados.

O Sporting apresta-se, mais uma vez a começar um processo reconstrutivo. Praticamente a partir do zero. Assim é natural que os resultados não possam aparecer no imediato. Mas não podem ficar para as calendas. Desenganem-se aqueles que o Sporting pode fazer um intervalo e que o seu lugar fica reservado. A realidade detesta espaços vazios e o Sporting ou luta por reclamar o lugar que é seu por direito ou perderá o direito a ele. Não é fácil mas o caminho para ser grande nunca o foi, pelo menos para quem joga com as mãos limpas.

* Tradução livre de uma frase de Johan Cruyff, 

5 comentários:

  1. Na mouche. Basta olhar para o recente endeusamento de João de Deus. Não é o diabo, mas não é tão fantástico como se diz por ai.

    Ainda hoje estou convencido que Godinho Lopes (e a chamada continuidade) caiu pelos resultados desportivos, não tanto pela sua gestão.

    É preciso é ter um caminho. Se acharmos que é o correcto, devemos ter paciência para o percorrer, mesmo com alguns acidentes de percurso. Até à "Crise do Natal" achava que esse caminho (futebolisticamente falando) tinha sido escolhido e que se iria até à morte com ele. Hoje tenho mais dúvidas.

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    1. "Ainda hoje estou convencido que Godinho Lopes (e a chamada continuidade) caiu pelos resultados desportivos, não tanto pela sua gestão."

      É bom ter convicções, mas é preciso ver se não estão (pelo menos parcialmente) erradas. Acha mesmo que o rumo que Godinho traçou era (minimamente) sustentável?

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    2. Uncle P,

      Não foi isso que disse nem acho que tal possa estar implícito nas minhas palavras. O que quis foi reforçar um pouco a ideia que o LdA passou no seu texto. 90% dos adeptos de futebol só olham para os resultados e ignoram a qualidade do processo.

      A má gestão no Sporting não começou com Godinho Lopes, mas só com aquela época medonha é que a continuidade caiu. O adepto comum não quer saber se o passivo é de 400 milhões, se a dívida aumenta ou se há salários em atraso. Desde que a bola entre na baliza, o mundo é perfeito. Quando não entra, está tudo mal. É assim no Sporting e em todo o lado. Por alguma razão Vitor Pereira não foi unânime no Porto e Jesus não tem sido unânime no Benfica, pese embora ser (de longe) o melhor treinador que por ali passou nos últimos 20 anos.

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  2. Frases como "O adepto comum não quer saber se o passivo é de 400 milhões, se a dívida aumenta ou se há salários em atraso. Desde que a bola entre na baliza, o mundo é perfeito. Quando não entra, está tudo mal" são típicas de desgovernados que levaram o Sporting ao estado em que está. Godinho Lopes e a Geração Banana deviam ser expulsos de sócios e obrigados a pagar pelos erros de má gestão. Olhem o exemplo do Parma.

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  3. "E de repente todos se esqueceram do modelo Dortmund "

    E essa é bem verdade!

    Agora que o Dortmund está em baixo, os seus defensores de há 2 anos, atiram o seu exemplo para as ortigas!
    Esses fazem-me lembrar os opinadores ditos economistasda nossa praça, que antes da crise tanto elogiaram e nos massacraram com os resultados e o nível de vida da Grécia, mas que depois da sua queda...simplesmente calaram-se ou desapareceram!

    Haverá sempre gente que seguirá os efeitos da moda, sem procurar saber os porquês.

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