terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Sporting Clube de Portugal

É público e notório que existe hoje um certo mal-estar no Sporting Clube de Portugal. Um mal-estar nos seus sócios, cansados, desrespeitados, entristecidos por verem o código genético do clube a deteriorar-se de dia para dia, nos seus dirigentes, entretidos em presentearem-se com farpas sobre quem geriu melhor ou pior os destinos do clube e para completar o ramalhete, nos seus atletas, uns que não comemoram os golos que marcam, outros que não jogam nas posições que gostariam de jogar, outros que se querem ir embora, enfim, um chorrilho de situações, que fazem com que este conflito seja indisfarçável e se generalize a todo o clube.

Há muito que este mal-estar reina e divide em Alvalade. Não podemos nem devemos continuar a ignorar este sentimento, que encontra o seu maior reflexo no problemático afastamento que paulatinamente os adeptos e sócios vão demonstrando, em minha opinião, como forma de protesto.

O Sporting entrou num novo ciclo da sua longa história com a inauguração do novo estádio e da academia de futebol, duas infra-estruturas vitais para o futuro do clube, enquanto entidade desportiva, cultural e social, no mundo global em que hoje vivemos. Cheios de orgulho e esperança, os Sportinguistas recordam apaixonadamente o dia 6 de Agosto de 2003, sentindo que nesse dia começava uma nova etapa, uma nova era, um novo rumo na senda do progresso, da modernidade, sem no entanto se descurarem a tradição e a honra do Sporting Clube de Portugal.

Não me parece correcto relacionar ou apontar a inauguração do novo recinto com o início desse mal-estar. Seria retirar o prestígio, consideração e respeito que a nossa casa nos merece. Mas a verdade é que desde essa altura que assistimos a uma série de factos nada condizentes com a nossa esperança.

O Sporting Clube de Portugal, deu lugar única e exclusivamente ao Sporting. O velho José Alvalade deu lugar ao Alvalade XXI. Vivemos na era das alvalaxias, das gamebox, dos packs, dos tbz projectados nos artigos do clube. A par disto, a estratégia de comunicação do clube com os seus adeptos, passou a ser de tal forma informal, que custa a acreditar que a mesma também se destine a uma grande fatia de sócios, com idade para não serem tratados por tu. Resumindo, o Sporting passou a ser gerido como uma marca e não como uma instituição centenária. Não se conseguiu aliar a modernidade que efectivamente o clube carecia com a tradição de um clube centenário que deve preservar as suas memórias e identidade.

A par disto, aquando da construção do novo estádio, fruto da complexa situação económica e financeira do clube, que ainda hoje se verifica, foi tomada a decisão de não se construir um pavilhão desportivo, outrora símbolo do ecletismo do clube, imagem de marca do Sporting Clube de Portugal. Esta foi porventura a decisão mais errada na vida do clube, cujas consequências estão à vista de todos. Acabaram as romarias a Alvalade, nas tardes e noites em que os adeptos afirmavam o seu orgulho leonino através do ecletismo e com isto esbateu-se parte da alma do Sporting.

Ainda me lembro, quando vivi em Lisboa, de ter que me deslocar ao pavilhão paz e amizade em Loures, para ver os jogos de futsal. Um vexame, um desconforto, uma dor de alma, para os sócios do Sporting, em casa emprestada, acto nada digno de um clube com os pergaminhos do Sporting. Não bastava a malta ainda estar a habituar-se ao facto de já não ter ali o treino em Alvalade, parece que ainda estou a ver os sócios mais velhotes, naquela primeira época após a inauguração, meio perdidos e desorientados na alvalaxia, expressando nos rostos a saudade daquilo que perceberam que lhes roubaram e que hoje é tão evidente, o espírito leonino, a mística do mítico Alvalade.

Os 246 núcleos, as 23 delegações e demais associações do clube, perderam fulgor e a vida de outros tempos, transformando-se, salvo honrosas e meritórias excepções, em meras colectividades onde os adeptos se reúnem apenas para beber umas cervejas e ver a bola que cada vez passa mais tarde na televisão. Estas fontes de vida Sportinguista, que dão expressão nacional e mundial ao grande Sporting Clube de Portugal, deixaram de ter qualquer importância nos destinos do clube, como aliás, a maioria dos sócios, que se sentem distantes, inúteis, sem voto na matéria.

Nós queremos Alvalade pintado de verde e branco, com o símbolo do clube e o nome Sporting Clube de Portugal estampados nas bancadas. Por muito bonito que seja, Alvalade não é o municipal de Leiria ou o municipal de Aveiro, para ter cadeiras às corezinhas. Nós temos a nossa cor, que é a nossa alma, a nossa esperança, a nossa fé, a nossa força verde e branca.

Nós queremos um clube moderno, no mundo globalizado em que vivemos, mas que não descure a tradição e a memória do tempo. Que afirme os valores do ecletismo como marca oficial dos nossos valores e princípios desportivos.

Nós queremos que os núcleos, delegações e demais associações do clube passem a ter um papel mais activo na vida e nos destinos do clube, sendo necessária uma reestruturação organizacional e estatutária para que isso aconteça. Os núcleos não devem servir apenas para se ir colher calor humano nem para proferir farpas para o interior do clube. Os núcleos são a alma do clube e maior fonte de crescimento do mesmo.

Nós queremos o Sporting Clube de Portugal de volta e com isso, a mística do mítico e mágico Sporting. Esta era provavelmente a resposta a uma de tantas questões que ficaram por fazer no famoso inquérito aos sócios.

Não estou contra ou a favor do actual elenco directivo. Não são certamente os culpados de todo este mal-estar que se apoderou do nosso clube, patente nos demais conflitos internos. Precisamos de um amplo debate, onde se façam ouvir todas as vozes da família Sportinguista. O que é hoje o Sporting Clube de Portugal? O queremos continuar a construir? Que legado queremos deixar aos nossos filhos e netos? É deste debate que deve sair um consenso, uma via, capaz de nos pacificar internamente e dar a força necessária para definitivamente conquistarmos a glória. O Sporting vai viver um ano de 2009 decisivo para o seu futuro. Não sei se o Congresso servirá para abordar estes e outros assuntos cruciais para o clube, ou se não será uma oportunidade perdida para debater o Sporting Clube de Portugal.

O mais importante neste momento é pensarmos o que cada um de nós pode fazer para ajudar a acabar com este permanente conflito em que vivemos, sob pena, de ele se agudizar de tal maneira, que o Sporting Clube de Portugal precise mesmo de ser salvo.

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