sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

A Assembleia Geral como órgão de recurso

Dia 15 de dezembro a Assembleia Geral do Sporting Clube de Portugal reúne para apreciar os recursos de sócios suspensos e expulsos, designadamente de vários ex-membros do Conselho Diretivo do clube.

Segundo o Presidente da Mesa da Assembleia Geral, os visados podem estar presentes e falar durante 15 minutos, o que tem gerado alguma controvérsia, designadamente pela possibilidade de os sócios suspensos dos seus direitos sociais poderem entrar e falar na assembleia.

Com efeito, os sócios suspensos não deveriam poder participar numa Assembleia Geral. 

Já os sócios que foram expulsos podem participar sem qualquer limitação, uma vez que os recursos interpostos têm efeito suspensivo, ao contrário dos recursos interpostos pelos sócios suspensos com efeito meramente devolutivo (cfr. n.º n.º 7 do art.º 28.º dos Estatutos). 

Mas esta é uma assembleia com características especiais em que a ordem de trabalhos é constituída, unicamente, pelos recursos apresentados nos termos do n.º 7 do art.º 28.º e da alínea g) do n.º 1 do art.º 43.º dos Estatutos do clube.

Os recorrentes devem poder apresentar os seus motivos aos sócios que vão votar os recursos porque deve prevalecer o princípio básico do contraditório e o direito à defesa.

Não poderão, contudo, tais sócios suspensos (nem os que foram expulsos) exercer o direito de voto, nos termos do n.º 1 do art.º 176.º do Código Civil, por haver um claro conflito de interesses. 

Não será demais recordar que essa proibição foi ostensivamente violada pelo então Presidente do Conselho Diretivo na Assembleia Geral que votou a sua destituição.

Sobre o funcionamento desta Assembleia Geral, o Presidente da Mesa informou, ainda, que "os sócios podem entrar, votar e ir embora, ao contrário do que acontecia num passado recente, onde só depois da discussão dos pontos da ordem de trabalhos é que eraaberta a votação.”

Ora ”As reuniões das Assembleias Gerais são eleitorais e comuns e ambas podem ser ordinárias ou extraordinárias.”
(cfr. art.º 44.º, sublinhados nossos).

A Assembleia Geral que visa apreciar os recursos de sócios suspensos e expulsos é uma Assembleia Geral comum extraordinária.

Os mesmos estatutos determinam que apenas “As Assembleias Gerais eleitorais funcionam sem debate, nelas se procedendo apenas a votação, por voto secreto.” (cfr. n.º 1 do art.º 47.º, sublinhados nossos).

 E o Regulamento da Mesa da Assembleia Geral doSporting Clube de Portugal estipula no art.º 12.º - Organização dos Trabalhos - e na alínea b) do n.º 1 do art.º 13.º - Direitos dos sócios - que todos os sócios que se tenham inscrito podem tomar parte nas discussões que se suscitarem sobre os assuntos constantes da ordem do dia.

Para que serve então a discussão?

Segundo Roque Laia, no seu Guia das Assembleias Gerais, a discussão é pressuposto da formação da vontade coletiva face à ordem de trabalhos. 

Pelo que a possibilidade de os sócios votarem durante a apresentação dos recursos, que são os únicos assuntos da ordem do dia, ou até no decorrer da discussão, sem que esta tenha terminado, não faz qualquer sentido, é absurda e viola os referidos Estatutos e Regulamento.

Além de ser uma falta de respeito para todos os sócios que participam numa discussão estéril e sem sentido, ora porque ninguém os ouve, e muitos já terão votado antes.

O facto de assim ter sucedido em duas Assembleias Gerais recentes (na Assembleia/”plebiscito” de fevereiro e na de destituição), não torna este procedimento adequado, muito menos legal.

Se a discussão in loco é assim tratada, porque não admitir nestes casos o voto por correspondência?
Mais, o Presidente da Mesa não tem poder para decidir que se prescinde da discussão mas pode propor à Assembleia que vote no sentido de se prescindir dessa discussão, ou que considere a matéria como discutida, conforme n.º 1 do art.º 16.º do referido Regulamento. 

A decisão será dos sócios.

E as intervenções passariam a ser consideradas como intervenções “no período antes da ordem do dia”, realizadas após a discussão dos assuntos da ordem do dia, aí sim, por decisão do Presidente da Mesa (Cfr. n.º 3 do art.º 12.º do regulamento).

Tenhamos presente que certamente esta Assembleia Geral será alvo de impugnação judicial e ninguém quererá que os resultados da mesma sejam afetados por irregularidades procedimentais cometidas, por melhores que sejam as intenções das mesmas.

Este tipo de assembleia para julgar recursos deveria ter outro formalismo? Provavelmente sim, mas para isso importa modificar os estatutos e, até lá, cumprir os mesmos, ao contrário do passado recente em que a Lei, Estatutos e Regulamento foram frequentemente muito mal tratados.

Rui Morgado

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