A saída de Amorim revela a maioridade do Sporting?
A forma como o Sporting e Amorim geriram e comunicaram seguirem agora caminhos separados foi exemplar mas, neste cozinhado, havia vários ingredientes que ameaçavam o resultado final. Assim, ambas as entidades estiveram à altura daquele que é o final de um período dourado e duradouro, resolvendo os interesses conflituantes e criando uma plataforma de entendimento que permite uma boa saída que serve a todos.
Logo após Amorim ter aceitado o convite do gigante de Manchester ou após a oficialização da transferência, ocorrida horas antes do jogo com o Estrela da Amadora, foi manifestada por vários adeptos do Sporting a ideia que a sua saída deveria acontecer no mesmo instante. A transição imediata para uma nova liderança era entendida como a melhor forma de defender os interesses do Sporting. Não foi assim que entendeu Frederico Varandas, decisão sobre a qual se debruça este post.
A saída de Amorim, fosse quando fosse, teria sempre um grande impacto no clube e que não se resumiria às questões meramente desportivas, embora estas sejam obviamente as mais relevantes. Ocorrendo tão de repente, quando exultávamos com a performance da equipa, e neste momento tão precoce da época, representou um choque generalizado. A saída assim, de um treinador com o carisma de Rúben Amorim e que cunhou a sua marca em todos nós não poderia acontecer de outra forma. Imaginamos o que representa para os jogadores?
Ao ter conseguido que Rúben Amorim completasse o ciclo que terminará com a viagem a Braga, o Sporting procura manter a concentração e o foco nas duas competições onde tem ambições distintas, mas importantes: revalidar o título e o apuramento para a fase seguinte da Liga dos Campeões. Ainda que batê-los não seja pouco mais do que uma miragem, o jogo com o City ocorre num momento de alguma fragilidade dos campeões ingleses, aumentando assim a possibilidade de obter um resultado diferente do que a generalidade dos analistas prognosticam. E o jogo de Braga, que seria sempre importante, ocorre na mesma jornada que o clássico embate entre os dois maiores rivais, que determinará a perda de pontos senão de ambos, pelo menos a de um deles. Algo que o Sporting não poderá desperdiçar.
Há quem possa pensar que a presença do praticamente ex-treinador possa ser perniciosa? Certamente. Mas em que sentido? O treinador não tem motivação para ganhar ao City e é-lhe indiferente chegar ao rival United com qualquer resultado? As luzes de Manchester ofuscam-o ao ponto de perder a ambição de terminar a sua passagem por Alvalade com o registo de 11 vitórias consecutivas? A sua partida, ainda que tenha quebrado um elo importante entre ele e o plantel, ou parte dele, quebrou a vontade dos jogadores em continuar na senda das vitórias, de brilhar na Liga dos Campeões, ou continuar o incrível registo na Liga e que destaca o Sporting como a única equipa invicta nas principais ligas europeias? A continuidade até ao fim do ciclo não representa um risco bem menor do que uma mudança brusca e imediata de treinador?
A medida parece ter ainda outro alcance: a de proteger o próximo treinador. Uma derrota com o City de Guardiola não seria propriamente problemática. O próprio Amorim sofreu uma pesada derrota em casa, mas num contexto diferente e tinha resultados e títulos para mostrar, o que não acontece com o que tudo indica vir a ser o seu sucessor. A saída a Braga representa sempre um risco e se correspondesse à primeira perda de pontos em Braga acenderia os semáforos da desconfiança nos adeptos e poderia abalar a crença do plantel. Dar o tempo possível ao novo treinador para cimentar a sua liderança sem passivos comprometedores, proporcionando-lhe uma estreia de baixa dificuldade (jogo para a Taça de Portugal, ante o Amarante) parece ser a linha de pensamento por trás desta estratégia e que parece fazer todo o sentido.
Claro que todas as estratégias em futebol são contingentes e o que as valida são os resultados. Veremos o que resulta no balanço destes dias que abalaram o Sporting. Ainda assim, e visto deste ponto que agora nos é possível, o Sporting parece ter ponderado, fazendo a analogia com um jogo de cartas, o jogo que tinha na mão e que trunfos poderia jogar, procurando minimizar ao máximo os efeitos da inevitável instabilidade que a partida brusca de Amorim provocou.
Uma derradeira palavra para Amorim e para Frederico Varandas, que agora seguem caminhos separados. A saída do treinador surge a meio de um ciclo virtuoso e introduz uma enorme incógnita sobre o futuro próximo para o futebol do Sporting. Ocorre num momento de afirmação e que parecia estar a lançar as bases para um período de hegemonia. O Sporting era, nestes últimos tempos, um modelo de organização e estabilidade, de bom aproveitamento dos recursos disponíveis, por oposição à instabilidade dos seus rivais. A substituição de Amorim e os efeitos da sua abrupta ausência porão à prova a preparação da estrutura directiva e em particular do presidente, num momento em que a maioridade, leia-se maturidade, parecia ter sido alcançada. A decisão agora tomada parece revelar uma ponderação que há alguns anos era rara ou até inexistente em Alvalade. Até mesmo a solução para o vazio deixado por Amorim foi preparada com antecedência, o que se não é inédito é pelo menos raro entre nós.
Amorim deixa obra feita e coloca-se num plano onde estão apenas os melhores da nossa história. Mas deixa também uma obra inacabada a dois níveis: não cumpre o compromisso de lutar pelo tão ambicionado "bi", não alcançando aquele que me parecia ser o plano seguinte e que poderia ser o engodo para o fazer permanecer: a afirmação de um Sporting europeu. Com ou sem ele, esse continua a ser um anseio de todos nós.
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