Foi notícia por estes dias a iniciativa de José Eduardo no sentido de preparar um documento com ideias concretas para o futebol do clube. Segundo palavras do próprio, com ela pretende estabelecer “um conjunto de boas práticas e uma estratégia que sirva de ideário ou de cartilha para o futebol, para que o Sporting não esteja sujeito a mudar consoante a opinião de A, B ou C e sempre que alguém chega de novo ao clube, seja treinador ou director desportivo”.
Devo dizer que saúdo todas as iniciativas para voltar a por o clube a pensar o seu futebol, porque o que se vem fazendo nos últimos tempos, e em particular nesta última época, é essencialmente o resultado de medidas avulsas e impensadas. Nas palavras do próprio presidente, “era necessário fazer alguma coisa”, sem nunca ter explicado muito bem o quê. Os resultados estão à vista. As palavras de José Eduardo retratam bem o que muitos Sportinguistas pensam hoje: a estratégia para o futebol está na cabeça de Costinha e do seu pensamento não se conhecem as linhas directoras. O que seria saudável para o Sporting era o seu director desportivo executar o ideário que o clube predefiniu e não o clube adaptar-se às ideias de quem entra e sai.
O futebol do Sporting não precisa, para definir uma estratégia, de reinventar a roda. Os últimos anos temos andado à volta da melhor solução, falhando, quanto a mim, repetidamente na escolha da trave mestra: o treinador.
Quando realizamos aqui, há um ano,
uma jornada de reflexão contamos com a ajuda desinteressada de muitos Sportinguistas. O texto que hoje recupero,
escrito pelo PLF, foi o que mais incidiu sobre a vertente da estratégia desportiva e que deveria ser um documento incontornável na iniciativa agora levada a cabo por José Eduardo. Está lá uma ideia-mestra para o nosso futebol que merece ser revisitada. Um ano depois é perfeitamente actual
1. Um contexto
Comecemos pelo princípio: sou um relativo adepto do denominado "Projecto Roquette". As ideias que estiveram na sua base, as ideias que estariam na base da sustentação do projecto desportivo do Sporting, eram boas e passavam essencialmente por três vectores, todos plausíveis, todos exequíveis e todos racionais: (i) aposta na formação, (ii) aposta na valorização dos direitos de transmissão televisiva dos jogos do Sporting, nas futuras plataformas multimédia e (iii) aposta num projecto imobiliário, em altura de elevada valorização deste mercado, que em conjunto garantissem que o Sporting poderia oferecer aos seus adeptos condições ímpares para assistir a um espectáculo de futebol.
A criaçao de um braço empresarial para o clube foi a opção certa. Tanto assim foi, que foi seguida por todos. A implementação das ideias, contudo, teve - para ser simpático - um sucesso variável.
No que era imprevisível - a valorização dos direitos de transmissão dos jogos de futebol do Sporting - em sintonia com a catástrofe das dot.com, o Sporting (os seus associados e os seus accionistas) ficou a perder. No que era mais inverosímil que perdesse dinheiro - o imobiliário - o Sporting conseguiu apresentar contas negativas, vender quando o mercado já estava em nítida baixa sob a justificação (compreensível) que o Sporting (SAD ou clube) não tinha vocação para gerir este negócio. Mas a formação foi um sucesso. E - apesar de sempre necessárias revisões da implementação desta política de aposta na formação - é um sucesso que continua a apresentar frutos e que se apresenta, na minha opinião, (actualmente) o único aspecto da vida do clube em que existe potencial de crescimento.
O Sporting, sem esta sua aposta inicial na formação, que juntou as condições de trabalho ao know how que existia em Alvalade, existiria hoje (porque os sportinguistas não desapareceriam) mas sob uma forma totalmente diferente. Provavelmente não seria mais dos seus associados. E por isso é chocante ouvir-se alguém que se quer responsável (que a única coisa de que é responsável é por uma gestão flagrantemente desequilibrada de uma sociedade) dizer que o actual treinador é bom porque terá "dado" ao Sporting o Nani. Foram as (fortes) apostas do Real Sport Clube de Massamá e do Sporting que permitiram que Nani oferecesse €25,5M ao clube. Apostar num jogador talentoso tem pouco de meritório. 2. Uma mais valia
Quando se pensa o futuro do clube fala-se sempre em sustentabilidade. O Sporting quer-se sustentável a curto, médio e longo prazo. Este é outro dos (poucos) desejos comuns dos Sportinguistas. Como amor que é, queremos que dure bem além da morte que nos separará. O Sporting é para nós, para os nossos filhos, para os nossos netos, mesmo que ainda sejamos adolescentes ou estejamos longe de encontrar razão para aumentar a família sportinguista. Aqui, como lá em cima, os sportinguistas dividem-se sobre o caminho para a sustentabilidade.
Nao tenho dúvidas sobre a parcialidade desta minha opinião: ela reside num pré-conceito, o de que o forma bons jogadores, jogadores com nível para jogar no Sporting, jogadores com nível para ambicionar voar mais alto, e forma-os em número suficiente para oferecer ao clube essa tal sustentabilidade. Ou seja, acredito que o Projecto Roquette é capaz de se (auto)sustentar em apenas um dos seus vectores principais. O futebol, como sempre, seria o motor da restante actividade do clube.
Filipe Soares Franco era da mesma opinião: era necessário conservar os talentos formados pelo Sporting o tempo suficiente para que estes oferecessem ao clube os títulos que o seu valor desportivo justificava. Isto partia de uma premissa lógica: se o Sporting vendia jogadores por valores que não estavam ao alcance da sua bolsa (entre os €5M e os €25M) e se - para mais - estes jogadores nao implicavam qualquer investimento inicial, então o Sporting poderia utilizar as (restantes) receitas para compor o plantel competitivo que lhe permitiria atingir maiores voos. E por isso as ambições europeias de Soares Franco. Para mim, também era lógico.
E, desde sempre, Soares Franco recusou a ideia de que o Sporting não venderia os seus talentos. Disse - na sua natural incapacidade para comunicar - que não venderia "agora". A sustentação do clube passaria, obviamente, também pela transferência dos seus próprios talentos. Isso seria um passo necessário, inevitável face à capacidade orçamental (a nível salarial), para manter as contas equilibradas. E assim se poderia juntar o útil ao agradável: libertar o clube/SAD da obrigatoriedade de proceder às tais "mais-valias" concederia a possibilidade de vender na melhor altura, sem ser perante a ameaça do incumprimento, e isso permitiria manter durante mais tempo no clube os jogadores com maior valor de mercado. E como o mercado remunera a competência, mantendo-se os mais valiosos, preservar-se-ia o valor dentro do clube.
O objectivo até poderia deixar de ser exclusivamente "valorizar" os activos, optando - a médio prazo - para a capacidade de ter a opção relativamente à oportunidade da venda. Isto é, aceitando que um jogador não se valorizaria acima de X, seria preferível mantê-lo (perdendo dinheiro) caso para a sua ausência nao houvesse uma hipótese em alternativa que apresentasse garantias de uma substituição adequada.
E se a política de formação do Sporting continuou a ser um sucesso, a gestão dos activos resolveu seguir o mesmo trilho que a da construção do imobiliário: é desastrosa. E é desastrosa por fazer perder ao clube muito mais dinheiro do que investiu.
3. Uma solução
O exercício da auto-citação tem o seu quê de pretensioso. Mas, sem pudor, ficam aqui umas linhas que escrevi como uma introdução em Julho a um post intitulado "o meu plantel para 2009/2010": "Comecei a escrever este post no princípio de Junho. Ficou no pipeline porque queria fazê-lo fundamentado em números, na necessária redução orçamental que o Sporting deverá fazer em função da maior dificuldade de aceder à Liga dos Campeões."
Ainda antes dos jogos oficiais, entre outras coisas, pedia a substituição de Polga, a contratação de um defesa-esquerdo, as dispensas de Romagnoli e de Rochemback, a contratação de Hugo Viana e - sobretudo - uma redução do orçamento para o futebol.
As soluções seriam encontradas dentro de casa. Havia-as em número suficiente para que o Sporting apresentasse um plantel com soluções, próximo em qualidade do actual plantel, mas com um custo substancialmente inferior.
E, na minha opinião, a minha proposta acumulava três méritos: (i) potenciava a existência dentro do plantel de jogadores susceptíveis de ter mercado (por oposiçao a outros "sem mercado", quer pela idade, quer pelas falhadas experiências no estrangeiro, quer pela ausência de qualidade), (ii) fazia face à redução da probabilidade de receitas oriundas da Liga dos Campeões (face ao novo formato), portanto equilibrando a gestão ao aumento do nível de risco de perda de receitas e (iii) enviava um forte sinal aos sportinguistas de que se estava a construir algo para o futuro. Este sinal - que foi dado no passado com acolhimento pelos adeptos - permitiria fazer o Sporting virar a página. Seria um projecto comum.
Para este projecto, seria apenas necessário dotar o Sporting de meios para assegurar que o trabalho de formação dos jogadores nao parava à sua saída dos escalões de formação. Não seria necessário apenas um treinador que apostasse nos jovens da casa, era sobretudo preciso uma equipa técnica que assegurasse que - na transição para seniores - os jovens formandos do Sporting continuariam a apurar as suas capacidades, por forma a tornarem-se cada vez melhores.
Que resultados poderia ter esta estratégia? Imaginando que o Sporting conseguia reduzir significativamente o seu orçamento, limpando da coluna da despesa salários gordos que não apresentassem uma possibilidade de retorno desportivo e financeiro - vendendo um ou dois jogadores (Moutinho e Veloso à cabeça), estaria encontrada a solução para acabar com o estrangulamento imposto pela dívida.
Caso a estratégia tivesse sucesso, poder-se-ia almejar a ainda mais receitas. Caso contrário, o risco era meramente desportivo. Do ponto de vista financeiro, com a despesa controlada, o Sporting estaria em condições - a médio prazo - de reverter esta orientação política. E isto sem (voltar a) meter dinheiro nas mãos de quem o tinha esbanjado anteriormente.
Esta era a minha solução. É a solução de quem tem de gerir um orçamento apertado, de quem não quer depender de terceiros a prazo ou de quem tem orgulho na sua identidade e não contempla vender a alma (a personalidade) para assegurar uma nova vida. Infelizmente, cada vez mais o Sporting se afasta da sua raiz original. Temo que com isso possa comprometer o futuro deste meu amor e, com ele, o dos meus filhos e netos.
É de salutar a ideia do José Eduardo, que se muito me engano terá surgido do recente Colóquio sobre Constituição de Plantéis organizado pelo Núcleo de Paço d’Arcos.
ResponderEliminarEmbora discorde da publicidade nos jornais da tal cartilha, pois pode soar a autopromoção e isso ser injusto, sou da opinião que estas coisas fazem-se e apresentam-se. Ficamos todos na expectativa de saber se a tal cartilha corresponde à opinião da generalidade dos Sportinguistas.
Leão de Alvalade,
ResponderEliminaragradeço a republicação deste post, que me deu gosto de escrever (ainda que uma israelita, no hostel que estava em Buenos Aires, não parasse de reclamar) e que foi como que um ponto de partida para outras ideias que vim a desenvolver no ano seguinte.
O sucesso de uma estratégia assente nos princípios que acima referi é absolutamente uma incógnita. A única coisa que podemos afirmar com certeza é que dificilmente o resultado desportivo seria pior.
Enfim... talvez tenha mais sorte na 3ª publicação!
Carlos:
ResponderEliminarA direcção já tomou uma posição pública sobre as intenções de José Eduardo, seguindo as declarações públicas de Costinha, que parece ter ficado amuado.
Não me parece que qualquer cartilha tenha que ser validada previamente pelos Sportinguistas até porque não creio que a maior parte despenda o seu tempo a pensar a estratégia do clube e tenha uma opinião formada sobre o assunto. Para isso elegem-se as direcções e por isso se seleccionam os melhores profissionais.
O que este artigo deixa à discussão pode não ser o caminho mais "glamoroso" do ponto de vista dos adeptos,uma vez que propõe a concentração naquilo que o Sporting faz melhor: a formação.
Com isso o Sporting não disputaria as primeiras páginas dos jornais com os seus principais rivais no que diz respeito às contratações- o que não quer dizer que não deva recorrer ao mercado - mas poderia continuar a disputar os primeiros lugares na classificação. Em caso de insucesso - e uma vez que nem mesmo as melhores estratégias são 100% vencedoras - o clube não vê o seu futuro comprometido.
Não é um caminho fácil e muitas vezes parece não ser o mais desejado pelos Sportinguistas, apesar das suas vantagens mais que óbvias. Infelizmente só parecemos reparar nelas quando vemos a quantidade e a qualidade dos jogadores que já passaram pelo Sporting e que constituem hoje a selecção.