É um exercício difícil avaliar de forma justa uma liderança de que não se gosta. É o meu caso relativamente aos três anos que agora se completam desde a chegada à presidência de Bruno de Carvalho. Ainda assim é um exercício obrigatório, quanto mais não seja para memória futura. Contudo, o verdadeiro balanço deve ser feito no final do mandato, uma vez que há vários processos em curso cujo desfecho afectará o juízo que se fará deste período.
Em jeito de pré-conclusão, é inegável que, genericamente, o Sporting hoje se encontra em melhor situação do que aquela que Bruno de Carvalho recebeu do seu antecessor. Do ponto de vista financeiro e desportivo, o clube se
encontra hoje num momento incomparavelmente melhor, algo pouco
expectável, face ao ponto de partida. Pode-se dizer que foi para isso que os Sportinguistas decidiram interromper o mandato de Godinho Lopes, mas também é justo afirmar que, face à conjuntura interna e externa, eram muitas as dificuldades a vencer para chegar onde estamos hoje.
Fazer uma reestruturação financeira, com os cortes que tal implica, e conseguir, em simultâneo, uma recuperação da competitividade da modalidade mais representativa do clube, é o principal mérito da actual gestão. A par disso regista-se o que se pode chamar de normalização de resultados ao nível das modalidades, embora sem grandes resultados, face às responsabilidades do clube. Acresce ainda o regresso à actividade formal de alguma modalidades muito queridas dos adeptos, como o ciclismo, o basquete e o hóquei em patins que, graças ao pundonor de alguns Sportinguistas, haviam sido resgatadas à extinção.
Abaixo deixo algumas considerações mais especificas, com atenção particularmente centrada no futebol.
Plano Financeiro e Patrimonial
É neste plano que se encontra talvez a mais lustrosa das medalhas da actual gestão: os resultados positivos em exercícios anuais consecutivos, o que não só era inédito nas contas da SAD, como é raro nas sociedades que se dedicam à mesma actividade. O facto de os resultados desportivos não terem dado grande contribuição - não tem sido particularmente feliz a passagem pela Liga dos Campeões - torna ainda mais meritória a acção.
A obtenção de condições particularmente favoráveis na elaboração do plano de reestruturação financeira também é altamente meritória. Porém, ela deve ser olhada como um meio e não um fim em si mesma. A sua execução será particularmente difícil e o aumento do endividamento algo dissimulado nas VMOC's, o "roll over" de empréstimos e outras obrigações indicam que é ainda muito cedo para aliviar a atenção. Muito menos para cantar vitória e que as gerações vindouras continuam a ver empurradas para si obrigações que deveriam hoje ser nossas.
A este nível surpreendeu-me que a alienação dos terrenos da Academia, por incumprimento das amortizações previstas no anterior negócio com o BCP, tenha passado quase despercebida. Um sinal claro, a par de noticias de outros incumprimentos, que as dificuldades de tesouraria continuam a ser tão comuns como eram no passado e que, apesar dos resultados anuais positivos, não houve ainda a alteração estrutural que tantas vezes é apregoada.
O pavilhão João Rocha, cuja construção está em curso, a renegociação dos contratos televisivos e de publicidade são dois trunfos grandes que constam deste baralho financeiro e patrimonial. A inauguração das emissões da Sporting TV também o é, embora a qualidade editorial de alguns programas esteja muito longe do que consideraria o mínimo exigível.
Plano Desportivo
Ao nível das modalidades amadoras, mais do que os títulos tem sido a já aludida recuperação de uma normalidade, uma vez que sem ela é impossível ambicionar grandes conquistas. Há no entanto ainda um grande caminho a percorrer.
Foi no futebol que a recuperação foi mais evidente e talvez mais tenha surpreendido. O principal mérito tem estado na compreensão do papel determinante do treinador na capacidade competitiva da equipa. Infelizmente os constrangimentos financeiros na primeira época e uma percentagem muito reduzida de acerto na escolha de jogadores na segunda, não permitiram chegar muito mais longe. Aí, a incompatibilidade entre o treinador e a SAD, declarada numa fase muito precoce da época, certamente que também teve o seu peso, embora esta tenha finalizado com a melhor conquista até ao momento. A chegada de Jorge Jesus foi o joker improvável que acabou por fazer aparecer o Sporting esta época como verdadeiro candidato ao título.
Neste âmbito ficam ainda as muitas dúvidas sobre aquele que tem ser sido o estandarte mais valioso do clube: a formação. Com justiça terá que se afirmar que muitos erros tinham sido já cometidos nos mandatos anteriores. É ainda difícil perceber o que se tem andado a fazer em Alcochete, tantas e constantes têm sido as mudanças, mas a perda de valor nos quadros, a par da maior concorrência externa, é um cenário que parece querer confirmar-se. É pelo menos isso o que se pressente quando se procuram novos nomes com possibilidade de afirmação na equipa principal e as dúvidas sobressaem. A perda de influência nas selecções nacionais dos escalões de formação é um facto.
O Clube
O Sporting é hoje um clube que recuperou grande parte da vitalidade que havia perdido. Muito disso se deve à actuação do executivo de Bruno de Carvalho, obviamente. O amor e elevada dedicação pelo clube por parte dos sócios e adeptos eram qualidades que pareciam negligenciadas no passado e que agora são potenciadas com acções diversas e frequentes. A presença nas redes sociais e outras plataformas de comunicação ganhou finalmente relevo e, entre os exageros, erros e omissões pontuais e a inacção e indefinição de outrora, parece-me este o caminho mais adequado.
Há no entanto sinais cada vez mais evidentes e preocupantes da sujeição do clube à personalidade do presidente. Muito por causa do seu discurso egocêntrico e frequentemente auto-elogioso e de reacção fortemente alérgica às criticas, que geralmente recebe apoio igualmente feroz, mas geralmente acrítico, de uma legião de adeptos que frequentemente se entregam ao cultivo de um ego já de si hipertrofiado. A nível interno toda e qualquer voz que exprima dúvidas ou seja discordante é geralmente tratada como se de uma traição se tratasse. São apenas três anos, mas em muitos casos emulam-se comportamentos em tudo semelhantes, por vezes até mais graves, aos que vimos crescer e acentuar-se nas décadas anteriores.
A nível externo, pelo tanto que há a fazer, pelo espaço que tem de conquistar, um
presidente do Sporting não pode querer para si o estatuto de uma figura
consensual. Uma luta desigual, pelas tantas vezes que foi esquecida e quando foi
realizada - ao tempo de Dias da Cunha, p.ex. - não teve a continuidade
desejada. Sendo uma luta necessária, é verdade que potencia antagonismos e
até mesmo inimizades e ódios, porque quem detém o poder não o entregará de
bom grado.
Mas isso é muito diferente da figura histriónica a que
frequentemente Bruno de Carvalho se presta, esquecendo-se que o Sporting
Clube de Portugal não é uma abstracção, antes sim um legado de muitas
gerações. Tenho sérias dúvidas que o estilo adoptado não esteja a desvirtuar esse legado. Aos que desculpam o estilo, respondo com o que dizia o poeta: "o estilo é
tudo". O estilo constrói a identidade e a do Sporting é bem diversa da arrogância lampiónica ou da boçalidade de Pinto da Costa que, pelo
menos, às vezes até consegue ter graça. É isto o brunismo, um estilo de que não gosto.
Ao desgaste da imagem de Bruno de Carvalho não têm correspondido grandes ganhos ao nível da importância do clube nos centros de decisão. E os inimigos de outrora são hoje os mesmos, só que mais acirrados. Não me parece que o Sporting seja hoje mais respeitado que no passado. Se as estratégias se avaliam pelos resultados esta deixa muitas dúvidas.
Para o futuro fica o grande desafio que hoje se coloca a Bruno de Carvalho. Este é a consolidação do que conseguiu alcançar nos dois planos acima descritos - financeiro e desportivo - sendo que a época em curso, e as consequências que resultarão do desfecho final, poderão assumir uma importância decisiva. Ganhar ou não o titulo e a continuidade de Jorge Jesus serão seguramente determinantes. Pela sua importância, dedicarei a esse propósito um post em breve.
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PS- Para quem gosta de futebol, em particular os das gerações mais velhas, hoje é dia de lembrar Cruyff. É um dia triste sobretudo para quem com ele privava, os amigos e familiares. Mas o melhor da sua herança não se extingue com o seu desaparecimento fisico. Há muito que Cruyff ganhou a imortalidade.