Em regra o primeiro ano de uma equipa de gestão recém-estreada corresponde ao seu ano mais difícil. No caso concreto dos corpos sociais encabeçados por Bruno de Carvalho essa dificuldade foi acrescida por significar também a alteração quase radical das estruturas técnico-administrativas que sustentavam o clube. Estar ciente deste facto e escolher a frase que titula o post é altamente contraditório. No entanto a contradição só subsistirá para quem não ler a totalidade do post. Este foi escrito ao "correr da pena", sem preocupações em elencar de um lado as virtudes e do outro os defeitos, como é tradicional nestas ocasiões.
A importância da mudança
A chegada de Bruno de Carvalho à presidência do Sporting equivale ao fim do que se convencionou chamar "o roquettismo". Expressão quanto a mim redutora e generalista, que carimba de forma negativa e por igual todos os que foram chamados à responsabilidade de dirigir o clube, o que me parece injusto, uma vez que trata de forma igual actuações e momentos muito diversos. Este não é porém o post para voltar à análise do que foi esse período.
É indiscutível que existia uma fractura no clube cujo comprimento variava consoante os resultados. Mais do que isso parece-me também evidente a existência de um aprisionamento psicológico, que em muitas ocasiões se transformava um álibi. Com o fim da "so to speak" "dinastia Roquette" esse condicionamento cessa e deixa de poder ser usado. Espera-se uma nova era. Esse sentimento é altamente responsabilizador para a actual gestão, que se assume como veiculo e autor da mudança pretendida.
A popularidade de Bruno de Carvalho
É um fenómeno interessante. Quanto a mim desmente o cliché de um Sporting confinado num nicho elitista e confirma a sua raiz popular. Essa é a homenagem justa que se presta aos fundadores que, sendo eles maioritariamente originários de sectores sociais assim identificados, souberam gerar uma organização abrangente e transversal à sociedade portuguesa.
Quanto ao estilo, há quem goste, há quem o rejeite. Como várias vezes aqui já afirmei não é o meu preferido. No entanto também não tenho pejo em afirmar que o acho mais útil ao clube do que o distanciamento e frieza verificada em alguns dos seus antecessores.
A ligação ao clube por parte dos adeptos é acima de tudo um fenómeno afectivo, geradora de grandes paixões, o que não pode ser negligenciado. Ao contrário do que se possa pensar essa dissonância não me provoca amargura. A minha ligação ao clube está mais que amadurecida e não dependerá nunca de terceiros. O facto de ver Sportinguistas vivendo o clube com paixão supera qualquer desencontro pessoal.
O cumprimento das promessas
O completar de um ano de gestão não deveria ser apenas encarado pela vertente festiva do acontecimento. Seria também um momento de avaliação do que foi feito, do que se pretendia realizar e que, por diversos motivos, tenha ficado por fazer ou que terá que sofrer alterações. Alterações essas que possam decorrer de melhores avaliações da realidade instalada e que, por essa razão, não têm que representar necessariamente o incumprimento do que havia sido prometido.
Neste capitulo, e independentemente da avaliação que cada um queira fazer, julgo que o momento é sempre pontuado pelos resultados desportivos. Vivendo um momento que supera largamente aquelas que seriam as melhores expectativas, poucos serão os que têm de vontade de pegar nas 120 medidas anunciadas em campanha eleitoral e picá-las ponto por ponto para verificar a sua execução. Também não o farei aqui, não é esse o objectivo do post.
Verdade seja dita também que são poucos, do universo dos sócios e adeptos do clube, os que acompanham o clube com esse rigor. Essa relação é ditada pela impressão geral. E nesse âmbito a que prevalece é que a promessa mais importante está a ser cumprida. Essa era a devolver o Sporting ao lugar que merece como clube grande que é. Nesse sentido o mandato não podia estar a correr melhor.
As relações internas
Talvez não seja a expressão mais feliz, mas surge aqui por oposição às relações externas, que abordarei a seguir. Do lado dos corpos sociais tem-se notado vontade de dar conta aos sócios e adeptos das decisões tomadas e do que se pretende fazer. A gestão dessa informação é obviamente feita do ponto de vista mais favorável de quem a gere e tem contado com ajuda preciosa de alguns sectores/meios bem identificados.
A Tasca do Cherba e Cortina Verde são bons exemplos, outros há, que beneficiam de acesso privilegiado à informação. O favor é devolvido em elogios e propaganda. Tirando a parte da propaganda que ofende a inteligência de quem lê algumas das coisas que se vão escrevendo, devo dizer que não me repugnam totalmente esse tipo de relações e de espaços. Dentro da apreciação que acima falava, a ligação ao clube é essencialmente paixão e há que dar combustível para a fazer arder a quem dele precisa.
Neste capitulo preocupa-me o excessivo endeusamento dos sectores mais próximos de Bruno de Carvalho. Um líder precisa tanto de apoio como de espírito critico, mais ainda quando é maioritário. O exercício de cidadania Sportinguista deve estar sempre presente, não apenas para participar, acenar com a cabeça e fazer número, mas também para interrogar, propor e pensar.
Os presidentes passam e clube fica, pelo menos assim se pretende. E se "o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente." Se no passado ocorreram erros que hoje condicionam o clube eles sucederam acima de tudo pelo encolher de ombros e do tradicional "eles é que lá estão, eles é que sabem". Foi dessa forma que se extinguiram modalidades, que se reduziu a pó o património, etc. Ao contrário do que é por vezes o mito urbano entre nós, todas essas decisões contaram com amplo apoio interno, expresso em maiorias confortáveis. Mas nenhuma dessas medidas eram inevitáveis...
Deve-se assinalar também a ausência do ruído de fundo tão habitual em anos anteriores e com origem nos chamados notáveis ou barões do clube. Quando a mim isso explica-se de duas formas: por um lado não há quem, das figuras que marcaram esse tempo, quem queira aparecer, pelos motivos que todos percebemos. Por outro lado, alguns dos que antes apareciam a dizer tudo e o seu contrário, especialmente na Bola Branca e programas afins, ou trabalham agora no Sporting ou foram apoiantes de Bruno de Carvalho e assim se mantêm.
Ainda na frente interna é indiscutível o renascer do espírito leonino na sua vertente mais popular. É importante voltar a ter muita gente ávida do clube, manifestações de orgulho, tanta camisola verde e branca na rua. Isso porém ainda não teve equivalência no nível das assistências dos jogos em casa, que se mantêm nos níveis dos últimos anos. Mais importante do que hostilizar os que não se juntam - não se apanham moscas com vinagre - é importante perceber, de preferência através de informação profissional e sistematizada, as razões dessa relutância. Isto antes de nos lançarmos em novas campanhas de angariação de sócios, desconhecendo para onde deve ser dirigida preferencialmente a mensagem.
O problema pode ser de dimensão - não sermos os tais 3 milhões tantas vezes apregoados - da
mensagem, dos destinatários, ou uma conjunção de diversos factores. Seria mais útil e mobilizador, e até do ponto de vista da transparência e planificação, quantificar as metas pretendidas, quer quanto ao número de associados, quer em valor de quotizações necessário para manter as modalidades sustentáveis. Até porque os números avançados relativamente à captação de sócios (média 656 novos sócios por mês) podem até ser considerados surpreendentes se atendermos ao que representa, em termos de atractividade, ser sócio ou apenas ter gamebox.
As relações externas
Há neste capitulo uma evolução positiva assinalável. Há uma clara distinção entre quem são os adversários e quem são os inimigos. E para estes não há meias tintas, conversa mole. O passado e os documentos que dele restaram favorecem a nossa argumentação. Será um capitulo onde o Sporting encontrará imensas dificuldades, pelo que requer pensamento estratégico. Talvez não restasse outra alternativa senão o agitar das águas que se verificou este ano, mas o futuro tem que trazer algo de mais consequente para que se produzam resultados. De outra forma a luta do Sporting pela melhoria das condições em que opera o futebol nacional dificilmente poderá ser levada a sério.
A comunicação
Um dos aspectos que julgo merecia maior taxa de desaprovação por parte dos adeptos era a falta de reacção ou ausência de manifestação por parte do clube, em particular nos momentos em que uma ou outra mais pareciam necessárias na comunicação institucional. Hoje vive-se no extremo oposto, carecendo ainda de encontrar os timings certos e objectividade necessários na profusão de comunicados emanados.
Estou certo que os adeptos preferem assim e que esperam também que o equilíbrio acabe por ser encontrado. Ainda no capitulo da comunicação institucional, e apesar de alguns avanços assinaláveis no melhor entendimento das potencialidades das redes sociais, é indiscutível que há canais importantes que continuam mais ou menos a ser o que eram há 1 ano. A página oficial do clube e o jornal são um bom exemplo disso, replicando os mesmos erros e omissões de sempre.
A grande exposição mediática do presidente também me parece dever ser repensada. Senão essa pelo menos o discurso.
A imagem que um clube projecta quando comunica - e tudo é comunicar - desenha a sua identidade. O discurso muito próximo do que reconheço ser o estilo de Pinto da Costa desgosta-me. Tiradas como "
os adversários que comecem a dar mais luta" assemelha-se muito à sobranceria lampiónica. Citar o inefável Manuel Machado "
um labrego é um labrego" é não só pouco original como nos torna semelhantes aos demais. O discurso auto-laudatório é de gosto duvidoso e desnecessário: os Sportinguistas têm sido generosos no reconhecimento.
Um presidente tão popular entre os sectores etários mais jovens não devia descurar a ideia de que a nossa identidade se constrói pela diferença do exemplo e não pela aproximação à retórica que nos confunde com os outros. Foi essa diferença que permitiu que, nas nossas travessias do deserto, o clube não tenha perdido a capacidade de manter e recrutar adeptos. Confundir-se com os demais é incorrer num risco: nos tempos mais próximos é mais provável que eles continuem a ganhar mais vezes. Sem essa exclusividade quem vai querer ser do Sporting e não dos que ganham mais?
Reorganização administrativo-financeira
Estou demasiado longe para me aperceber do que tem sido a reformulação dos quadros do pessoal administrativo do clube apesar de ouvir o que diz aqui e acolá. Não vou dar asas a rumores mas apenas manifestar um desejo: que essa reformulação não passe de uma mera substituição da "tralha roquetista" pela "tralha brunista", mesmo que mais barata.
Numa organização tão grande como o Sporting seguramente que há muito
lugar de favor mas também há muita gente dedicada e competente. Essa é a
que normalmente sustenta as organizações para que outros possam existir
sem fazer nada. Premiar o mérito é a obrigação.
Na área financeira assinalo a extrema descrição de quem trabalha neste departamento. Do dossier que se estimavam grandes dificuldades, especialmente na relação com os credores sabe-se apenas que os receios eram infundados. No entanto assinalo que a reestruturação financeira está lançada há um ano mas, tanto como me parece, continua por fechar. Matéria que julgo não ter sido objecto de análise na recente reunião com os sócios mas, perante a ausência de noticias, não faria mal fazer o ponto de situação.
É normal os adeptos reagirem com rejeição a estas matérias. Mas a discussão acabará por ser necessária. Agora que o constrangimento do roquetismo já não se coloca, talvez haja finalmente espaço para que essa discussão seja mais centrada nas virtudes dos modelos do que nos aspectos acessórios.
Que modelo de desenvolvimento se pretende para a SAD, pelo menos para o espaço temporal em que se inscreve o actual mandato ? Que estrutura accionista? Onde estão os investidores, o que se lhes oferece e exige em troca?
Estratégia desportiva
A explicação para o sucesso dos actuais órgãos sociais junto dos sócios e adeptos reside aqui, especialmente pelos resultados alcançados. O Sporting é mais do que um clube de futebol mas este é o miocárdio do clube. São os resultados que pontuam a relação que se estabelece entre ele e uma grande parte dos adeptos e se constrói ou esboroa a popularidade dos corpos sociais.
Nas modalidades, porque infelizmente cada vez acompanho com mais dificuldade, assinalo apenas que aos cortes conhecidos não se seguiu a imaginada perda de competitividade, pelo menos no imediato.
No futebol conseguiu-se o feito precisamente o inverso, com o clube a ser competitivo a um nível a que tinha estado arredado há alguns anos. Julgo que tal se deve ao sucesso da estratégia previamente delineada: um núcleo duro de decisão muito restrito - Bruno de Carvalho, Inácio e Virgílio - que resultou na feliz escolha de Leonardo Jardim e na constituição de um plantel coreáceo e bastante focado.
Este é um capitulo que, pela sua importância, merecerá tratamento próprio. Até porque da formação aos quadros profissionais há diversas situações a merecer análise. Esta incidirá nas relações com o mercado, com os jogadores, empresários, as escolhas efectuadas, etc.
Conclusão
Pedia-se "muito pouco" à actual direcção face ao que era a situação em que esta chega ao poder. A verdade é que, se o ano difícil se acabou por revelar mais fácil do que o esperado, isso se deve à sua própria actuação. A impressão generalizada é de aprovação, superação de expectativas, que se estendem não apenas aos adeptos e associados mas também ao exterior, incluindo aos adversários.
O Sporting voltou a ser respeitado. Manter esse respeito - que é muito caro a todos os Sportinguistas - e torná-lo também temido pelo seu valor competitivo, é o grande desafio que se coloca a Bruno de Carvalho e à equipa que o acompanha. Desafio que o próprio já aceitou ao afirmar que para o ano o Sporting se incluirá nos candidatos ao titulo. Com a provável qualificação para a Liga dos Campeões talvez agora se perceba melhor o titulo escolhido para o post. Talvez tenha sido o ano mais fácil para Bruno de Carvalho. Melhor só mesmo tendo sido campeão.