Muito se tem falado do plano apresentado pelo Sporting
para a reorganização do futebol português. Decorrerá seguramente muito tempo
antes que qualquer um desses pontos venha a ser discutido, burilado e
constituída uma qualquer versão final para votação.
Tenho sérias dúvidas que o
futebol português queira enveredar por um caminho de auto-regeneração e por
isso não me espantaria que a actual direcção do Sporting complete o seu mandato
sem ver uma única alínea de qualquer regulamento alterada por força desta iniciativa.
Uma afirmação categórica como esta apoia-se no histórico recente ou longínquo
de operações semelhantes.
Quem não se lembra do processo que conduziu às
alterações dos estatutos actualmente vigor, que se arrastou por meses e colocou
em causa o reconhecimento da própria FPF pelos organismos internacionais UEFA e
FIFA?
Se alguém pensa que o poder que o FCPorto actualmente detém nasce debaixo
das pedras da Invicta, ou é produto de qualquer conspiração dos deuses no nevoeiro que se
levanta frequentemente entre a famosa muralha fernandina e as
praias da Foz e Matosinhos mais a sul, é provável que ainda acredite no Pai
Natal. Não é esse o caso certamente daqueles que acompanham, mesmo que à
distância, o futebol português.
Cada vez que se fala em mudar uma simples virgula num
qualquer regulamento, as respectivas implicações são radiografadas, dissecadas.
Depois de apurados os benefícios e eventuais prejuízos que as putativas
alterações podem significar no seu status quo, ou respectiva replicação
em cascata no dos seus apoiantes, a luz verde pode até nem surgir por mera
demonstração de força.
A este poder tem o SLB tentado ripostar, com alguns
frutos, mesmo que pouco evidentes. A tentativa falhada de eleger Fernando Seara
revelou pelo menos que já conta com apoios suficientes para abrir a discussão. Fica ainda por perceber porque puseram um pé apoiado nos patins de
Fernando Gomes, que viria a ser eleito.
O Sporting conta com alguns dirigentes eleitos nos órgãos
federativos como adeptos confessos - p.ex. Vítor Pereira e Hermínio Loureiro - mas
aqui o verbo contar tem seguramente outro significado que nem o novo Acordo
Ortográfico consegue explicar. O Sporting viveu os muitos últimos anos a
olhar-se ao espelho, demasiado preocupado consigo mesmo, incapaz de se adaptar
à realidade, tornando-se numa presa fácil de contrariar. Esse distanciamento é
agora muito difícil de contrariar porque o poder e quem à volta dele vive e gravita não gosta de vazios.
Para se ter uma ideia do que representa fazer
alterações em regulamentos no futebol português é preciso lembrar que existe a
Liga Portuguesa de Futebol, uma entidade de génese corporativa, que congregava
os "patrões" do futebol português e que, por força da entrada em vigor
da nova Lei de Bases, perdeu grande parte do seu protagonismo e
influência.
Grande parte do seu poder escorreu novamente para a
FPF. Agora já sem o poder despótico das associações que vigorava nos anos 80, com os
Pintos do Porto - o já falecido Adriano e o agora Lourenço - sem poderem lançar
os seus tão famosos como abjectos xitos. Ainda assim para se fazer passar
qualquer mudança de virgula nos actuais estatutos e regulamentos - muito do que
o Sporting quer passa por aí - o clube teria que ter do seu lado 50% dos votos
dos delegados de uma A.G: federativa.
E quem são os delegados? Por inerência de funções são
os abaixo descritos:
Os
presidentes das 22 Associações regionais de futebol;
A Liga
Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP);
A Associação
Nacional dos Treinadores de Futebol (ANTF);
A Associação
Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF);
O
Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF);
Associação
Nacional dos Dirigentes de Futebol (ANDIF);
Associação
Nacional dos Enfermeiros Desportivos e Massagistas de Futebol (ANEDAF);
A Associação
Nacional dos Médicos de Futebol (AMEF)
Estes, cada
um com direito a 1 voto, encarregam-se de eleger mas 55 delegados, num processo
que passa por longas negociações, que mais não são do que trocas de cadeiras por favores.
Para quem
então não se apercebeu as supracitadas ANTF, ANDIF, ANEDAF, AMEF são associações
criadas sob emanação superior de um tal gabinete da torre das Antas, assim
que se conheceram as mudanças que a nova lei de bases iriam implicar e existem
apenas como esteios complementares.
Lembro que o
Sporting até agora falou apenas com a (i) direcção da FPF, (ii) os clubes de futebol da
Liga que se quiseram fazer representar em Alvalade, (iii) com os partidos com
representação na A.R. Ficaram de fora toda imensidão de pequenos clubes dos
campeonatos não profissionais que, sendo mais, conseguem comandar as
respectivas associações. Da APAF nem vale a esperar o que quer seja embora eu
entenda que o Sporting deveria auscultar a sua opinião uma vez que eles são os
agentes directos da actividade. O mesmo se aplica às restantes, embora muitas
delas não sejam muito mais do que um endereço postal.
Convencer
metade mais um de todos estes votos para decisões simples - as mudanças estatutárias são mais complicadas
- é o trabalho que o Sporting tem pela frente. Para muitos deles não basta
convencê-los que é bom para o futebol em geral mas para eles em particular.
De fora ainda ficam todas as alterações legislativas que teriam que ser
aprovadas na Assembleia da Répública, onde certamente muitas destas matérias
estão longe de ser prioritárias, até porque algumas delas foram objecto de
pronunciamento no ano que acabou de findar.
É este o Adamastor
que o Sporting tem pela frente. Creio que demorará muito até se mudar o nome
para Boa Esperança.