O fim-de-semana passado estava preparado para ser uma enorme festa. A juntar ao clássico Sporting-Porto tinha adquirido bilhetes para ver o espectáculo do Cirque du Soleil no Pavilhão Atlântico na sexta-feira, podia assim fazer o fim-de-semana lúdico que a minha mulher há tanto tempo reclamava. Saída dia 6 após o almoço, passeio por Lisboa, espectáculo, revisitar o Lisbon by night, acordar com pequeno-almoço de hotel, de novo usufruir dos soberbos espaços da capital, almoçar tarde na margem esquerda e ao fim da tarde, enquanto a minha cara-metade visitava os saldos, encontro com a rapaziada para ir à bola.
Na terça passada tudo desmoronou! Durante o meu desporto semanal, pressão agressiva sobre o adversário, movimento lateral de acompanhamento e “plack” o sr. Aquiles resolveu entrar em rotura comigo e com os meus planos. Visita directa aos HUC e saída com um belo pé de gesso pelas 2 da madrugada. No dia seguinte, enquanto tentava saber quem seria a alma caridosa a emprestar-me um par de canadianas veio a pergunta fria:
- “Como é que vamos fazer no próximo fim-de-semana?”
- “O próximo fim-de-semana! Meu deus! Sporting-Porto! Não posso falhar!”
- “Não. O Cirque du Soleil, já temos hotel?”
- “Já, marquei ontem mas vou já anular! Arranjas alguém para ir contigo?”
- “Se vais à bola também vais ao espectáculo!”
- “…Vais trabalhar à tarde, não vais? Eu trato disso…”
O tempo, esse bem perecível, tornou-se de imediato escasso.
Primeiro, anular hotel, segundo saber como se procede para entrar nos dois espectáculos sendo PDM (pessoa com dificuldade motora). Pavilhão Atlântico, tudo bem, há entrada, acessos e soluções para esse efeito. Estádio José Alvalade, pânico, por razões de segurança não podem entrar no estádio pessoas com gesso ou canadianas, porque não conseguem garantir a evacuação em caso de emergência.
Entretanto via facebook, sms, etc., a “gozação” começava, “Estás pior que o Izmailov!”, “Dá-me a tua gamebox!”, “Só eu sei porque ficas no sofá!”, não podia ser, respondendo rápida e inconscientemente aos andrades garanti, “É mais certo eu ir a Alvalade que vocês entrarem em campo para vencer o jogo!”.
Quinta – feira, há que tomar medidas drásticas, aprofundar contactos, acalmar a esposa, garantir apoio dos amigos e subitamente uma luz ao fundo do túnel. A única hipótese é ter bilhete de acesso para o sector dos incapacitados motores!
Tudo bem! Por mim até posso ir para o túnel de acesso dos balneários ao campo! Já sei que vou ficar atemorizado com as fotografias mas desde que veja o jogo “in situ”, vamos embora! Só então comecei a pensar na logística, as mãos já doíam, subir a escadaria até ao escritório era um tormento, o pé afectado não pode poisar no chão porque está a 45 graus, as paragens têm de ser frequentes e o jeito para andar de canadianas é nulo (é a minha estreia!).
Seja o que deus quiser! Vou avisar as tropas que para um Leão cair é preciso mais que uma rotura no Aquiles! Sexta-feira, bilhete no bolso, indicações de como entrar no estacionamento do estádio, onde são os acessos às entradas para incapacitados motores, partida, largada, fugida, aqui vou eu!... Sexta-feira à noite, terminada a primeira odisseia no Pavilhão Atlântico, onde tudo era um bocado mais complicado do que fui informado, cheguei finalmente arrasado ao hotel, perna inchada, mãos doridas, o pé bom a perguntar que mal tinha ele feito. O conselho feminino veio frio como a anterior pergunta:
- “Não é melhor amanhã ir para Coimbra e dás a gamebox a alguém?”
- “Amanhã vê-mos isso.” – foi a ultima coisa que disse antes de dormir, o corpo estava de acordo com a minha mulher, mas o espirito não queria admitir a derrota.
Sábado, dia lindo de Inverno como só Portugal sabe oferecer, Lisboa brilhava sedutora mas o primeiro contacto com as canadianas fez acordar a realidade, porque raio não arranjei eu uma cadeira de rodas… “Vamos passear?”, não, a pergunta não congelou o ambiente foi feita com um sorriso malandro, trocista mas cúmplice. “Siga! Temos de fazer horas até às 17.00 e eu estou a morrer por um café.”.
As horas foram passando e a minha malta chegou dos mais variados destinos, a cerveja foi infelizmente proibida (obriga a muito movimento!). Papéis em cima da mesa, preparar a estratégia, vamos embora, objectivo conquistar Alvalade de muletas! Todos os que ajudaram a esta empreitada ser possível me deram o mesmo conselho – Vai cedo! – a primeira tarefa foi deixar o carro no estacionamento do estádio, depois de quase atropelar uns elementos da policia de intervenção lá descobrimos a entrada para o piso -1.
Surge agora o grande dilema, vamos para o lado Norte ou Sul? A porta de entrada não vem mencionada no bilhete e tínhamos de explicar aos seguranças a cada passo que era uma situação pontual de possibilitar a entrada de um “difícil de mover” para um sector reservado a “incapacitado de mover”. Utilizamos a lógica (observada por um dos meus companheiros) que tínhamos de ir para Norte porque todos os sectores ímpares são situados no lado norte do estádio e os pares do lado sul, assim fizemos e acertámos. A entrada foi feita pelo Pavilhão multiusos o que me permitiu conhecer mais este pedaço de Sporting e ver “in loco” a azáfama dos atletas das modalidades de combate, só mais tarde descobri que eles iam estar presentes no relvado antes do jogo e durante o intervalo, excelente ideia por sinal, cruzar-me com uma série de personagens públicas do Sporting e até ter recebido o cumprimento fugaz de Isabel Trigo Mira pela fisga do elevador.
Claro que chegar cedo foi fundamental, claro que manter a calma e a simpatia de cada vez que tinha de explicar a situação também ajudou (e foram muitas). Invariavelmente, na primeira abordagem, me diziam que não era possível entrar, aprendi (à terceira) que o melhor era deixar os seguranças mostrar o seu pleno conhecimento dos regulamentos e só depois de lhes dar toda a razão explicar o porquê da minha situação. Chega finalmente o momento da última etapa, são 18.30 H, os seguranças estão “fresquinhos”, subir o elevador até ao piso 2 e ser de imediato barrado por três seguranças, conversa para cá, conversa para lá, chamar o “chefe” tudo em ordem e sou encaminhado para o meu lugar. Magnifico! Devo ter sido, talvez, a vigésima pessoa a entrar, missão cumprida, Alvalade estava aos meus pés e eu tinha mais uma loucura cumprida.
O jogo decorreu como já foi por demais debatido, queria apenas acrescentar alguns pontos, primeiro sobre Polga e os seus já famosos passes longos, enuncia José Mourinho que passes com mais de 10 metros têm uma percentagem de sucesso próxima dos 30 % e isto independentemente de ser Polga ou outro qualquer jogador mundial a executá-lo, o problema não está nele, está na necessidade que a equipa tem de utilizar esse recurso (onde se perde a bola, em média, 70 por cento das vezes). Seguinte, Capel e o seu abaixamento de forma, o Porto defendeu as laterais com quatro ou cinco jogadores contra Capel/Insua/Scharrs ou JPerreira/Carrillo/Elias, normalmente eram dois contra cinco. Há um lance na segunda parte já com Izmailov em campo em que ele recebe a bola junto da linha do meio campo e tem um rectângulo de quatro jogadores do Porto na sua frente e nenhuma opção de passe ofensiva. Os adversários já perceberam que a nossa força actual está nas laterais e encheram aquelas zonas de gente! Por fim, Wolfswinkel, sem jogo nas laterais, sem bolas a fluir para a área ou pelo menos para o centro não há golos, seja com o nosso lobo seja com Jardel. Fernando Santos ao serviço do Estrela da Amadora, provou como era fácil marcar Jardel, bastava não lhe ligar nada e apenas impedir Drulovic e Sérgio Conceição de centrar… Ficam as notas à atenção de Domingos.
Mau resultado, num jogo quezilento na relação dos jogadores com a bola. A saída do estádio correu ainda melhor que a entrada, partilhei o elevador com dois culés um deles com uma cadeira de rodas de fazer inveja a muitos carros, provando mais uma vez que só fica em casa quem quer! Temos realmente um estádio 5 estrelas que permite a todos usufruir de belos espectáculos ao vivo!
Não quero terminar sem deixar alguns agradecimentos, primeiro à minha mulher por aturar as minhas pancadas, depois à AAS – Associação de Adeptos Sportinguistas na pessoa do nosso Hugo Malcato por terem dado um apoio inexcedível sem o qual esta aventura não seria possível.
Obrigado a todos e venha o próximo jogo. Estamos sempre convosco!