Introdução
Esta é uma nota para quem me lê mas não me conhece e que deve estar presente sobretudo na leitura deste post. Sou um entre muitos Sportinguistas e desse universo sou um Sportinguista pagante. Pago as quotas, os bilhetes, as viagens, refeições e tudo o que implicam as deslocações para qualquer estádio onde joga o Sporting. Nunca beneficiei de qualquer favor especial ou particular. Nenhum dos dirigentes do Sporting do período sob escrutínio na presente auditoria é das minhas relações pessoais presentes nem passadas. Não estou vinculado a nenhuma pessoa, corrente de opinião ou grupo de pressão, o meu vinculo é exclusivo ao Sporting Clube de Portugal.
O que eu penso sobre a auditoria
Vejo-a acima de tudo como uma oportunidade que não deve e não pode ser desbaratada. Uma oportunidade para esclarecer um determinado período da vida do nosso clube sobre qual abundam dúvidas e seguramente se construíram muitos mitos. Esta auditoria é uma oportunidade de esclarecer esse período, dele retirar as devidas ilações e, se os dados recolhidos o justificarem, chamar à responsabilidade quem possa ter, de forma dolosa, prejudicado o clube. Dessa forma, separando o dolo da incompetência, o clube poderá seguir em frente pacificado e por isso fortalecido.
Claro que este processo tem riscos vários. Por alguma razão defendi aqui, à semelhança do que se faz nas famílias mais saudáveis, que este inevitável introspecção fosse feita dentro de portas, por Sportinguistas. Não apenas porque ficaria mais barato, porque há gente entre nós capaz de o fazer, porque ninguém melhor do que um Sportinguista sabe o que e onde procurar mas, sobretudo porque se evitava sermos vistos a nú por quem não deve. Infelizmente não foi essa a decisão tomada e o clube passará os próximos 18 meses a ser autopsiado por uma entidade externa, cujos funcionários serão seguramente das mais variadas procedências e preferências clubisticas. Imaginar que todos se manterão fiéis ao sigilo profissional a que estão obrigados é, no mínimo, ingenuidade.
Dúvida
Auditoria de gestão Muitas dúvidas sobre a legitimidade/imparcialidade da figura "auditoria de gestão". Dos vários profissionais da área com quem falei há uma dúvida que subsiste: como pode alguém fazer uma avaliação séria de um acto de gestão sem conhecer todas as condicionantes e sem reconstituir todo o processo que levou à respectiva decisão? Há muita gente a falar sobre "auditoria de gestão" sem saber do que está a falar.
O período sob escrutínio
Indo directo ao assunto é óbvio para todos que o período eleito para análise é o de que se convencionou chamar o "roquetismo". Sobre esta matéria e este período em particular mantenho muitas dúvidas sobre algumas operações imobiliárias. Não refuto ou alimento a ideia de alguém ter retirado proveitos económicos de alguns negócios porque não tenho provas. Mantenho sim a ideia de incompetência em muitas decisões que nos levaram a ficar praticamente apenas com os dedos, depois de despojados de todos os anéis. Um projecto imobiliário sem nexo, que nos deu um estádio novo cheio de deformidades e do qual dificilmente voltaremos a ser donos em plenitude - p.ex. há fracções alienadas como a clínica CUF, etc - e sem um pavilhão que honre o clube ecléctico que somos.
Pior e seguramente a grande parcela do nosso passivo, uma gestão desportiva errática que, a meu ver se deve ao profundo desconhecimento do fenómeno, à gestão delegada em terceiros e não exercida de forma directa, como mandam as boas práticas, que certamente observaram na gestão das empresas de que procediam e onde obtiveram sucesso. Quando nos curtos períodos que assim não foi o Sporting obteve resultados, com sorte umas vezes e azar com outras.
Não duvido que nesse período se tenham cometido exageros nas remunerações, favores no recrutamento de recursos humanos e que aqui e ali haja quem se tenha "governado" à conta do clube. Não me refiro apenas ao futebol, onde essas práticas são quase praxe face à nebulosidade dos procedimentos, mas em todo o clube. Sobrinhos, afilhados a ganhar muito dinheiro, provavelmente sem curriculum que o justificasse, não é um vicio exclusivo do Sporting, é uma forma de estar muito lusitana.
O que eu não aceito é generalizações que façam dos últimos anos do Sporting um clube de uma clique de malfeitores que tomaram o clube de assalto para se governarem. Não apenas por ser obviamente injusto, mas porque aceitá-lo poria o Sporting no mesmo plano de alguns clubes e agentes desportivos nacionais, cujos métodos e acções tanto nos prejudicaram e tanto criticamos. Esta é uma questão identitária que me é cara e que radica na ideia de um clube especial. No dia em que o entender igual ou pior que os demais é esse o último dia do meu Sportinguismo. Acresce que tal seria passar um atestado de estupidez aos associados do Sporting, que sucessivamente elegerem e reconduziram esses dirigentes. Nesse rol estão, por certo, incluídos a quase totalidade dos actuais dirigentes que também devem ter votado nessas direcções.
A escolha da empresa de auditoria, a Mazars
O processo que levou à decisão de escolher esta empresa não foi objecto de explicação mas talvez o devesse ser. Não é uma empresa com reputação no meio, era, até ser anunciada, uma perfeita desconhecida. Foi apenas referido por Bacelar Gouveia que se chegou à Mazars "depois de um longo e rigoroso processo de selecção
da empresa responsável" e que tal pôs à prova até as capacidades do seu
grupo de trabalho. No entanto não foram explicados os critérios que levaram à escolha e que poderiam ser o preço oferecido, trabalhos relevantes anteriormente executados, etc.
O preço da empreitada
Podemos falar de uma pechincha se atendermos que estão seguramente em causa milhares de documentos a analisar. Para que se tenha ideia da tarefa que lhe caiu em mãos basta fazer algumas contas de cabeça. Pegando aleatoriamente num relatório anual de contas com 160 páginas, num semestral de 67 e num trimestral de 35 temos 262 páginas de leitura. Se multiplicarmos isto por 17 anos (os que estão em causa) temos 4454 páginas.
Ora os relatórios são sínteses de centenas de documentos, alguns deles com dezenas ou até centenas de páginas (uma escritura ou um protocolo, p.ex) e no caso anterior falávamos apenas do relatório e contas da SAD. Estenda-se agora a todo o clube para se perceber o que está em causa. 319 mil euros são um preço muito abaixo do mercado para uma investigação de um ano e meio a dezassete anos de vida. Ora a auditoria só faz sentido se for exaustiva e minuciosa. Quantos funcionários está a empresa disposta a alocar para a tarefa por um período tão dilatado (que equivale a, grosso modo, a uma entrada de 17.772€'s mês brutos, sem descontar encargos com ordenados e impostos)?
A escolha da ordem cronológica
Pelo que percebi a escolha da ordem cronológica não foi justificada.
Fase 1: Mandato de Luiz Godinho Lopes
(27/03/2011 a 27/03/2013) e Gestão Imobiliária dos últimos 18 anos – 2
de Janeiro a 2 de Março de 2014
Fase 2: Mandato de José Eduardo Bettencourt (06/06/2009 a 26/03/2011) – 2 de Abril a 2 de Junho de 2014
Fase 3: Mandato de Filipe Soares Franco (19/10/2005 a 05/06/2009) – 2 de Julho a 2 de Setembro de 2014
Fase 4: Mandato de António Dias da Cunha (01/08/2000 a 18/10/2005) – 2 de Outubro a 2 de Dezembro de 2014
Fase 5: Mandato de Pedro Santana Lopes e José Roquette (02/06/1995 a 31/07/2000) – 2 de Janeiro de 2015 a 2 de Março
Esta ordem é pelo menos estranha se for levada em linha de conta que as contas vão ser observadas de pernas para o ar. Este pode parecer um pormenor de somenos mas não é. Não só porque parece ser pouco aceitável uma escolha que não vai poder contar com a sequência cronológica do sucedido e respectivas pendências (uma decisão do mandato de Dias da Cunha pode ter sido obrigatória por decisão anterior de José Roquette, por exemplo). Mas também porque - e isso sabe-o quem já foi objecto de auditorias ou já as realizou - não é o auditado que define as regras mas sim o auditor. De outra forma, sem a independência indispensável, comprometer-se-ão a credibilidade dos resultados, sejam eles quais forem. Nesse sentido também não ajudaram as declarações do presidente, bem antes pelo contrário. A auditoria não pode suscitar o mais leve indício de um ajuste de contas pessoal, de um grupo, a satisfação de uma determinada clientela ou de objectivos particulares.
Auditorias imprescindíveis
As ideias aqui expressas são bem intencionadas mas, não tendo dúvidas da sua bondade e razoabilidade, percebo que algumas delas estão ultrapassadas pelos acontecimentos. Independentemente do resultado vir ou não a ser frutuoso para o clube e este sair dele reforçado, a auditoria tornou-se incontornável e inadiável. A justificação para a sua realização começou precisamente há 17 anos em cada decisão, relatório e contas ou em cada A.G. que os sócios preferiram votar em grupo, ir na corrente sem usarem a melhor e imprescindível ferramenta de uma auditoria: o sentido critico.
Foi assim que encerramos modalidades, que permitimos uma idiota dupla quotização que outro efeito não teve senão afastar em definitivo milhares de sócios, que não nos interrogamos sobre que estádio se estava a construir, que acreditamos sempre que o melhor estava sempre para vir quando a cada ano ia sucedendo o contrário.
E é mais ou menos assim que vivemos os últimos meses a entender que tudo o que é feito é bem feito, numa demonstração que aprendemos pouco com os erros e com a história. Este é aliás um momento muito semelhante ao da chegada de José Roquete, cujo projecto foi tão elogiado e tão amplamente sufragado por uma frenética e surda maioria e que hoje jaz proscrito e exilado num canto escuro da nossa história.
Se o clube está hoje como está a responsabilidade é, antes de ser de qualquer dirigente, de todos quantos o elegeram e aprovaram os respectivos actos. E esses fomos nós, os sócios do Sporting. Falo no plural porque, não tendo votado em nenhum dos dirigentes em causa, não tendo gostado de muitas das suas decisões e disso aqui ter dado conta, aceito as decisões da maioria com todas as suas consequências enquanto me sentir um entre muitos.
As verdadeiras e imprescindíveis auditorias devem ser feitas a cada momento por cada um de nós.