Entrevista exclusiva de Bruno de Carvalho ao Record
Sintonia total com William e Slimani
RECORD - Em que ponto se encontra a renovação de William Carvalho? Há ou não dinheiro para deixar o jogador satisfeito?
BRUNO
DE CARVALHO – Este dossiê não está atrasado. O Sporting tratou dos
processos que eram importantes e urgentes e agora tem uma série de
dossiês em mãos, perante os quais os jogadores estão calmos e serenos. É
importante conciliarmos tudo isto: a serenidade da equipa, a
concentração e o foco nos objetivos. Estes processos de renovação não
podem contribuir para a instabilidade da equipa. Naqueles em que nós
sentimos que isso estava a acontecer, sobretudo de uma forma emocional,
tratámos de os resolver.
R - Está a falar, por exemplo, de Slimani, Jefferson ou Mané?
BdC
– E até do próprio João [Mário]. Portanto, resolvemos tudo aquilo que
emocionalmente poderia estar a afetar os jogadores. Agora… eu e o
William estamos perfeitamente tranquilos perante esta situação. Podem
escrever isto, porque o próprio William ficará muito feliz ao ler: eu e o
William Carvalho estamos em total sintonia e descansados perante a
situação contratual do jogador. Nada mais do que isto.
R
- Trata-se de um jogador já falado para vários clubes ingleses...
Apesar da lesão, o Sporting recebeu propostas por William Carvalho
durante o defeso?
BdC – Nada.
R
- Espera conseguir segurar William, pelo menos até ao final desta
temporada, beneficiando do que ele pode sair valorizado do Euro’2016?
BdC
–Garantidamente! Não sairá nenhum jogador essencial em janeiro. Está
totalmente descartada a transferência de jogadores com os quais o
Sporting conta em termos de plantel, em função do que são os seus
objetivos.
R - Só aceita vender
Slimani pelo valor da cláusula [30 milhões de euros], ou há acordo para o
deixar sair no final da temporada?
BdC – Não, não, não, não e
não. Isso era antigamente, quando se faziam esses acordos por debaixo
da mesa. O Sporting não faz essas coisas esquisitas. Não há acordo com
ninguém. O Slimani é jogador do Sporting, está satisfeito no clube,
renovou contrato há pouco tempo e não há acordo para sair. Não faço a
mínima ideia se sairá ou não no final da temporada. Sinceramente, não
tenho grande vontade que ele saia no final da época. Slimani está muito
satisfeito no Sporting e nós estamos muito satisfeitos com o rendimento
dele. Janeiro, zero saídas. Quanto ao final da época… não olho para a
saída do Slimani como algo a ser encarado. Mas é como tudo na vida. Até
lá ainda falta muito tempo. Desta direção, os sportinguistas nunca vão
ter aquelas cláusulas como a do Eric [Dier], que era uma cláusula de um
valor, mas depois havia acordos paralelos. Com esta direção as coisas
são muito claras e simples: ou tem ou não tem cláusula. O Slimani está
muito bem, muito, muito feliz pela aposta que foi feita. Muito feliz por
eu não ter cedido à vontade muito grande dele, de ser emprestado a meio
da sua primeira época no Sporting. Estava frustrado e triste por não
jogar. Tenho a certeza que ele se lembra perfeitamente desses momentos e
é por isso que temos uma boa relação.
R - Foi fácil chegar a um entendimento com Slimani?
BdC
– Foi, foi. Toda a gente sabe que houve aquela situação pontual entre
nós. O Slimani aí percebeu perfeitamente como são as coisas e, desde
então, tem sido um jogador muito importante para nós e tem tido um
comportamento exemplar. Foi fácil e acho que o próprio Slimani reconhece
que eu também fui muito importante no desenvolvimento da sua carreira,
quando pessoalmente lhe neguei a saída naquela fase, explicando-lhe as
coisas. Agora, quando vê aquilo que atingiu, ele olha para trás e
reconhece que esta foi mesmo a melhor opção, e não era aquela que ele
queria. Lembro-me das entrevistas sucessivas que o selecionador argelino
na altura dava para que ele saísse do Sporting… O Slimani é um jogador
satisfeito e daqueles que percebem que o presidente preocupa-se muito
com o Sporting, mas também se preocupa com a realidade de cada jogador.
Independentemente de ser duro nas negociações, estou sempre muito atento
à visão de cada um dos dois lados. O Slimani está calmo e confiante,
tal como está o William Carvalho.
R - Esgaio, Carlos Mané e Tanaka, por exemplo, são jogadores para emprestar, na reabertura do mercado, agora em janeiro?
BdC – Não está tomada nenhuma decisão por parte do treinador, relativamente aos jogadores que podem sair ou ser emprestados.
R - Quanto a entradas, tentou mesmo contratar Quaresma?
BdC
– [pausa] Não sou sportinguista de há dois anos e meio para cá.
Acompanho o Sporting há muito tempo. E quando andei a tirar o curso de
treinador, já com o objetivo de um dia vir a ser presidente, acompanhei
de perto a evolução do Rui [Patrício], do Adrien, desta miudagem toda.
Do Cédric, dos Quaresmas e dos Cristianos. Não sou sportinguista de
ontem. Pergunta se não gostaria de ver o Quaresma de regresso ao
Sporting? Gostaria. Não o escondo. Mas também sei que ele está bem onde
está, compreendo que o Besiktas tenha interesse em valorizar os seus
jogadores e, portanto, o interesse do Sporting é sempre algo de
relevante. O Quaresma é um jogador que me agrada, é da formação do
Sporting, tem características muito interessantes e está, nesta altura,
muito mais maduro.
R - E acha que pode trazer o Quaresma para o Sporting?
BdC
– Tudo na vida é possível e eu já provei a mim e aos sportinguistas de
que há poucos impossíveis... Quem sabe se um dia não se transforma numa
realidade o que acabaram por ser os próprios dirigentes turcos a
revelar. Por exemplo, ele vai regressar a Alvalade daqui a pouco tempo e
vai perder!
R - Para ficar?
BdC
– Se o Besiktas não quiser levá-lo de volta para a Turquia, eu fico de
bom grado com ele. O Besiktas está à vontade [risos]. E não tenha
dúvidas de que disse isso mesmo aos dirigentes do Besiktas. Não tenho
medo de o admitir.
R - Disse ao Besiktas que queria contratar Quaresma?
BdC
– Não foi bem isso. Disse que, no dia em que eles achassem que o
Quaresma não era mais-valia para o Besiktas, que o mandassem para casa,
pois eu ficaria muito feliz e contente em poder tê-lo na equipa do
Sporting.
Scheloto é mais valia
RECORD - O que vem Schelotto acrescentar ao plantel do Sporting?
BdC
– Essas perguntas são mais interessantes quando feitas ao treinador. Os
pequenos retoques que o Sporting tinha para fazer estavam identificados
e foram tratados. Estamos muito contentes com o plantel. Basta ver os
resultados magníficos que temos feito. Considerou-se que havia
necessidade de proceder a algumas melhorias, de forma a ajudar este
plantel a fazer ainda melhor. Foi o que fizemos.
R - Vem para defesa-direito?
BdC
– O Schelotto pode fazer todo o corredor. Agora, o Jorge Jesus é que
vai decidir o que ele vai fazer. É visto como uma mais-valia para
atingirmos os nossos objetivos.
Carrillo? Nesta altura tudo é possível
RECORD - Ainda é possível chegar a um acordo com Carrillo?
BdC
– O que posso dizer sobre o Carrillo é que ele continua a recuperar de
uma lesão e que está com um processo disciplinar. Como sempre, no dia em
que houver uma decisão taxativa, ou para a direita ou para a esquerda,
direi. Até isso acontecer, tudo é possível...
R - Tal como Carrillo, André Martins e Marcelo Boeck estão em final de contrato. Pode explicar as diferenças entre estes casos?
BdC
– Estamos todos a conversar, com muita calma, e a tentar chegar a
conclusões. Estamos a analisar aquilo que será melhor para todos os
envolvidos. Nem o Marcelo, nem o André Martins disseram que não queriam
renovar os seus contratos.
R - Disse,
numa grande entrevista a Record, que Carrillo não sairia a custo zero.
Acredita que será capaz de cumprir esta promessa?
BdC
– [pausa] Depende do que entender por custo zero. Não se esqueça do
processo disciplinar que está a decorrer… Continuo a achar exatamente o
mesmo. Agora, poderá ser é de uma maneira diferente. Continuo a achar
que Carrillo não sairá a custo zero.
R - Zeegelaar já é do Sporting?
BdC – Não vou falar nada além daquilo que já foi anunciado…
R
- Tem sido noticiado que o Sporting está atento ao mercado em busca de
um central. Disse que os alvos estão "definidos e mais do que tratados".
O central é uma prioridade?
BdC – Não...
R - Não há posições prioritárias?
BdC
– Quando lhe disse taxativamente que não, disse-o de forma consciente.
Isto, claro, a não ser que surja um negócio fantástico. Gostamos dos
nossos centrais, mas não fechamos a porta a bons negócios. Há alvos
identificados e tratados, mas não estamos compradores.
R - Já melhorou as condições salariais do Paulo Oliveira, ainda é cedo ou desnecessário?
BdC
– Todos nós temos de ir dando passos se guros na vida. O Paulo é um
excelente jogador. E isto não é segredo nenhum: foi opção minha, pois na
altura não havia treinador. Não tenho a mínima dúvida de que se
continuar a evoluir e a afirmar-se , possivelmente no próximo ano
falarei com ele. Agora… calma.
R - Então também assume a contratação do Slavchev...?
BdC – Sem problema nenhum.
R - Arrepende-se dessa escolha?
BdC
– Nada. A capacidade que o Sporting tinha para contratar não é igual à
de agora. Atualmente, podemos fazer apostas mais certeiras. Temos a
possibilidade de ir buscar jogadores que nos dão mais garantias, até
pela idade e pelo currículo. Slavchev foi a escolha possível.
Bruno César foi "afinação" pedida por Jesus
R - Bruno César foi um pedido expresso de Jorge Jesus?
BdC
– Claro que estas afinações têm sido a pedido do treinador. Isto para
não fugir a nada. Por coincidência, o Bruno César era um jogador que
tinha sido referido na primeira vez em que me candidatei à presidência.
Trata-se de um elemento que Jorge Jesus conhece muito bem. É muito
polivalente e o Jorge [Jesus] gosta desse género de jogadores. Mais uma
vez, aquele pequeno retoque que foi considerado importante para este
mercado de inverno...
Labyad? Para dançar é preciso haver vontade dos dois
R - Entende que vai conseguir resolver em janeiro os casos de Labyad e Viola?
BdC
– Na vida tudo tem uma solução quando todos querem que isso aconteça.
Tem de haver vontade dos dois de dançarem. Tudo se consegue, se houver
vontade de ambos em caminhar no mesmo sentido. A Labyad e Viola, já lhes
ficou claro que não contam para o projeto desportivo de Jorge Jesus e
têm de tomar decisões para o futuro das suas carreiras. Os anos passam e
têm de tomar decisões. Ponto final. Se estivesse na situação deles, de
certeza absoluta que não estaria contente a jogar na 2.ª divisão do
campeonato português. Ambos têm mercado, isto caso tenham vontade
progredir nas carreiras.
Não gostamos de perder nem a feijões
R - A vitória em Moscovo deixa o Sporting
numa boa posição para garantir o apuramento na Liga Europa. Contudo,
nota-se alguma falta de "entusiasmo" de Jorge Jesus por esta
competição...
BdC – A nossa
concentração está nas competições portuguesas. Ponto. Mas nem eu nem o
Jorge Jesus gostamos de perder, nem ao berlinde! É nessa perspetiva que
ele fala em ‘mais problemas’. Há uma série de jogos, todos uns em cima
dos outros. Quando o Jorge Jesus fala nisto, está a dizer que tem de
ultrapassar um desafio. E é magnífico ver a forma como os encara e
supera. Quando ouço aquele discurso, não fico preocupado, fico
entusiasmado.
É ainda mais importante ser campeão esta época
RECORD - Não ganhar o título esta temporada seria um rude golpe na estratégia que delineou para o futuro do Sporting?
BdC – Já todos perceberam que o foco está na conquista do título desta temporada. Não vamos estar com rodeios nesse aspeto.
R - É mais importante para o Sporting ser campeão esta época do que no passado recente?
BdC
– Para o Sporting é sempre importante ganhar o campeonato, mas este ano
é ainda mais importante para cimentar todo o trabalho que temos feito. O
Sporting não pode estar sem ganhar o título durante tanto tempo. É
assim que se alimenta uma marca. É assim que se alimenta a história e a
capacidade de crescimento de um clube. Esta época há três condicionantes
especiais: o Sporting estava num caminho para criar condições para, de
uma forma regular, vencer a Liga. Chegou a hora de apontarmos à meta do
campeonato de uma forma mais efetiva. Em 2.º lugar, o treinador. Dá
outra capacidade em termos de competência, de ‘know-how’ e até da
própria fé e movimentação da esperança das pessoas. E, por último, o
investimento que fizemos este ano no reforço da equipa. Fizemos uma
aposta muito grande, porque não se consegue consolidar a estratégia de
equilíbrio financeiro e organizativo, de fazermos valer as nossas ideias
para o desporto, da luta pela verdade desportiva, se não conseguirmos
mostrar grandeza através de títulos conquistados.
R - Se não ganhar o título, haverá retrocesso nesse caminho?
BdC
– Se não ganharmos o título será, de facto, um objetivo muito grande
não cumprido. Mas não haverá retrocesso. Foi como não termos entrado na
Liga dos Campeões. A nível financeiro era muito importante, mas não é
por isso que viramos as costas e que abandonamos os nossos objetivos.
Não tenho dúvidas de que continuaremos o nosso crescimento. Há uma ou
duas décadas que não ouvia dizer que o plantel do Sporting era o mais
valioso. Temos orgulho nisso. O futebol que está a começar a surgir… Já
em vários jogos notamos uma evolução tremenda daquilo que são as ideias
do treinador e da própria forma como os jogadores interpretam essa
ideia. Isso dá-nos esperança, mas temos de ter os pés assentes na terra.
Estamos em 1.º lugar nesta altura, mas é mais importante estarmos em
1.º no fim. O Sporting não pode ganhar de dez em dez anos.
R - Foi uma questão muito debatida quando Jesus era treinador do Benfica: o mérito é exclusivo do treinador ou da estrutura?
BdC
– O Jorge Jesus é um excelente treinador. Mas também não o precisava de
dizer, pois é do domínio público a noção de que o Jorge é um treinador
especial. Domina a ciência do futebol de uma forma quase ímpar. Desde
que chegámos ao Sporting, temo-nos esforçado muito para criar alguma
consistência naquilo que são todas as operações que se vão relacionando
com o futebol. A estrutura não é mais do que isso: são pessoas,
processos, filosofias, metodologias. É, sobretudo, conseguirmos olhar
para um todo e que esse todo trabalhe em conjunto para um objetivo
comum. O Jorge Jesus veio ajudar nisso com todo o seu ‘know-how’, veio
ajudar a completar um processo que já estava em marcha. Ele, realmente,
tem sido uma peça absolutamente fundamental naquilo que têm sido os
resultados esta época.
R - Este balanço
positivo no conjunto dos dérbis tem estado muito focado em Jorge Jesus. É
redutor para um clube como o Sporting ou natural depois da
transferência?
BdC – O Sporting não
passa, de repente, de um estado quase depressivo, pré-falência e
acomodação para um estado de equilíbrio, onde há novamente alegria e
esperança. Isto tem tudo a ver com pessoas, com competências, com
‘know-how’, com graus de exigência, com filosofias. Jesus, a nível de
treinador é tudo isto. O Jorge Jesus chegou como a cereja no topo do
bolo. Veio trazer para dentro do futebol tudo aquilo que é o nosso
raciocínio e tudo o que é o nosso caminho. A oportunidade para contratar
Jesus – algo impossível há dois anos – acabou por calhar numa altura
boa, porque o Sporting tem vindo a fazer um trabalho de contenção,
reequilíbrio e organização muito grandes e o Jorge [Jesus] veio cimentar
este crescimento. Não temos dúvida nenhuma de que há uma mão muito
grande nesta transformação. Dou um exemplo claro: a forma como os
jogadores encaram os grandes jogos é um sinal evidente de uma mudança
grande de mentalidade.
R - Provocada por Jesus...
BdC
– Sem dúvida! Os jogadores sentem-se com outra confiança, com outra
força e mentalidade. É isso que ele nos traz. Quando trabalhamos com
alguém que é um vencedor por natureza, isso traduz-se na forma como nos
comportamos. O Jorge tem todo o mérito, pois conseguiu, em pouco tempo,
colocar o Sporting a fazer aquilo que nós ambicionávamos: encarar os
jogos com uma mentalidade vencedora. É justo tudo aquilo que se possa
dizer do Jorge Jesus enquanto elemento importantíssimo para esta
transformação no futebol do Sporting.
Jesus? Um dos grandes treinadores mundiais
R - Jesus traz a si a responsabilidade de
‘ressuscitar’ o Sporting. Houve três anos de BdC para trás e outros dois
técnicos. O que ‘correu mal’?
BdC –
São processos de evolução distintos. Quando começámos, era impossível
termos o Jorge Jesus ou um plantel com esta dimensão. Basta ver a reação
da comunicação social: este foi o primeiro ano em que não foi
necessário dizer que o Sporting era candidato. Quando se falou em Jesus,
disseram imediatamente que o Sporting estava na luta!
R - Jorge Jesus é melhor treinador do que Leonardo Jardim ou Marco Silva?
BdC
– Estamos a falar de alguém que é um dos grandes treinadores mundiais
da atualidade. Basta verificar o currículo fantástico que ele tem,
inclusivamente em equipas de dimensão menor que a do Sporting ou do
Benfica. Não me agrada nada fazer essas comparações. São fases
diferentes, treinadores diferentes. Mas quanto ao Jorge Jesus...
Conseguiu colocar o Benfica de novo na ribalta. Tem esse mérito e é esse
o trabalho que esperamos que ele faça.
R - Nessa "simbiose" que já falou entre presidente e treinador, já houve divergências estratégicas?
BdC
– ‘Divergências estratégicas’ é muito forte... Isso não! Conversamos
muito, discutimos e temos as nossas visões. Muitas vezes, temos de
conversar sobre elas. Mas isso não tem nada a ver com estratégia. O
Sporting é um clube que quer ganhar, mas que quer chegar ao 1.º lugar
com regras bem definidas. Estrategicamente nenhuma divergência, mas
sempre a debatermos as nossas ideias.
Benfica queria Jesus fora de Portugal
R - Jorge Jesus é muitas vezes acusado de falar constantemente do Benfica. Isso incomoda-o ?
Bruno
de Carvalho – É quase impossível isso não acontecer [pausa]. Isto é um
assunto, de facto, mal digerido por parte do Benfica. É por demais
evidente que havia uma estratégia delineada para a saída do Jorge Jesus
de Portugal. Mas isso não aconteceu! O Benfica começou numa estratégia
de ataque tremendo a alguém que é – e eles sabem isso – um ganhador,
profissional, competente, um estratega e um elemento de grande valia.
R - O Benfica teme Jesus?
BdC
– Eles sabem o que ele pode fazer no Sporting. Começou pelas ameaças de
processo por ter visitado a Academia. Depois a história dos SMS.
Tentaram transformar a saída como se fosse uma traição do Jesus à nação
benfiquista, quando ele fez uma coisa perfeitamente normal: tomou uma
decisão perante a vontade clara do Benfica em não continuar com ele. O
tempo vai diluindo as coisas. Percebo perfeitamente que são seis anos.
Percebo o que os dirigentes do Benfica estão a passar. Tem-se visto que
Jesus, através da sua competência, consegue resultados. Espero que o
Benfica se concentre nas suas necessidades e preocupações e cada vez
menos em Jesus.
R - Está a contar com isso?
BdC
– Vai ser inevitável andarmos a época toda a falar disto… Do outro lado
há uma falha de perceção estratégica. É mais do que evidente que esta
atuação de conflito é algo que é traduzido, quer por parte do Sporting
quer por parte do Jorge Jesus, numa força adicional. Portanto, tudo isto
tem servido de estímulo. Por isso, acho que os erros [do Benfica] vão
sendo sucessivos. Se estivesse daquele lado – não estou, não quero estar
e nunca quererei estar –, estava muito mais preocupado com o que devia
fazer no grande processo de alteração que tenho pela frente. Disse-o
quando cheguei ao Sporting. Os nossos rivais vão ter de passar por
processos similares aos que já ultrapassámos. Tudo tem o seu ‘timing’. O
facto de o Sporting ter sido o primeiro não foi questão de estratégia,
mas sim de necessidade pura. O clube estava em pré-falência, tinha de
mudar. Mas havia que aproveitar esse tremendo contratempo.
R
- No final do dérbi da Taça, Jesus e Bruno de Carvalho deram um longo e
aparentemente sentido abraço. O que se pode ler daquele momento?
BdC
– Uma cumplicidade enorme. Estamos no início deste processo, mas
sabemos claramente o que temos pela frente e a dificuldade dos objetivos
a que nos propusemos. Une-nos uma grande amizade, sentimento que
aumenta à medida que nos vamos conhecendo melhor. Conciliamos dois
feitios e dois caráteres muito fortes e vincados.
R - Na Taça de Portugal, depois do Benfica, agora o Sp. Braga... O Sporting é favorito?
BdC
– Em jogos a eliminar as coisas são sempre complicadas. Não posso dizer
que não, pois considero sempre o Sporting favorito em tudo. Saiu o Sp.
Braga. Com jogos de três em três dias, este não é o adversário ideal.
Mas estamos confiantes e queremos passar.
Castigo a Naldo é justo, mas...
R - Que comentário lhe merece a forma como o processo a Naldo foi conduzido pelo Conselho de Disciplina da FPF?
BdC
– Acho que o Naldo não devia ter reagido daquela forma e acho que o
castigo de um jogo é justo. Ponto. Dizendo isto, tenho de realçar o
seguinte: esta falta de definição do que é importante no futebol, do que
pertence ou não ao jogo... Se for um jogador tem uma relevância, se for
um treinador tem outra… Mesmo gostando do Lito Vidigal, acho engraçado
que seja mais grave um ‘chega para lá’ de um indivíduo que está a
exercer a sua profissão, do que um elemento estranho entrar dentro do
jogo. Isto é inacreditável! Depois dizem-me: o futebol não pode mudar,
porque perde a essência. O futebol tem de rever algumas das suas regras.
R - Mas neste caso do Naldo, depreendo que tenha ficado satisfeito com a decisão, correto?
BdC
– Certo. Mas ninguém percebe como é que um treinador leva uma multa de
40 euros por ter invadido o terreno de jogo e um jogador que dá um
‘chega para lá’ em alguém que estava a mais, seja castigado. Se vir de
forma isolada o lance, Naldo, um jogo, perfeito. Se vir o conjunto,
tenho de achar aquilo que toda a gente acha: que é ridículo em termos de
proporção.
Queixa contra Slimani é retaliação pelas três derrotas
R - Depois do silêncio perante as críticas e
acusações lançadas pelo Sporting, o Benfica só agora respondeu. Rui
Vitória falou na ‘tática do barulho’; Rui Costa e João Gabriel
seguiram-no. "Fazer barulho" ajuda a ganhar jogos?
BdC
– Primeiro, é preciso fazermos uma distinção do que é o silêncio. Se
estivermos a dizer que eu, a nível do Sporting, sou muito mais
interventivo, disso não há dúvidas. Agora, se há coisa que o Benfica não
tem feito é silêncio. Pode ser utilizando antigos dirigentes ou
comentadores bem documentados. Pode ser através de comunicados, twitters
ou facebooks… Pode ser através da situação criada à volta do Jesus ou
das SMS; pode ser através das as acusações feitas nos programas pelos
comentadores que estão alinhados com o clube. Cuidado com a situação de o
Benfica não fazer barulho... Às vezes, não parecendo, faz-se muito mais
barulho do que o Sporting.
R - Mas estava a referir-me a uma reação direta do Benfica…
BdC
– Mas isto são tudo reações diretas! O que pode dizer é que, por uma
questão de estratégia, as coisas são diferentes. A estratégia de Luís
Filipe Vieira era entrar nos programas aos pontapés. Se calhar, houve
aqui uma necessidade de colocar outras pessoas a falar em nome do
Benfica. Mas isso é uma questão muito interna do Benfica.
Independentemente da minha forma contundente de ser e de estar, ainda
não entrei em nenhum programa aos pontapés; portanto, ainda não há a
necessidade de eu desaparecer. Isto não é barulho, pois não foi o
Sporting que fabricou uma caixa e meteu lá uma camisola e uns ‘vouchers’
com idas ao Museu do Benfica e a um restaurante. Quer outro exemplo? É
de lamentar que as notas dos árbitros que arbitram o Sporting sejam as
únicas que saem cá para fora...
R - Por que é que isso acontece?
BdC
– Isso é que é barulho ensurdecedor. Isso é que é fazer barulho pela
calada. Mostrei uma caixa e pedi para verificarem. Outra coisa é saírem
as notas e sair sempre o porquê. Isto é manipular sem ter a coragem de
dar a cara.
R - Mas acha que essa é uma estratégia do Benfica?
BdC – É uma estratégia clara de condicionamento.
R - Do Benfica?
BdC
– Não sei se será do Benfica. Mas há aqui uma tentativa tremenda de
condicionar a arbitragem. E o Sporting é o alvo. Há, de facto, uma
tentativa de se jogar fora das quatro linhas.
R - Teme que este caso seja arquivado e que acabe por cair no esquecimento?
BdC
– O futebol português continua a embirrar em jogar fora das quatro
linhas. Se todos têm razões de queixa, venham assinar a proposta do
Sporting. Vamos dar a cara pelo videoárbitro!
R - Por que é que existe tanta resistência ao videoárbitro?
BdC – Porque é mais fácil.
R - Jogar fora das quatro linhas?
BdC – Com certeza.
R - Mas porquê?
BdC – [pausa] Há dois
caminhos para lhe poder responder a essa pergunta. Ou porque há malícia
ou então é aquela história do escorpião e do elefante. Um elefante vai
passar um rio e o escorpião pergunta-lhe se o pode levar com ele. O
elefante responde: "Não te vou levar porque tu vais picar-me e assim
morremos os dois". O escorpião responde: "Não! Não! Então eu sou
maluco?". Chegaram a meio do rio e o escorpião picou o elefante. "Então,
assim vamos morrer os dois!". E o escorpião responde: "É mais forte do
que eu." Acho que no futebol português as coisas funcionam assim.
Estamos a falar de pessoas que estão há muitos anos no futebol. Sempre
se jogou muito fora das quatro linhas. Alterar isso é alterar uma lógica
de procedimento. O que seria o futebol com o videoárbitro? O futebol
continua a ser muito jogado fora das quatro linhas. Desde que cheguei
que tenho denunciado isso.
R - E já que fala nesse jogo fora das quatro linhas, a pergunta é direta: Slimani agrediu Samaris?
BdC – Deixe-me dizer-lhe uma coisa: o Sporting apresentou uma série de queixas…
R - Por isso é que estava a falar-lhe do jogo fora das quatro linhas…
BdC
– Mas lá está! Nós não somos hipócritas. Publicamos a nossa visão sobre
os lances. Não criamos vídeos hipócritas e lançamos na internet. Você
vê imagens de jogadores a darem estalos e socos na cara de jogadores do
Sporting! Está a falar de uma jogada do Slimani com o Samaris... que é
perfeitamente corriqueira.
R - Mas acredita que o Slimani pode ser suspenso?
BdC
– Se aquilo dá para suspensão, então metade da equipa do Benfica era
suspensa. A imagem que vemos do Slimani, vamos vê-la toda ou só um
‘frame’ específico? Aconteceu antes ou depois? Quando se vê uma imagem
do Eliseu a dar um estalo a um jogador do Sporting, como é? Vemos essa
imagem ou vamos ver tudo? Se nós entramos por aí... E lá está, mais uma
vez foi o Benfica a fazer uma queixa…
R
- Se o Benfica não tivesse feito a queixa, o Sporting também não teria
apresentado as queixas contra cinco jogadores do Benfica?
BdC
– Não queremos utilizar subterfúgios para arranjarmos formas de vencer
jogos e campeonatos. Não há dúvida nenhuma que aquela queixa que o
Benfica faz contra o Slimani é uma retaliação pelas três derrotas. Sei
que é complicado de digerir… E também porque o Slimani é um jogador
importante para o Sporting. Seria uma forma de condicionar. Se calhar,
um novo caso Hulk, com as devidas separações. Tudo isto é tão ridículo,
que volto a dizer: em vez de estarem com estas atitudes ridículas,
convido os clubes a assinarem a proposta do videoárbitro do Sporting e a
maior parte destas situações ficam resolvidas.
Artur Soares Dias? Tem de haver bom-senso
R - Como analisa a nomeação de Artur Soares Dias para o jogo com o Belenenses?
BdC
– Fico espantado quando olho para as capas dos jornais que dizem "Bruno
de Carvalho condiciona a arbitragem" e, de repente, vejo um árbitro a
ser escolhido para o jogo do Sporting, um árbitro que já me expulsou
esta época [no Bessa] e cujo processo ainda está no Conselho de
Disciplina. Tem de haver bom senso. Não tenho a responsabilidade de
defender terceiros. O que quero dizer com isto? Sou presidente do
Sporting, não sou um árbitro. Sou tendencioso. O meu dever é defender o
Sporting. Um árbitro não pode ser tendencioso. Tem de defender todos.
Podem fazer-me os processos que quiserem enquanto presidente do
Sporting, mas não me vão calar. Não vou deixar de dizer aquilo que acho
serem coincidências a mais.
Não se ganham campeonatos no Natal
R - O Sporting lidera o campeonato e parece
firme nesse papel. Conhecendo tão bem a equipa e o treinador, acha que
está dado um grande passo para atingir o tão desejado título? Jesus
disse que se chegasse ao Natal nos primeiros lugares... o Sporting era
um candidato forte.
BdC – Mas ainda não chegámos ao Natal… Ainda faltam muitos jogos, daí essa preocupação.
R - Dezembro será, então, importante neste aspeto?
BdC
– Independentemente de chegarmos ao Natal em 1.º ou não - e aí Jorge
Jesus tem muito mais experiência do que eu - acho que o Sporting terá de
ser muito forte, muito humilde e muito aguerrido durante a época toda.
Claro que não sou daqueles que têm a teoria de o peso de estar na
liderança é terrível. Nada disso. Estar à frente é ótimo. O Sporting
terá de ser muito consistente até ao final do campeonato. Até maio, tem
de haver concentração, vontade, humildade, crescimento, tudo de uma
forma constante. Não se ganham campeonatos no Natal. O Sporting não quer
ser campeão de inverno: quer ser campeão nacional. Não podemos dormir à
sombra da bananeira por estarmos em 1.º lugar. Com dois ou três jogos
menos conseguidos, podemos perder a liderança.
Caixa é assunto que queima
R - Não esperava uma intervenção mais ativa de Pedro Proença no assunto das caixas do Benfica?
BdC
– Já tive a oportunidade de dizer ao Pedro Proença o que achava. Ele
agora é presidente da Liga. Tem de se afastar das questões da
arbitragem. Seja como for, não se pode afastar dos interesses dos
clubes. Considero o que ele disse como uma frase infeliz, porque as
caixas não são um ‘fait divers’. Tem de ter posição clara pela
modernização do futebol português. Entendo que este é um assunto que
‘queima’, mas temos de ter a coragem de dizer que estes comportamentos
não são corretos. E quando acontecem, devem ser punidos. Se, em Itália, a
Juventus desceu de divisão, por que é que aqui isso não acontece?
R
- Sentar-se no banco não faz de si um alvo demasiado acessível para
quem o queira ‘castigar’? Se estivesse na tribuna, não estaria mais
‘blindado’?
BdC – Quando estou no
banco, estou como delegado; não estou como presidente. A única coisa que
aceito é que me castiguem enquanto delegado. Vejo um ‘vermelho’?
Expulsam o delegado, mas jamais vão calar o presidente! Quero ver quem é
a pessoa que me cala... Sou dirigente porque fui eleito. Tenho, por
isso toda a liberdade para exercer este papel. Ponto. O que acontece?
Mais uma vez, a tal falta de visão estratégica. A vontade de me tirarem
dali é tão grande, que mais vontade tenho de lá ficar. Lá está outra vez
a visão estúpida. Atacam o Jorge [Jesus] e ele fica com mais gás;
atacam-me a mim, e eu fico com mais gás; querem tirar-me do banco e eu
mais vontade tenho de lá ficar. Portanto… não há dúvida nenhuma de que
ao fim de quase 3 anos as pessoas continuam a insistir nos mesmos erros.
Já devo ter dezenas de processos. Vou continuar a denunciar o que tiver
para denunciar, mesmo percebendo que as instâncias nada fazem. Já
denunciei coisas com muita gravidade e os processos têm dado zero. O
processo em que o presidente do Benfica me convida para fazer uma
aliança e em que ganhava um, ganhava o outro [o campeonato]: zero. A
contratação do Brahimi: nada. Mostrei a situação das caixas: toda a
gente condena na surdina, mas vamos ver o que vai dar.