Niculae e Sporting: um casamento que não foi abençoado
O verão tinha-me trocado as voltas e fui apanhado em viagem quando o Sporting se estreou a ganhar em Alvalade, tendo como adversário o FCP. Golo de Marius Nicolae, um jovem jogador romeno promissor, de estampa física impressionante, acabado de chegar e que de imediato se converteria num dos ídolos de bancada, com direito a banda sonora. Começava a escrever-se a bonita história da época 2001/02.
Os Sportinguistas conhecem bem este sentimento, seja qual for o plantel e qualquer que tenha sido o trajecto do ano anterior: ir a Alvalade ou deslocarmo-nos por esse País fora atrás da equipa tem um carácter tão mandatório que talvez só alguns animais, impelidos às longas migrações pelo instinto de sobrevivência, nos compreendam. Esse ano a esperança de sucesso, a sustentada por um dos melhores plantéis da história recente do clube (Nélson, André Cruz, Beto, Rui Jorge, César Prates, Dimas, Paulo Bento, Quaresma, João Vieira Pinto, Nicolae e... Jardel) conferia a esse impulso telúrico um carácter de urgência.
E assim foi uma praia de ananases às couves e lá estava eu, no jogo seguinte, no Restelo, sozinho, no meio de muitos Sportinguistas, como quase sempre na altura. O jogo não podia começar melhor, com um penalty a nosso favor. O menino Nicolae lá foi tratar de casar a bola com as redes, mas o casamento ficaria por consumar. Marco Aurélio era à época um imperador na baliza pastel e o Sr. Marinho Peres acabaria a rir-se 3 vezes de um atónito Lazlo Bolóni.
Passaram 10 anos e se alguém lhe dissesse que um jogador acabado de contratar por um clube era o jogador do plantel com mais troféus ganhos com a camisola desse clube ia-lhe parecer uma brincadeira ou até uma charada. Mas é verdade, Marius Nicolae tem no seu palmarés 1 titulo de campeão nacional, uma Taça de Portugal e uma Supertaça. Só por isso merece o meu respeito, que acresce à imagem que deixou no tempo em que serviu o clube e à reiterada vontade, tantas vezes expressa, de voltar a vestir a nossa camisola.
Não me sinto habilitado para me pronunciar sobre o seu valor, perdi-lhe o rasto e a forma como hoje vejo o futebol é radicalmente diferente de há 10 anos. Mas percebo-lhe a vontade, Niculae não foi feliz em Alvalade. Não porque não fosse benquisto, não porque não tivesse conhecido sucesso, mas porque repetidas lesões desde muito cedo o desviaram do destino que, de forma quase unânime, lhe era atribuído. É natural que Nicolae queira hoje verter nas páginas da história do nosso clube toda a tinta que foi forçado pelo infortúnio a conter. Lembrar o seu calvário e hoje ver o seu nome associado a mais uma embrulhada jurídica faz pensar que o jogador e clube não nasceram para serem felizes juntos.
Podia começar por dizer que o regulamento de transferências da FIFA se presta muito a estes imbróglios, pelo seu arcaísmo face à realidade - com tantas possibilidades de transferências e com datas tão díspares num mundo cada vez mais globalizado - mas sobretudo pela falta da clareza que deve presidir a este tipo de articulados.
Faz algum sentido que um jogador possa ser inscrito por 3 clubes diferentes mas só possa jogar por 2? Mas que se esse jogador for proveniente de diferente confederação ( o caso de Liedson) já pode jogar e um profissional nas mesmas condições (o caso de Niculae), mas da mesma confederação, fique impedido de exercer a sua profissão?
A única e remota possibilidade de Niculae voltar a vestir a camisola do Sporting ainda esta época em jogos oficiais reside precisamente aí, no emaranhado do regulamento que permite senão várias interpretações, pelo menos várias dúvidas. O último e ténue fio reside no que é a definição de época. O regulamento de transferências da FIFA define que "Season: the period starting with the first official match of the relevant national league championship and ending with the last offi cial match of the relevant national league championship."
Isto é, contaria apenas para Niculae os jogos feitos pelo Vaslui, uma vez que o do Dínamo foi no âmbito da Supertaça da Roménia. Argumento que é contrariado porque também se fala de jogos oficiais: Official matches: matches played within the framework of organised football, such as national league championships, national cups and international championships for clubs, but not including friendly and trial matches.
Sim, podia começar por aí. Mas inevitavelmente haveria de acabar de concluir o óbvio: alguém no Sporting tinha que saber isto e se o sabia ontem (como diz o comunicado) porque foi hoje anunciada a contratação do jogador sem fazer referência ao facto? Pode estar eminente mais uma nova entrada para o anedotário nacional e ver o nome do Sporting envolvido é de uma tristeza e incredulidade indefinível.
Há coisas que só parecem ser possíveis no Sporting. Na época em curso então os exemplos não faltam. A contratação de um avançado é uma terrível ilustração entre o que pode ser a conjunção do azar e da incompetência, que se juntam, como urubus, à extrema necessidade e turbulência. Razões que explicam muito do insucesso do clube nos últimos tempos. Azar ao jogo é inevitável, a incompetência é "opcional".
Paulo Henrique, que parecia ser um jogador interessante, não veio porque, quando o negócio estava perto do seu desfecho, a equipa muda de treinador. Poder-se-á dizer que se podia realizar mais cedo, creio que tal não aconteceu porque estava dependente da confirmação do alivio da folha salarial. Terá sido com a saída de Ínsua que o negócio ficou viabilizado.
Aceito que não se pudesse prever a chicotada psicológica no Trabzonsport, que contribuiu para o desfecho. É aí que entra - ou devia entrar... - Nicolae. Como se chega a ele sem se perceber a granada que ia despoletar é que parece indesculpável. Veremos agora quem se atirará para cima dela se ela deflagrar com todo o estrondo...
Não me sinto habilitado para me pronunciar sobre o seu valor, perdi-lhe o rasto e a forma como hoje vejo o futebol é radicalmente diferente de há 10 anos. Mas percebo-lhe a vontade, Niculae não foi feliz em Alvalade. Não porque não fosse benquisto, não porque não tivesse conhecido sucesso, mas porque repetidas lesões desde muito cedo o desviaram do destino que, de forma quase unânime, lhe era atribuído. É natural que Nicolae queira hoje verter nas páginas da história do nosso clube toda a tinta que foi forçado pelo infortúnio a conter. Lembrar o seu calvário e hoje ver o seu nome associado a mais uma embrulhada jurídica faz pensar que o jogador e clube não nasceram para serem felizes juntos.
Podia começar por dizer que o regulamento de transferências da FIFA se presta muito a estes imbróglios, pelo seu arcaísmo face à realidade - com tantas possibilidades de transferências e com datas tão díspares num mundo cada vez mais globalizado - mas sobretudo pela falta da clareza que deve presidir a este tipo de articulados.
Faz algum sentido que um jogador possa ser inscrito por 3 clubes diferentes mas só possa jogar por 2? Mas que se esse jogador for proveniente de diferente confederação ( o caso de Liedson) já pode jogar e um profissional nas mesmas condições (o caso de Niculae), mas da mesma confederação, fique impedido de exercer a sua profissão?
A única e remota possibilidade de Niculae voltar a vestir a camisola do Sporting ainda esta época em jogos oficiais reside precisamente aí, no emaranhado do regulamento que permite senão várias interpretações, pelo menos várias dúvidas. O último e ténue fio reside no que é a definição de época. O regulamento de transferências da FIFA define que "Season: the period starting with the first official match of the relevant national league championship and ending with the last offi cial match of the relevant national league championship."
Isto é, contaria apenas para Niculae os jogos feitos pelo Vaslui, uma vez que o do Dínamo foi no âmbito da Supertaça da Roménia. Argumento que é contrariado porque também se fala de jogos oficiais: Official matches: matches played within the framework of organised football, such as national league championships, national cups and international championships for clubs, but not including friendly and trial matches.
Sim, podia começar por aí. Mas inevitavelmente haveria de acabar de concluir o óbvio: alguém no Sporting tinha que saber isto e se o sabia ontem (como diz o comunicado) porque foi hoje anunciada a contratação do jogador sem fazer referência ao facto? Pode estar eminente mais uma nova entrada para o anedotário nacional e ver o nome do Sporting envolvido é de uma tristeza e incredulidade indefinível.
Há coisas que só parecem ser possíveis no Sporting. Na época em curso então os exemplos não faltam. A contratação de um avançado é uma terrível ilustração entre o que pode ser a conjunção do azar e da incompetência, que se juntam, como urubus, à extrema necessidade e turbulência. Razões que explicam muito do insucesso do clube nos últimos tempos. Azar ao jogo é inevitável, a incompetência é "opcional".
Paulo Henrique, que parecia ser um jogador interessante, não veio porque, quando o negócio estava perto do seu desfecho, a equipa muda de treinador. Poder-se-á dizer que se podia realizar mais cedo, creio que tal não aconteceu porque estava dependente da confirmação do alivio da folha salarial. Terá sido com a saída de Ínsua que o negócio ficou viabilizado.
Aceito que não se pudesse prever a chicotada psicológica no Trabzonsport, que contribuiu para o desfecho. É aí que entra - ou devia entrar... - Nicolae. Como se chega a ele sem se perceber a granada que ia despoletar é que parece indesculpável. Veremos agora quem se atirará para cima dela se ela deflagrar com todo o estrondo...