A recente revelação do guionista da tragicomédia que semanalmente invade os ecrãs dos portugueses, descritos eufemisticamente como programas de futebol, sobressaltou muita gente, fazendo escorrer muita tinta e secar muitas gargantas. Alguns, de forma ingénua, julgaram estar na presença da tão esperada confirmação da existência de articulação entre a paineleiragem (neologismo para definir grupo de paineleiros) benfiquista, quando ela já estava à vista de todos há muito tempo.
O triunfo dos porcos
Há que o dizer com clareza e sem eufemismo: a estratégia lançada por Luís Filipe Vieira para o audiovisual está a ser bem sucedida. Dentro do género que se pretende para aquele formato, tem os melhores paineleiros e são frequentemente os "mais bem" documentados. Tanto assim é que não apenas obrigaram os canais a distribuir uma ração com a sua própria marca, como submeteram os rivais, Sporting incluído, à sua estratégia. Marcando a agenda mediática, obrigam-os (nos) a reagir semana após semana, impedindo-os assim de marcarem a opinião pública com as suas próprias matérias e interesses.
As consequências estão à vista de todos: o ódio e o rancor saltou dos ecrãs para os estádios, ficando-se para já pelas bancadas. Receio que o espectáculo inqualificável dado pelas claques em diversas ocasiões é apenas o principio. Para quem como eu "fugia" de casa com apenas nove anos para ir ao futebol e era "perfilhado" por um coração piedoso que me "arrastava para dentro do estádio sem me perguntar sequer de que clube era o que se vem assistindo e anunciando é abaixo de deplorável.
O dragão ainda respira
Para os que há muito propalam a morte do dragão tal qual Pinto da Costa o pariu há 35 anos ficou aviso de que talvez o anuncio seja exagerado. A primeira ferida de alguma profundidade foi deixada pela prova de vida que a revelação do nome de Carlos Janela acabou por constituir. Associado ao reaparecimento na luta pelo titulo ficou o aviso de que um dragão, mesmo que obnubilado pelos negócios e anestesiado pelo sucesso, ainda pode fazer estragos até ao último extertor que anunciará em definitivo o fim de uma era.
Leão que não lidera não é rei
Infelizmente o Sporting deixou-se aprisionar na estratégia do arqui-rival. Ao invés de agir, limita-se a reagir. E ao fazê-lo o melhor que consegue é acentuar e dar visibilidade às matérias que o rival vai impondo. Só encontro duas explicações para isto e nenhuma delas é boa para o Sporting:
1- O Sporting não tem estratégia e limita-se a navegar pela espuma mediática em função do "sumário da lição do dia".
2- A cartilha é até conveniente para ao status quo leonino. Enquanto os Sportinguistas andarem entretidos a seguirem estes "bate-bocas" permanentes e seguirem esta procissão de horrores com devoção não discutem o que verdadeiramente interessa. E como a resposta é normalmente pavloviana, e por isso pouco reflectida, lá se vai lendo que nunca o Sporting foi tão bem defendido como hoje.
Pena é que os resultados desportivos sejam mais ou menos os mesmo e tudo o que há para fazer nas cadeiras do poder das instituições ou até mesmo em matérias de "governance" do clube permaneça mais difícil de mover que aproximar o Minho da Estremadura. Depois de esgotado o "dossier croquetes" por estes se apresentarem novamente abundantes em Alvalade, o apontar das anti-áreas às águias arqui-rivais não podia ser mais conveniente. Pena é que elas continuem a voar a seu bel-prazer.
Que influência teve a dita cartilha na definição dos resultados desta época ou mesmo da época anterior? Só três exemplos, sendo o segundo e terceiros mais óbvios que o primeiro e reconhecendo desde já o caracter especulativo deste:
1- Tivesse o Sporting gerido melhor os dossiers "Montero", "Teo Gutierrez", "Barcos" não teria conseguido outros resultados que lhe garantissem outra segurança para o dérby que o ano passado ditou o vencedor do campeonato?
2- Que influência poderia ter tido a cartilha nos resultados desta época se o Sporting tivesse sido mais eficiente nas diferentes janelas de mercado, especialmente a de verão, mesmo que o Pedro Guerra se desfizesse em bilis várias vezes em directo?
3- Vimos recentemente
BdC dirigir-se à LIGA, solicitando alterações a um regulamento que foi aprovado com o beneplácito do Sporting, em que este demonstrou não estar inteirado das repercussões do que aprovava. Que garantias têm os Sportinguistas de não haver mais ligeirezas semelhantes e em matérias de maior relevo?
Pode até ser popular e conveniente a muitos cartolas (de todos o clubes...) falar da cartilha para os adeptos não olharem para os seus próprios quintais, enquanto destratam o futebol com total impunidade. O seu horizonte termina no umbigo e no poder momentâneo.
Não podendo o Sporting alhear-se do que se passa à sua volta, é claro para mim que o sucesso começa naquilo que fazemos em casa. Porque o Sporting sabe, há já anos, talvez décadas, que tem de ser quase perfeito no que faz dentro e fora do campo para poder interromper o ciclo de insucesso. E tem estado longe de o ser.