Muitas vezes me questiono porque sou eu Sportinguista. Não tendo recebido “herança leonina” pela genética, uma vez que em casa não há vivência futeboleira ou clubite de qualquer espécie, sempre me interroguei sobre as origens da minha paixão a verde e branco. Há dias, enquanto conversava com o Gabriel Almeida, grande Sportinguista, editor no Sangue Leonino, (que, segundo me contava o Bruno Martins, na viagem de sábado para Alvalade, até tem relatos de jogos gravados em cassetes!) chegamos à conclusão que partilhávamos o facto de sermos Sportinguistas de geração espontânea.
Ontem, fazendo o “balanço familiar” da viagem ao derby ,sobrepôs-se na conversa o fervor leonino que nos foi permitido viver com os editores deste blogue e com todos os que nos deram o privilégio de se nos juntar. Fervor esse que se sentiu em pleno Estádio de Alvalade. Atrevia-me a dizer que o orgulho leonino está de volta. Mas seria profundamente injusto. Os Sportinguistas que conheço, dos que escrevem aqui aos que me cruzei antes, durante e depois do jogo, não me pareceram de cabeça baixa, capazes de baixar os braços ou diminuir a sua militância. O Sporting mantém a sua capacidade de sedução, até dos mais improváveis adeptos, sejam eles aquele estimado consócio que pagou as quotas de 21 anos ou o ilustre adepto que, num destes dias, se deu a conhecer numa reportagem ao jornal “Abola” que transcrevemos para os nossos leitores.
Quem é do Sporting ponha o braço no ar. Sabe a data de inauguração do antigo Estádio de Alvalade? Se desconhece baixe o braço. Sugestão ridícula seguramente nem o levantou. Mas respondeu? A BOLA apresenta-lhe um adepto Sportinguista que tem essa resposta na ponta da língua. Essa e muitas mais. Venha daí conhecê-lo. Alexander Ellis podia ser um leão como tantos outros. Mas não se encontrarão assim tantos admiradores britânicos do Sporting que saibam tanto e tenham tão fortes recordações sobre os leões, a sua história, os jogos mais importantes, as suas figuras mais ilustres. E, já agora, que tenham carreira diplomática. Foi um bicho que me mordeu, justifica o embaixador, assim mesmo, num português perfeito.
Memórias de infância
Aiexander Ellis nasceu em Londres, perto de um grande templo do futebol mundial - Wembley - e a poucos quilómetros do Estádio de Highbury, palco antigo do Arsenal, transformado num condomínio de luxo. - Alexander Ellis é do Arsenal. Talvez por influência ou tradiçáo familiar. O meu pai é do Arsenal e a minha tia é sócia vitalícia, conta, no hall VIP do Estádio de Alvalade.
Portugal e o Sporting
Gentil, cordial, elegante, sincero, combina os gestos extrovertidos com a gravidade diplomata enquanto nos conduz pelo percurso da sua vida, que o trouxe a Portugal em 1992. «Cheguei num fim-de-semana e não conhecia ninguém. Já percebia um pouco de português li num jornal que o Bobby Robson era O treinador do Sporting e que havia jogo. Fuí ver e interessei-me pelo clube», recorda. Foi uma experiência incrível ver um jogo ao final da tarde, com o sol a bater no estádio e a beber cerveja. A sua professora de português encarregou-se de alimentar o interesse. «É uma Sportinguista profunda», esclarece. Depois, o «bicho mordeu» e ficou mesmo Sportinguista. Alexander Ellis evoca com admiração jogadores da época pré-Bosman., como Valckx, Balakov, Figo, Nélson, todos de «grande nível. O seu assistente da secção Política de Imprensa, Pedro Silva, pergunta: «E o Paulo Sousa?» O embaixador eleva os braços e responde: «ui, o Paulo Sousa, lembro-me muito bem (desse Verão quente). E ainda chegou a .Falar-se que o João Pinto também podia trocar o Benfica pelo Sporting. Como já se percebeu, o embaixador britânico ficou a saber muito bem quem era o tradutor de Robson no Sporking. Nem era preciso perguntar. «Mourinho, claro».
ROBSON e o 6-3
Como todos os britânicos, Alexander Ellis nutre especial por Bobby Robson. Imita o sotaque português do antigo treinador do Sporting e F.C. Porto. «João Pinto, graande jogador, graande jogador. Ainda não se conformou com a saída de Robson do Sporting. "Lembro-me bem do despedimento de Robson, depois de termos sido eliminados pelo Casino Saizburgo. Sofremos o 3ºgolo nos descontos (o Sporting tinha vencido2-0 em Lisboa, e perdeu 3-0 na Áustria, com o último golo aos 112minutos). Foi o desespero total, quase chorei.»
Mais tarde, já Robson era treinador do FC Porto, escreveu-lhe uma carta, convidando-o a vir a Lisboa para assistir a um jogo que Alexande Ellis e os amigos organizavam regularmente com a Casa do Gaiato. «Assim que recebeu a carta, telefonou-me logo. Pediu muita desculpa, porque não era possível vir a Lisboa. Era muito simpático. Tive pena por ter deixado o Sporting. Ele dizia: estávamos no piimeiro lugar, estávamos no primeiro lugar. Impressionante. Nunca tinha sido tratado assim. Em Inglaterra, a imprensa, por vezes, era dura com ele, mas nunca tinha sido despedido.» O embaixador entusiasma-se a falar de futebol. Corrija-se, dos Sporting.O pensamento segue veloz, sem rumo, e leva-o à derrota dos leões como Benfica, por 6-3. Começa por dizer que estava no estidio, mas emenda Viu o jogo na TV em casa de um amigo, perto do estádio, num final de tarde e princípio de noite em que «chovia a potes». «Que frustração», desabafa. Mas o pior foi no dia seguinte. Provou do gozo adversário. «Entrei no carro, seriam umas sete e meia da manhã e recordo-me do locutor:Está triste? Tem problemas? Então ligue o 0800 63 63 63. Nunca mais esqueci.»
Como não esqueceu, anos mais tarde, o encontro improvável com Peter Schmeichel, quando estava de férias. Foi num supermercado em Cascais que deu de caras com o gigante dinamarquês, que acabara de chegar de Manchester. «VI um tipo enorme [abre os braços], a comprar o leite e o pão. Não era só alto, era mesmo enorme. Era o Schmeichel e percebi, nessa altura, que tínhamos hipóteses de sermos campeões» E foram mesmo. Alexander Ellis não estava em Portugal, mas acompanhou tudo à distância, em Bruxelas. Vi o jogo com o Salgueiros na televisão, com o meu bebé ao colo e um cachecol. Foi um dia glorioso, atira, com orgulho. Sempre que pode, Alexander Ellis vai ao estádio. Protegido pelo anonimato do público está mais à vontade para expressar os sentimentos. Quem sabe para dizer uns palavrões, não conseguimos confirmar. Alguns adjectivos, pouco recomendáveis, aprendeu-os «no futebol e no autocarro entre o Porto e Matosinhos a caminho da escola». Dos grandes jogos em Alvalade, escolhe o particular com o Manchester United, no dia da inauguração do novo estádio, quando Gary Neville passou um mau bocado com Cristiano Ronaldo. Na final da TaçaUEFA, contra CSKA, em 2005, estava acompanhado do sogro e lamenta a derrota por 3-2. «Foi uma pena. O golo do Rogério foi muito bom e ele esteve quase a marcar outro. Mas o CSKA tinha uma grande equipa, Daniel Carvalho e Wagner Love eram muito bons, resume.
A conversa com A BOLA, em tom informal, acaba pouco depois. Mário Casquilho, director do Museu do Sporting, e António Sousa Duarte, director de comunicação dos leões, chegam ao Hail VIP e conduzem o adepto especial numa viagem ao passado do Sporting, pelo Museu do clube. A reprodução da sala de reuniões da administração, de 1947 a 2002, logo a entrada, proporciona uma oportunidade para o embaixador fazer uso de finíssimo humor. «Foi aqui que despediram Robson?» O embaixador ficou a saber que o Sporting teve um fundador inglês (John H. Scarleti) e surpreendeu-se ainda mais quando viu que se jogou cricket no clube. O impressionante número de atletas olímpicos dos leões despertou a atenção do embaixador, quase tanto como a Taça dasTaças, os Cinco Violinos ou Vitor Damas. «O museu mostra a grandeza de um clube que não é só futebol. É notável» observa, ainda antes de passar numa área em que é simulada a entrada no relvado, ao lado dos jogadores. «Olha o Paulo Bento», diz, com surpresa, quando surge a imagem do ex-treinador do Sporting. Finda a visita, José Eduardo Bettencourt esperava o embaixador. Recebeu-o em privado e ofereceu-lhe uma lembrança. O diplomata regressou à embaixada antes da hora de almoço. Ainda mais Sportinguista, arriscamos sem medo. Alexander Ellis é dos mais «ferrenhos», como ele próprio reconhece. Por exemplo, reagiu em menos de um segundo quando viu uma fotografia da inauguração do antigo estádio de Alvalade. « Foi em 1956». Está certo. Sabia?