Um enorme privilégio
Past the pub that wrecks your body
And the church, all they want is your money
The Queen is dead, boys
And it's so lonely on a limb
Life is very long, when you're lonely
The Queen is Dead
Vivido com maior ou menor fervor, grassa entre muitos este sentimento de monarquia moribunda. Nos últimos anos, mas particularmente nesta época futebolística interminável, que só agora e inexplicavelmente chega a meio, a falta de alegria e de futebol tem sido a pior das solidões. O sportinguismo, herdeiro de uma mitologia de nobrezas e partido pela inevitável pluralidade de classe e culturas, hesita sobre o regicídio. Morra ou não a rainha, o luto é inevitável.
Frankly, Mr. Shankly, I'm a sickening wreck
I've got the twenty first century breathing down my neck
I must move fast, you understand me
I want to go down in celluloid history, Mr. Shankly
Frankly Mr.Shankly
O internacional brasileiro, o centrocampista português do futuro, o fantasma pós-soviético do último terço, a todos bafeja no pescoço a felicidade de uma alternativa, longe desta equipa estagnada. Formados e fortalecidos à base de promessas e do crédito da academia, pedem compreensão e respeito por não olharem para trás quando partirem. O caminho para o êxito próprio é um passeio na fronteira entre o compromisso com o clube e a confiança no desconhecido; frequentemente uma escolha medida em euros.
I know it's over
And it never really began
But in my heart it was so real
I know it’s over
Sá Pinto perdido em Székesfehérvár, no enterro de algo que acabou sem ter realmente chegado a começar. No Verão, a única opção parecia também a que tinha mais sentido e cada saída ao campo trazia mais terra para cobrir o caixão. É preciso ter coragem para ser gentil, para ser bom. Nas exéquias húngaras, culminou essa transformação mas acabou o jogo.
When you walk without ease
On these
Streets where you were raised
I had a really bad dream
It lasted twenty years, seven months, and twenty seven days
I never, I'm alone, and I
Never, ever oh, had no one ever
I never had no one ever
Conhecer tão bem as escadas, os torniquetes, os portões verdes, aquele não-lugar de terraço sobre o descampado, memorial ao antigo estádio. Ou sobre a segunda circular, lá em cima, descomunal face ao adepto errante, impossível de atravessar como os anos, meses, dias que dura a desilusão. Crescer nas ruas do clube e arrastar esta solidão, mas continuar a percorrê-las, confiantes, até ao fim do pesadelo.
A dreaded sunny day
So I meet you at the cemetry gates
Keats and Yeats are on your side
While Wilde is on mine
Cemetery gates
Tarde solarenga, infecta, e entramos juntos no Jamor. Tu com as odes a um futebol sensível e a insinuar rupturas com o passado, e nós entregues à beleza da equipa, a um retrato que veríamos envelhecer e definhar com o passar das horas. Cada ida ao Jamor é também um passeio pelas campas de caídos e elegias a glórias passadas, exercício de recordar e reviver. Nessa tarde, nessa ida ao cemitério, ficou algo enterrado que não voltaria a renascer.
Bigmouth strikes again
And I've got no right to take my place
With the Human race
Bigmouth strikes again
Muitas vozes na ronda, disparos incessantes de projectos, idéias e certezas na ebulição ruidosa do clube. Num festim de herdeiros por jus sanguini e jus soli, todos são demasiado importantes para não serem mártires. E entretanto, as paredes de vidro de um clube aberto, continuam a embaciar-se.
The boy with the thorn in his side
Behind the hatred there lies
A plundering desire for love
How can they see the Love in our eyes
And still they don't believe us?
The boy with the thorn in his side
Odeia-se a si próprio quando falha e às vezes parece que falha por odiar-se. Só agora começa a recuperar um pouco o fôlego, a sacudir o incómodo com a cara bem alta quando vê a bola dentro da baliza. À procura desse amor das bancadas que nunca parece incondicional, ou totalmente correspondido, enquanto cresce, Ricky van Wolfswinkel. É duro o ofício de manter o desejo, mas vale a pena, absolutamente.
It was worthwhile living a laughable life
To set my eyes on the blistering sight
Of a Vicar in a tutu
He's not strange
He just wants to live his life this way
Vicar in a tutu
O pavor ao ridículo, à exposição à humilhação, é outra metástase do fracasso desportivo. Quando acaba o jogo, começa o desafio que dura dias: marcação homem a homem à vergonha, goleadas na mesa do café e cada manchete amarga como um penalty falhado no último minuto. E no meio do pânico, da desconfiança, perde-se muito atrevimento. Há uma audácia à espera que se quebre a paralisia.
To die by your side
Well, the pleasure - the privilege is mine
There is a light that never goes out
Falamos do fim como uma prova de amor, deste vínculo quase matrimonial de tão quotidiano na saúde e na doença. Porque o clube é um privilégio e se há coisa que as séries de derrotas têm em comum com as grandes vitórias é a intensidade. Uma pulsão vital que, virada do avesso, redescobre o sportinguismo, essa luz ao fundo do túnel que parece sempre mais longo do que pensamos conseguir aguentar.
From the ice-age to the dole-age
There is but one concern
I have just discovered :
Some girls are bigger than others
Some girls are bigger than others
Há muitas medidas de grandeza e as mais importantes costumam parecer objectivas: os troféus, a altura, os quilómetros percorridos, os passes acertados, os preços preços preços dos jogadores e dos bilhetes e das camisolas, mais as viagens e a cerveja sem álcool, micrometáfora da bancada da bola moderna. Costumam parecer, dizíamos, mas lá no fundo sabemos, pelo menos alguns, que não são. O maior quer dizer melhor e o melhor é sempre o nosso.
Obviamente que a inteligência não é exclusiva, mas por vezes pergunto-me como é possível que um clube com adeptos do calibre do Tiago, consegue fazer tanta asneira no que toca ao dirigismo desportivo.
ResponderEliminarRealmente isto parece um paradoxo, mas não o será certamente, muito menos poderá ser um dogma.
Mas então que características são importantes para o sucesso desportivo? Será tudo sorte? Quais as dimensões do saber fazer que são importantes dominar e que teimam em passar ao lado dos nossos dirigentes? Será possível defini-las?
Brilhante... Não há palavras. O Tiago conseguiu, através de trechos de letras de músicas dos "The Smiths", transpor e compará-las com o(s) triste(s) momento(s) que o SCP e o Sportinguismo vêm atravessando. No fundo, que nós tds, sportinguistas, vimos atravessamos.
ResponderEliminarÀs vezes (mts) a tristeza associada ao desespero carregam-nos de inspiração e esta revela-se assim: cheia de nostalgia e amargura poética. É bonito, sim, mas não deixa de ser triste e perigosa. Vivem-se momentos complexos, paradoxais, onde o vicio do confronto se vai sobrepondo ao da razoabilidade. De parte a parte. O campo está preparado para o derrame fratricida... A história aproxima-se e não me parece que o seu final possa ser-nos favorável.´
Sim, é um verdadeiro privilégio ler este post.
O texto e tremendo e le se sem parar nem querer sequer respirar...Esmagador.E sabem que mais? Tudo aquilo por que passamos hoje , mesmo o clubismo tao profundo que doi, no caso dos que sofrem apenas e so com o verde, mexe com o sentimento, com a alma, como este texto. A vida sem sentimento nao existe...
ResponderEliminarUm privilégio ter lido este texto; enorme prazer.
ResponderEliminarFique bem sempre Tiago, nesse sentir; imenso.
Obrigado
Sublime, Tiago. Sublime.
ResponderEliminarDesculpem-me agora o desrespeito pelo post, mas o momento do nosso Sporting não nos permite descanso, e um blog com esta projecção tem que analisar o recente comunicado do Conselho Directivo:
Violar os Estatutos ou Violar o Sporting?
O recente comunicado do CD do Sporting é moralmente obsceno e é a confissão velada da violação permanente do Sporting Clube de Portugal.
O Sporting Clube de Portugal é uma associação desportiva, sendo constituída pelos seus sócios.
Os sócios são, por inerência, os donos do clube, e apenas a estes cabe decidir o futuro do clube.
Essas decisões são tomadas no órgão máximo de qualquer instituição, a Assembleia Geral de Sócios.
É pois inconcebível tamanha falta de respeito pela vontade expressa por centenas (ou milhares) de sócios no sentido de se realizar uma Assembleia Geral.
Uma Assembleia Geral é, por definição, aberta a todos os sócios e não apenas aos subscritores do pedido de realização da mesma, e como tal, existindo confiança por parte do CD que a maioria dos sócios partilha a sua visão, nada haveria a temer.
Eu percebo que não se pode banalizar a realização de Assembleias Gerais, mas achar que convocar esta Assembleia Geral foi um acto banal é, pura e simplesmente, não estar atento ao sentimento generalizado dos sócios e adeptos do Sporting Clube de Portugal.
E são inúmeras as manifestações de desagrado, as quais, só por si, e perante afirmações como “sei que ganharia outra vez”, mereciam, por um imperativo moral, uma reavaliação das condições de governo.
Porque é disso mesmo que isto se trata, reavaliar as condições para governar deste CD.
No fundo isto é como a apresentação de uma moção de censura ao Governo na Assembleia da República. Se o mesmo tiver a maioria não cai. Se tiver minoria cai. E isto é democracia. É a vontade da maioria a ditar as regras do jogo.
Já há muito tinha percebido que a democracia no Sporting deixava algo a desejar, não imaginava era que um Conselho Directivo tivesse o descaramento de o admitir publicamente.
Batemos no fundo. À beira disto, o reinado de Pinto da Costa no fcp é um hino à democracia. Não imaginam o que me custa dizer isto, mas é a a mais pura das verdades.
Haja vergonha!
Muito bom ,parabéns ao autor.
ResponderEliminarMuito bom gosto também,mas sou suspeito também pois sou um enorme fã de Smiths :)(sendo um dos meus grandes ídolos o brilhante Johnny Marr).
O comentário do Adolfo Sapinto é também de uma assertividade enorme ,e motivo para mim pessoalmente de alguma tristeza pela sua infeliz realidade.
Merecia muito mais este grande Clube.
Breathtaking! Obrigada, Tiago!
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