E agora, João? E agora, nós?
Ponto prévio:
Perante o Santa Clara o Sporting jogou muito abaixo daquilo que estávamos habituados a ver e, ao contrário, há muito mérito na estratégia e no desempenho em campo por parte do adversário.
Orquestra de Câmara:
Reconhecê-lo não invalida que poderíamos estar a falar de um jogo completamente diferente caso o árbitro tivesse assinalado como devia logo aos quinze minutos. Tal poderia ter sido suficiente para obrigar o adversário a ter outros comportamentos que, pelo menos em teoria, nos poderiam ser mais favoráveis. E teria um efeito positivo na confiança dos jogadores, um dos factores que pareceram pender em nosso desfavor à medida que o jogo se desenrolou. Outro penálti a fechar a primeira parte poderia ter dado um empate, o que redundaria numa segunda parte completamente diferente. A sinfonia do apito de Cláudio Pereira foi muito orquestrada e igualmente bem secundada pelo primeiro violino Hélder Carvalho, no VAR. Vamos estar atentos às próximas nomeações...
Com o Ruben Amorim isto não acontecia
Há quem diga que com Rúben Amorim isto não sucedia, que nos tínhamos habituado a vencer, apesar das arbitragens. Tal não é verdade, mas é verdade que nestas duas últimas épocas não, pelo menos em casa. Mas recordo que o ano passado, apesar do bom momento que atravessávamos, não fomos capazes de contrariar intervenções infelizes dos árbitros em Guimarães e Vila do Conde. Este último, tal como o jogo com o Sta. Clara, na ressaca de uma jornada europeia.
O que é mais preocupante nesta derrota
Do muito que se pode dizer sobre este desaire o que parece mais preocupante foi a falta de criação de oportunidades claras, que contribuíram para a interrupção de uma série consecutiva de jogos em que o Sporting marcou sempre e, de igual modo, a interrupção de um período de quase dois anos sem derrotas em Alvalade. A equipa parece ter perdido a sua identidade, seguramente que os níveis de confiança já foram melhores. Houve uma clara diminuição da procura da profundidade, em favor de um jogo interior que esbarrou quase sempre no imobilismo dos jogadores dentro do bloco açoriano, tornando assim difícil a ligação do nosso jogo atacante. O recurso à aleatoriedade dos cruzamentos foi uma constante.
Os próximos jogos ajudarão a esclarecer se trata de uma mera casualidade ou de uma mudança de processos. A ser assim, o Sporting parece estar disposto a alienar o seu às de trunfo, Viktor Gyokeres, o que seria de todo incompreensível e até inaceitável. O facto é que ele foi muito pouco solicitado nas duas derrotas mais recentes. Se o jogo com o Arsenal não é propriamente para ser levado como referência, já este com o Sta. Clara faz acender os alertas.
A firma João Pereira
O baralho está na mão de João Pereira. Tem uma missão espinhosa e inversa à de Ruben Amorim: ao contrário deste, a possibilidade de fazer pior é muito maior do que a de melhorar. Ao contrário do seu antecessor, a sua entrada não é geradora de entusiasmo, antes encontra um mar de frustração e desencanto e um horizonte de dúvidas sobre ele mesmo. Já aqui lhe gabei a coragem em assumir um Sporting numa fase que, por comparação, em poucos dias se tornou num "pretérito mais que perfeito".
A substituição de um treinador com o carisma e resultados como Rúben Amorim seria sempre um momento atribulado, ainda que fosse no final da época, fosse qual fosse o treinador. Mas pelo menos haveria o tempo que agora não há para cimentar uma liderança, explicar ideias, operacionalizá-las nos treinos e em jogos de preparação que agora são todos a doer. O Sporting era uma equipa de autor e, infelizmente, é difícil, senão impossível, mudar de autor e que a equipa se continue a expressar da mesma forma.
Não há uma única forma de ganhar jogos e se é verdade que João Pereira foi o eleito por se confiar nas suas qualidades, obviamente, foi sobretudo por se pensar ser capaz de assegurar a continuidade. Não apenas por estar identificado com o clube, mas sobretudo por as suas equipas adoptarem sistemas semelhantes. João Pereira tem agora que confirmar que a escolha era a certa. Espera-se dele e da sua equipa técnica, um diagnóstico sereno mas rápido, de forma a devolver o conforto que agora parece faltar aos jogadores de forma a devolver o poder que exibia nos relvados e que parece ter perdido, particularmente no jogo com o Santa Clara. Foi uma vez sem exemplo, ou vamos ter que nos habituar?
A nossa hora
Os adeptos têm um papel determinante sempre, mas em particular em alturas em que o momento convida a algum cuidado nas análises e reacções. No jogo com o Santa Clara foi evidente que nas bancadas as pernas tremiam mais do que no relvado e isso sente-se lá em baixo. Todos queríamos um milagre que já percebemos não irá suceder. As coisas ficaram mais difíceis indubitavelmente, ficariam sempre. Do ponto de vista emocional os jogadores sofreram uma enorme perda, um líder. Se nós o sentimos, imaginemos eles. Temos por isso que estar preparados para o novo momento. Provavelmente será mais difícil, mas se fosse fácil não era para nós.
É preciso ter presente o contexto: fomos goleados por duas vontades para as quais não tínhamos argumentos para contrariar: a vontade de Ruben de sair, já expressa no ano passado naquela famigerada viagem, e o apelo que representou para ele o chamamento de um colosso a necessitar de se reerguer. Acabamos por ser vitimas de uma chicotada psicológica de efeito contrário, para a qual era necessário encontrar a medida certa. Não foi verdadeiramente uma opção, foi uma medida de contingência. A possibilidade de não correr bem existe, e isso vale tanto com João Pereira como com outro qualquer. Esse "outro qualquer" que se possa apontar só ganha ao João Pereira porque não está calçado nos sapatos dele.
P.S.: O Sporting ficou a uma vitória de estabelecer um novo record de vitorias consecutivas, apenas a igualou, com o onze. A última vez que tal tinha sucedido, era Marinho Peres o treinador e foi travado num jogo habilidosamente arbitrado por Mário Leal. Ainda há quem diga que a história não se repete.