Os melhores amigos de Bruno de Carvalho
Quem chegasse agora a Portugal com origem num qualquer país distante onde não houvesse acesso a noticias e olhasse para o momento que o Sporting está a viver não acreditaria que o clube estava a acabar de terminar um longo jejum sem títulos e acabava de resgatar o melhor treinador do campeonato, acabado de se sagrar bi-campeão. A menos que o recém-chegado fosse Sportinguista, aí ele seria bem capaz de concluir: "isto é e sempre foi o Sporting".
No centro da polémica está a saída de Marco Silva e as reacções que se seguiram e que levaram ao ressurgimento de protagonistas da história recente do clube. Dessas destaco as declarações intempestivas ou até insultuosas de Dias da Cunha e muito pouco avisadas de José Roquette. Estas excedem em muito o direito à opinião que qualquer associado detém, agravadas pelo facto de serem proferidas por ex-presidentes do clube versando o presidente em exercício. E são pouco ou mesmo nada inteligentes por não perceberem que o contexto recomendaria neste momento pelo menos algum recato. Fazê-lo desta forma é tornarem-se nos melhores amigos de Bruno de Carvalho, uma espécie de certificado de garantia para o presidente em exercício poder usar por comparação como o que foram os respectivos mandatos.
A reacção pavloviana da larga maioria dos adeptos também me parece excessiva. E o argumento de que quer Dias da Cunha temem os resultados da auditoria é irracional. Se assim fosse estariam calados, tentando passar despercebidos, ao invés de concitarem as atenções gerais.
Por muito que doa reconhecer José Roquette, Dias da Cunha e Soares Franco não representam apenas um passado de déficits acumulados e má gestão. Eu, como não sou do Sporting apenas desde 2011, sei o que era o clube que a geração Roquette encontrou. Em termos de infraestruturas o Sporting era já um clube em perda, com um estádio decrépito e sem condições de treino para as muitas equipas dos diversos escalões. O pavilhão não o era menos, encafuado numa solução de recurso por baixo de uma bancada. E os títulos em futebol estavam ausentes há quase duas décadas.
Entretanto construia-se um estádio moderno, mas cheio de erros de concepção, e interrompeu-se o longo jejum. Repetiu-se o titulo passado dois anos e o sonho de "três titulos em cinco anos" estava ali à distância de um dedo. Roquette era aclamado em qualquer jornal, revista, canto e esquina e os clubes, mesmo os rivais, procuravam perceber junto dele os segredos do que parecia ser a pedra filosofal da gestão moderna dos clubes. Dias da Cunha inaugura o estádio como presidente, depois de fazer a dobradinha, seguindo-se uma aziaga e premonitória final europeia, a segunda da história. Soares Franco tenta reequilibrar as contas enquanto se desfaz do pouco que resta do património.
Ao contrário do que é cómodo hoje para generalidade dos Sportinguistas, todas as decisões, mesmo as mais gravosas que contribuíram para o actual estado do clube, não foram tomadas apenas pelos presidentes e demais acompanhantes nos órgãos sociais. Todas elas mereceram largas taxas de aprovação pelos sócios o que faz de nós todos co-responsáveis, seja por acção ou omissão. Um célebre revolucionário dizia que "ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição genética". O mesmo se pode dizer relativamente aos anos do agora chamado "roquetismo": quem não o foi então não era bom sportinguista, era então terrorista como agora é croquetista, lambuças, sportinguense, etc, quem ousa discordar de Bruno de Carvalho. Ora se estamos aqui é precisamente pela ausência de atenção e critica e parece que há muita gente capaz de repetir o mesmo erro.
Poucos foram os que então se atreveram a constestar o caminho seguido. Mas houve
quem o fizesse em devido tempo. Não posso deixar de referir Abrantes
Mendes, com quem não concordei sempre mas tenho que lhe reconhecer coerência. Contestou o despesismo, as clientelas, o alienar do património, a deriva comercial contra o associativismo, etc. Por isso além do inalienável direito à opinião tem a autoridade conferida pelo seu passado. Não me lembro de nenhum dos elementos dos actuais corpos sociais, incluindo o presidente, alguma vez ter levantado a voz antes do actual estado do clube ser uma evidência aos olhos de todos.
Bruno de Carvalho não lida bem com a critica, já todos o percebemos. Por certo já não se lembra do tempo em que as fazia quase diariamente, o que é pena. O seu discurso recente em Alenquer foi triste pela contradição em que caiu, porque não se pode reconhecer um Sporting perdedor, como deu a entender, e reclamar-se como "a maior potência desportiva nacional". Não menos infeliz é forma como criticou Pires de Lima, ao invocar um
discurso fracturante, como são as questões político-partidárias. E preocupante por transparecer um homem acossado, quando, não há razões objectivas para tal. Apesar de alguma critica injusta, muita dela tem sido sido promovida pelo seu discurso, algumas vezes contraditório.
Por exemplo, o presidente do Sporting não pode dizer que não sabe qual vai ser o orçamento numa semana e na semana seguinte dizer que não faltam recursos para pagar ao treinador mais caro do país e montar a equipa que aquele deseja. Por explicar ficam também a travagem a fundo na austeridade, num ano em que nem dinheiro havia para as deslocações de vésperas da equipa B, para proclamar uma inversão de marcha numa estratégia amplamente sufragada e tantas vezes elogiada. E o que representa a súbita conversão de Ricciardi de grande satã em aliado estratégico sobretudo na percentagem da SAD detida pelo clube. Os Sportinguistas lembram-se que estão a pagar ainda súbitas inflexões de estratégia semelhantes.
Convém que Bruno de Carvalho se lembre que o Sporting sempre foi assim e que se ambição dele é a unanimidade e o silêncio este é o clube errado. O actual momento deveria constituir também uma boa oportunidade para reflectir sobre o que tem sido feito no sentido de pacificar o clube. Talvez não seja essa uma prioridade e, se assim for, a última coisa que poderá fazer é queixar-se das consequências.