Ganhar pode ser um hábito? E quanto vale o amor à camisola?
Imaginem que o Ruesga não usava com precisão - e muita raiva, e muita classe! - aquela arma de destruição maciça que deu em golo ou que o Cudic não imitava uma parede naquele lance final. Enfim, imaginem que tudo voltava a correr mal, como já havia sucedido anteriormente, várias vezes. Se tal sucedesse eu não estaria a escrever agora este post, mas sobretudo não teríamos escrito mais uma maravilhosa história para contar.
Antes que pensem que vou efectuar um exercício de masoquismo desenganem-se. Este primeiro paragrafo serve apenas para colocar a questão: mereceria menos do nosso apreço e consideração se, por um qualquer acaso em que o desporto é fértil (um ressalto, uma mão a desviar o caminho da bola) não tivéssemos sido bem sucedido e não tivéssemos reconquistado o título ao fim de 16 anos, apesar de todo esforço e dedicação postos em cada lance? Talvez não conseguíssemos encontrar disposição e energia para o fazer, mas seguramente que o mereceriam. Foram bravos, lutaram e, apesar do espectro da desilusão, puseram todo o coração quando a ansiedade toldou a razão.
Sobreviver aos minutos finais era imperativo, já se adivinhava que iriam ser difíceis. Quanto pesam afinal 16 anos sem ganhar, ficando tantas vezes no limiar do sucesso? Que valor acrescentado tem em termos colectivos e individuais o hábito de ganhar, a familiaridade com os títulos? Quantas vezes tremem as mãos ou os pés, quantas se desconfia da sorte e de si próprio quando os momentos decisivos se aproximam? Apesar da subjectividade do tema não permitir quantificações é quase inevitável pelo menos questionarmo-nos. Por isso foi tão importante esta vitória, foi quebrada uma importante barreira psicológica que habitualmente se colocava entre nós e o sucesso em alturas decisivas.
Ora o que esta vitória ajudou a revelar foi que ela se ficou a dever em grande parte a uma estrutura semi-amadora, desde o treinador, a alguns dos responsáveis administrativos, convivendo lado a lado com profissionais bem pagos. Algo que talvez julgássemos não existir a este nível. Pessoas que inventam forças e tempo para se desdobrar em pais, maridos, profissionais convencionais e simultaneamente de alta competição. Como se consegue? Seguramente, até pelo que pudemos observar nas declarações do post-jogo, porque para eles o Sporting é mais do que uma profissão, é uma paixão, são como nós, são uns de nós.
Talvez as estruturas mais profissionalizadas, como por exemplo o futebol, devam ter mais gente assim. Obviamente habilitados pela formação específica de alto nível indispensável, mas qualificados também pelo sentimento, pelo coração. É que quando tudo parece faltar é aí, no amor inexplicável e incondicional que temos pelo clube que damos o que é preciso e que mais ninguém poderá dar.