As afirmações de Jorge Jesus no pós-clássico, visando muito em particular Palhinha, acabariam por assumir um peso quase idêntico ou até talvez superior à derrota amarga que acabávamos de averbar. Sendo a derrota penalizadora para nós, pelo que respeita ao que esperar do resto da época, ela acabaria por trazer à actualidade uma notória dissensão entre aquilo que deve ser a política de reforços e constituição do plantel.
Esta divergência não é propriamente uma novidade. A novidade aqui é percebermos que os rumores que se arrastavam à boca pequena pelo menos desde Chaves tomaram agora uma figura real e Pallhinha foi neste episódio um dano colateral. Sem desculpas, as palavras de Jorge Jesus são reprováveis, por mais favorável que seja o ângulo escolhido para as analisar e por mais ou menos óbvias que sejam as manobras de comunicação para conter os danos. É preciso ser muito ingénuo para pensar que o recurso consecutivo dos jogadores às redes sociais foi espontâneo. Espontâneas foram as reacções iniciais, dando conta do que sentiram.
O que nos é dado agora assistir é uma luta de egos e poder que se irá desenvolver até ao final da janela de mercado do próximo verão, o que acentua o carácter ainda mais condenável das afirmações, por se servir de um miúdo de vinte um anos como munição. Do seu resultado se fará uma história de sucesso ou repetido fiasco.
O essencial nesta questão é a confiança. Depois do sucedido esta época, Bruno de Carvalho sabe que não pode arriscar um novo Titanic e não pode voltar a passar cheques em branco. Jorge Jesus sabe que é má a sua imagem na fotografia desta época e que, mais do que negociar, vai ter que admitir interferências nas suas escolhas. Como já teve que admitir ficar de mão estendida quanto ao pedido de recomposição do plantel no mercado de inverno.
Não se deveria estranhar por isso as declarações de Jorge Jesus nem muito menos o alinhamento inicial no Dragão. Se não foi intencional pelo menos pareceu deliberada a vontade do treinador em deixar claro o que pensa. É que se para a titularidade de Palhinha não tinha muitas escolhas, a utilização de Matheus, um jogador de quem muito se espera e tantas vezes convocado pelos adeptos parece ter sido um claro "estão ver?".
Jesus parece ter mais certezas que dúvidas nesta "aposta na formação" como caminho para chegar ao titulo no prazo que lhe é exigido desde que o contrataram: "para ontem, se não puder ser para anteontem". E também não confia na capacidade de prospecção e recrutamento, depois dos desaires de Cervi e Mitroglu, ou o flop Meli ou mesmo Castaignos ou Spalvis, em quem não tem confiança.
A verdade é que pelo seu próprio histórico ambos têm a sua quota parte de razão. Se Bruno de Carvalho tem razões para temer os erros de avaliação de Jorge Jesus, este não tem menos razões de desconfiar também pelo histórico e porque sabe que plantel encontrou à sua chegada. Mas também porque facilmente percebeu que esta retoma na formação tem muito mais de gestão política e económico-financeira do que de convicção. Porque se esta existisse não teria sido esquecida na gaveta no inicio da temporada para agora ser recuperada de emergência.
O passado de JJ no que diz respeito à formação fala por ele, embora dela se valha para se justificar quando afirma, ao jeito de uma no cravo outra na ferradura "jogámos com seis da formação, 10 nos 20 convocados. Isto paga-se. Como o
caso do Palhinha. Estamos a dar um passo atrás para dar dois à frente". Mas aqui ele não deixa de ter alguma razão: tem de haver equilíbrio nessa aposta, com o devido enquadramento, que potencie o valor dos "miúdos" e não o invés, que os exponha. Porque sabemos que na fase inicial das suas carreiras os jogadores são mais propensos a falhar e tal tende a acontecer quando a pressão dos resultados, dos cenários e dos adversários aumentam.
Para terminar observações telegráficas sobre Palhinha, o seu regresso e a sua participação no jogo:
- A gestão do percurso de Palhinha teria sido mais proveitosa para ele e para o clube se a sua incorporação tivesse acontecido no inicio de época. Hoje a sua identificação com as ideias da equipa e do treinador seria outra.
- Mais uma vez foi por falha das apostas feitas no exterior (Paulista e Petrovic), em detrimento dos jogadores da formação, que estes acabaram por assumir responsabilidades que eram de outros em primeiro lugar.
- O erro de Palhinha ainda assim é enorme pelo peso que tem no jogo, que ainda não tinha caído para nenhum dos lados. Erro potenciado pela presença inédita de Soares, novidade que por isso criou algum desconforto e demorou a ajustar.
- Embora o seu empréstimo tenha sido proveitoso, o que lhe vai ser agora exigido por Jesus é muito mais exigente e complexo do que o "recupera e entrega" que geralmente tem de fazer noutros contextos.
- O decurso do jogo demonstrou Palhinha não William. É notória a diferença de características entre ambos, e o que cada um pode dar ao nosso jogo. Tal não quer dizer que Palhinha e William não possam coexistir no Sporting ou até mesmo na mesma equipa.
Jesus forever?
Não se infira do que aqui é dito que descreio das qualidades de JJ como treinador. Basta ver o que eram as nossas idas ao Dragão nos tempos que o antecederam e o que sofremos às mãos dele quando ele estava do outro lado da estrada. Se ele é o treinador ideal para o Sporting? Parece que a resposta está sobretudo do seu lado, uma vez que se não acredita no que tem à sua disposição e no plano do clube a sua permanência é um erro e uma perda de tempo.
Do lado de Bruno de Carvalho ouviu-se novamente o seu apoio incondicional, uma renovação de um "forever" já por nós conhecido em anteriores episódios da nossa história recentes. Mas isso é outra conversa para vários outros posts...
Excelente análise, até porque não escamoteou a enormidade e o carácter decisivo dos erros do Palhinha (o segundo a meias com o Hugo Miguel, tipo a asneira a meias entre o Stojkovic e o Pedro Proença, no mesmo estádio). São coisas que acontecem, e que acontecem muito mais a quem está a aprender (lembro-me de um par delas do grande Ricardo Carvalho) e não há que fingir que não existiram, ou ir procurar "culpados" mais convenientes, mas menos decisivos (Marvin está mesmo ali à mão, ou Semedo, ou Hugo Miguel). Mas teria sido muito mais proveitoso que o Palhinha tivesses estado a aprender desde Agosto, e não agora, e certamente muito mais proveitoso do que estar a pagar aos três pesos-mortos que contratámos para a sua posição. PS: como o que interessa é que o "O JJ não gosta da formação", não vi ninguém ponderar a tentação que foi, no início da época, aproveitar as novas regras sobre emprestados, que permitem colocar em clubes "difíceis de bater" (Setúbal, Belém, Boavista, Moreira, Rio Ave), reforçando-os contra os rivais e desfalcando-os contra nós. Mais uma coisa que, no papel, parecia fazer sentido (e na Taça da Liga até fez) e que, dado o fracasso quase total das contratações, acabou por não fazer. SL! JPT
ResponderEliminarExcelente abordagem. Vejo-me aflito para descobrir e ler coisas efectivamente interessantes sobre meu clube... Por favor, não percam a vossa clarividencia, discernimento e independencia, nesta fase demasiado irracional e instrumentalizada. Totalmente identificado!
ResponderEliminarExcelente.
EliminarJesus é isto e foi sempre isto. E o biscateiro nunca lhe ficou nada atrás. E até só se estragava uma casa não estivéssemos nós a falar do SCP. Infelizmente foi preciso chegar ao fim da linha. E o único dado novo é a forma despudorada como Jesus ficou agarrado aos Milhões. Tiram-lhe o "projecto" de baixo dos pés, vão pescá-lo ao flash-interview e ainda o põem a recitar aqueles versos – duas ou três vezes por dia - passo para trás/passo para a frente. E quatro anos volvidos. Já só falta ver os dois a dançar. Com o Saraiva com um olho no violino e outro no instagram.
ResponderEliminarDizem as boas normas da liderança que se deve elogiar em público e criticar em privado, mas já sabemos que JJ não se rege pelo que vem nos livros. Goste-se ou não ele diz o que pensa, ou se calhar, diz primeiro e pensa depois...
ResponderEliminarAcho que mais importante do que a falta de tacto nas palavras é a forma como demonstra a confiança no jogador nos desafios seguintes, porque no passado quando criticou o Semedo após as expulsões, manteve a confiança e aposta no jogador e essas palavras passaram a ser um não-assunto.
Desta vez o mais provável é que o Palhinha saia da equipa para regressar o William, mas caso este continuasse indisponível quero acreditar que ele manteria a confiança no Palhinha.
O Palhinha ainda tem que nascer 10 vezes. Ou então que ponha os olhos no Casillas.
ResponderEliminarO que vale é que já saiu o standart que ainda vamos ser muito felizes todos juntos.
Obviamente que as palavras que Jesus dirigiu a palhinha no final do jogo de sábado são absolutamente reprováveis e imperdoáveis. Mas lá está, é apenas mais um pormenor de Jesus que já tinha feito no SLB. Julgo que é claro para todos que Jesus está com enormes dificuldades em "engolir" a aposta nos jogadores saídos da formação. Está com enormes dificuldades em aceitar jogadores que há poucos meses atrás não quis, acabando por emprestá-los. Agora fica fácil de perceber porque o Benfica não quis ficar com Jesus, porque ou se aposta na formação ou se tem o Jesus como treinador. As duas coisas pura e simplesmente não são possíveis. Se ele é o treinador ideal para o Sporting? Bem, acho que este ano e meio (e a ausência de títulos nesse período) respondem a essa questão...
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