Dérby mostra um Sporting que promete e um que desaparece
Os primeiros vinte e cinco minutos do Sporting no dérbi foram uma promessa que o resto do encontro deixou irremediavelmente por cumprir. O início fulgurante, construído sobre uma pressão alta coordenada, linhas compactas e uma agressividade inteligente sobre o portador da bola, permitiu aos leões asfixiar o adversário e, por momentos, transformar o Estádio da Luz num espaço silencioso. O Benfica parecia atordoado, incapaz de ligar três passes consecutivos, enquanto o Sporting recuperava bolas em zonas adiantadas, criava desequilíbrios constantes nos corredores laterais e impunha um ritmo que só uma equipa muito confiante e bem preparada consegue imprimir num dérbi.
A verdade, porém, é que esse Sporting autoritário e demolidor marcou apenas um golo — insuficiente para capitalizar tamanha superioridade — e desapareceu para parte incerta após sofrer o empate. O golo sofrido, tal como o que colocara os leões em vantagem, nasce de um erro individual evitável, expondo uma vulnerabilidade que vem sendo recorrente sempre que a equipa é obrigada a reagir à adversidade. O que terá acontecido dentro daquela meia hora para assistirmos a duas versões tão contrastantes do Sporting, e numa transição tão abrupta, é a pergunta de um milhão de dólares. E é precisamente em torno dessa dualidade que importa centrar a análise.
Para compreender a queda de rendimento, convém começar por relativizar a exuberância inicial. Aquele Sporting demolidor não se tem revelado uma constante, e o adversário, apesar de todos os seus defeitos exibicionais ao longo da época, não é o equivalente contemporâneo do velho Salgueiros que, nos anos 90, por vezes assustava os grandes. Houve momentos em que a fragilidade encarnada fez parecer que estávamos perante algo desse género, mas a verdade é que não estávamos.
Rui Borges tentou, dentro do possível, reequilibrar a equipa quando percebeu que o ímpeto inicial estava a dissipar-se. Mas Quenda esteve particularmente infeliz: falhou receções simples, quebrou a fluidez do jogo, tomou más decisões no momento do passe e acabou por se tornar um corpo estranho dentro da dinâmica da equipa. Simões, por sua vez, ficou completamente abafado no meio do trio ultradefensivo que o Benfica montou no corredor central. Sem conseguir receber entre linhas, raramente tocou na bola em zonas de criação. Já as entradas de Ioannidis e Alisson, demasiado tardias, tinham sempre poucas probabilidades de alterar o rumo dos acontecimentos — seria preciso um daqueles acasos milagreiro que a bola tantas vezes recusa conceder.
Este novo empate — e o facto de estar prestes a completar um ano sem vencer qualquer um dos principais rivais — reacendeu o debate sobre Rui Borges. As opiniões dividem-se de forma vincada. Há quem sublinhe, com inteira justiça, que estamos a falar do treinador responsável pelo bicampeonato e pela tão celebrada dobradinha, alguém que não só estabilizou o clube como lhe devolveu identidade competitiva. E nunca é demais recordar que foi precisamente contra este rival que Rui Borges venceu no jogo da sua estreia, num desafio que, na altura, parecia prenunciar um ciclo de afirmação incontestável.
Por outro lado, existe a sensação — alimentada por dérbis e clássicos recentes — de que a equipa revela demasiado cedo um certo conformismo competitivo. Não se pode afirmar que tenha sido o treinador a "mandar baixar linhas" ou a instruir a equipa a contentar-se com o empate; isso seria simplificar demasiado. Mas também não se pode ignorar que este padrão deixou de ser episódico. Repetiu-se, consolidou-se e tornou-se parte da narrativa que envolve cada grande jogo do Sporting. E quando a repetição é frequente, o foco sobre o treinador deixa de ser uma escolha: passa a ser inevitável.
Importa ainda situar o empate dentro do contexto estratégico da época. Em teoria, empatar na casa de um concorrente direto nunca pode ser considerado um desastre. Há equipas campeãs que construíram títulos com base em empates fora e vitórias regulares em casa. Mas esta situação é diferente. No ano passado, o empate na Luz serviu para garantir o título; este ano, fruto dos pontos desperdiçados em Alvalade, o resultado apenas permitiu ao FCP consolidar-se no primeiro lugar. E se os portistas cumprirem o esperado frente ao Tondela, o Sporting poderá ver-se numa situação desconfortável: antes de sequer chegar ao meio da temporada, deixará de depender apenas de si para alcançar o ambicionado tricampeonato.
E isto torna-se ainda mais frustrante quando se avalia o adversário do dérbi. O Benfica tem um plantel cheio de talento individual, é verdade, mas tem estado muito longe do que se espera de um candidato ao título. Essa discrepância entre o potencial e o rendimento encarnado torna ainda mais difícil de aceitar que o Sporting não tenha conseguido transformar o excelente início num triunfo que poderia ter alterado por completo a narrativa da Liga.
Os próximos compromissos — incluindo a participação na final four da Taça da Liga — podem ajudar a perceber se estamos perante um problema conjuntural ou estrutural. Será que a equipa tem realmente capacidade para se impor contra rivais diretos nos momentos decisivos? Veremos que respostas nos serão dadas nos próximos jogos. E muitas delas poderão determinar o rumo não só da presente temporada, mas do próprio legado do treinador no Sporting.

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