"Eram dez e qualquer coisa da noite, o Sporting tinha ganho ao Paços e ninguém estava preparado para o que se seguiu. Bruno de Carvalho (BdC) entrou, sem avisar e a coxear, na sala de conferências pouco depois do jogo e de Jorge Jesus ter dado a flash interview a defender os jogadores. Este não é um detalhe. O presidente ajeitou o microfone e perguntou se estava ali alguém da comunicação do clube, mas nem Nuno Saraiva nem José Ribeiro estavam lá. A agenda não tinha marcações, e os dois responsáveis não esperavam uma conferência presidencial, muito menos uma conferência presidencial assim.
Então, BdC disse aos adeptos para “insultarem a família deles”, por não tolerar “faltas de respeito”; não admitiu demitir-se em consequência da semana inusitadamente conflituosa, mesmo para os atuais padrões leoninos; e esclareceu que os atletas estavam com um processo disciplinar e não suspensos, como tinha dado a entender no post em que lhes chamou “meninos mimados”. No ar ficou também um reparo a Jorge Jesus, que entrou em Alvalade após anos no Benfica: “Não representarei mais ninguém a não ser o Sporting.”
Horas mais tarde, BdC fez chegar um recado a Jorge Jesus, dizendo que se sentia atraiçoado por este o ter “morto” na flash e na conferência de imprensa. Jesus, por sua vez, fez saber-lhe que não era bem assim, que defendera o Sporting e, por extensão, o presidente. Mas o mal estava feito: naquele instante, o treinador passou a desconfiar irremediavelmente do presidente. E ainda que, agora, BdC diga nos bastidores que Jorge Jesus fez bem o trabalho dele, do outro lado está um treinador que já não sente condições para continuar com BdC. Porque o histórico leva-o a crer que o momento em que este presidente se sente enganado é aquele em que as relações profissionais rasgam as pessoais — e acabam. Numa outra volta inesperada da vida — e a dele já deu as suas —, Jesus acha que lhe pode acontecer o mesmo que a Marco Silva, treinador dispensado de Alvalade no final de um conflito insanável com BdC. E também alguns futebolistas passaram a acreditar que o mesmo lhes acontecerá após a colisão, num contexto de insuportável tensão entre empregados e patrão.
É que no sábado, véspera do Sporting-Paços de Ferreira e um dia depois da rábula dos posts, dos comunicados e das ameaças de greve ao treino, os jogadores, Jorge Jesus e equipa técnica, Jaime Marta Soares (presidente da AG), Bruno de Carvalho e André Geraldes (team manager) olharam-se nos olhos... e não correu bem. “Vocês são mercenários, prima donne, não merecem vestir esta camisola.” Entre insultos, BdC despejou expressões antes ouvidas pelos atletas e que estruturam o seu pensamento: os futebolistas vivem numa bolha milionária e perderam o contacto com a realidade. Rui Patrício, William Carvalho, Bas Dost e Fábio Coentrão já tinham sinalizado a vontade de sair de Alvalade ao assumirem a liderança no manifesto coletivo anti-BdC no Instagram; a reunião descontrolada com o presidente, acham, legitimou as suas posições junto dos colegas e dos adeptos. E dos sportinguistas influentes.
De todos, Jaime Marta Soares era um dos últimos de quem Bruno de Carvalho esperava uma “traição”. Os dois estiveram juntos no domingo, noite do Sporting-Paços de Ferreira, e falaram sobre a gravidez da mulher do presidente do Sporting, que daria à luz na segunda-feira. Só que, na manhã seguinte, Jaime Marta Soares deu uma entrevista à TSF a defender a saída de BdC: “Estão esgotadas as hipóteses de manutenção da atual presidência.”
Não demorou muito até BdC disparar contra Marta Soares no Facebook: “O presidente da AG é um traidor.” Outras vozes próximas de BdC juntaram-se a Marta Soares nas críticas: Dias Ferreira, um suposto apoiante do presidente, disse à Lusa que gostava de o ver sair pelo próprio pé; a Holdimo, empresa de Álvaro Sobrinho, principal acionista individual da SAD [ver peça ao lado], pediu uma AG para “debater e resolver os problemas internos”; José Maria Ricciardi, banqueiro que teve um papel importante na primeira eleição de BdC, garantiu ao “Record”, na quarta-feira, que se demitia do Conselho Leonino (CL) e que lhe “retirava o apoio”. Num instante, quatro apoiantes passavam a ex-apoiantes, alimentando a perceção de que o exilado BdC iria cair com estrondo. Nesta altura, mas apenas nesta altura, Jaime Marta Soares sentia-se confortável na posição de pioneiro da revolução. O tempo iria mostrar-lhe o quão depressa as coisas se transformam.
Seguiram-se os óbvios ‘antibrunistas’, saídos da sombra para se posicionarem no terreno a preparar uma sucessão que julgavam possível no imediato, dada a “fragilidade do presidente”. Os ex-dirigentes Paulo Abreu, Vítor Ferreira e Torres Pereira deram entrevistas a condenar o líder leonino, chegando este último a afirmar ao “Público” que “toda a gente sabe que Bruno de Carvalho está muito doente”. Não era a primeira vez se falava publicamente da saúde de BdC. Um dia antes, o médico Eduardo Barroso avançara à SIC Notícias que o presidente estava “em burnout”, aconselhando-o a tirar uma licença de paternidade para descansar; outros amigos íntimos falam ao Expresso em “stresse brutal, uma hérnia e uma gravidez complicada da mulher”. E foram estes amigos que convenceram BdC a deixar de vez o Facebook — algo que a estrutura do Sporting considera ser “definitivo” — e também a levantar os processos disciplinares aos jogadores, em nome da coesão interna. E para agradar aos homens das finanças, que poderiam estar a cavalgar o contexto. E, quando BdC disse ‘sim’ a tudo, tudo mudou. Ou, melhor, parece que tudo mudou.
O enredo adensa-se
No Expresso Diário desta sexta-feira, Dias Ferreira escreveu um artigo a criticar os críticos de Bruno de Carvalho: “É o que vimos assistindo diariamente na comunicação social, com a colaboração de associados do Sporting — uns ávidos de um poder que já foi deles; outros ressabiados de não passarem de resíduos.” Dias Ferreira, antigo dirigente que chegou a afirmar no início da semana que podia ser candidato, pede apenas contenção verbal a BdC: “O silêncio das palavras dá ênfase à obra feita.” Ao Expresso, José Maria Ricciardi é comedido e garante não fazer “sentido falar em candidatos quando não há processos eleitorais em curso, e o que é preciso agora é calma para o Sporting”.
Neste governo-sombra remoto, a estratégia é simples: estabilidade política até final da época. Porque é possível ao Sporting ser campeão ou chegar à Liga dos Campeões e à final da Taça de Portugal. Porque há muito dinheiro em jogo e um plantel que não deve ser desvalorizado. E porque ninguém quer vestir a pele do abutre; sobretudo o mais presidenciável dos nomes não quer ser visto como um. Rogério Alves, advogado que defende Álvaro Sobrinho em alguns processos, só irá a votos se a vitória for certa e gorda — e é impossível garantir uma contra BdC neste momento.
Ainda assim, e por mais que estes homens queriam manter o statu quo e as aparências enquanto a bola rola, as divergências são reais: José Moniz Pereira, Francisco Calheiros, Francisco Soares dos Santos, António Pedro Carmona demitiram-se do CL, o órgão consultivo do qual Ricciardi também saiu. Não que BdC se importe muito com isso, porque quase que despreza o CL, por este não lhe dar o resguardo que entende merecer. A BdC interessa fazer-se de morto até ao seu regresso, renovado, menos beligerante, sem Facebook e com o apoio maciço dos adeptos novamente. A estrutura que lhe é fiel no Sporting e os amigos confiam que a mudança de estilo funcionará, porque os insultos de Alvalade estão “circunscritos no tempo”, não são um problema. Mas os problemas com Jesus são outra coisa, e não é o tempo que os resolverá. E isto é um cisma.
Perante tudo, eu só tenho a dizer: Taça, Taça, Taça. Ou a Taça ou nada. Ou Taça ou vá tudo para o raio que os parta e rua todos! Ou Taça ou nada! Não me cansarei de o repetir!
ResponderEliminarQue tem a taça a ver com isto? Se ao contrário de ratos e gazelas ele(s) fossem dirigentes valiosos, "rua todos" em virtude do resultado da eliminatória com o FCP?
EliminarGiro o artigo, é tipo aquele livro do José Rodrigues dos Santos, mistura ficção com crença e alguns factos pelo meio
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