É médico, tem 38 anos e propõe-se lutar nas urnas contra Bruno de
Carvalho. Lança-lhe um repto, ao pedir que se demita e se recandidate,
pois o Sporting não aguenta por muito mais tempo o clima de guerra
civil.
RECORD: Já se passaram algumas semanas desde
que anunciou que tencionava candidatar-se à presidência do Sporting. O
que tem feito desde essa altura?
FREDERICO VARANDAS – É
importante historiar aquilo que se passou desde esse momento. Fiz duas
comunicações numa só a 24 de maio. Pedi a demissão e assumi-me para
liderar um processo de candidatura numa possível eleição. Fiz o ‘dois em
um’ porque o Sporting estava completamente partido. Pedi que fosse dada
voz aos sócios, mas era necessário existir um rosto. Ninguém iria
promover uma destituição sem que houvesse uma alternativa. Por mais
desgastadas que estivessem, as pessoas perguntariam sempre: ‘OK,
destituir para quem, para quê?’. Tomei então a decisão de me demitir e
ser candidato se houvesse eleições. Já me encontrava preocupado a 24 de
maio, mas agora, a 5 de junho, ainda estou mais, pois o problema do
Sporting atingiu outro patamar. Os sportinguistas não podem ficar
indiferentes ao que se está a passar no clube. O Sporting foi alvo do
maior golpe de Estado democrático! A partir do momento em que houve a
demissão de órgãos sociais e se assistiu à substituição dos mesmos por
outros… atingiu-se o coração do Sporting. É urgente repor a legalidade e
a democracia no Sporting, devolver o poder aos sócios. Os
sportinguistas têm de perceber que perderam o poder. Os sportinguistas
votaram, mas esse voto vale zero se tudo isto continuar. Os órgãos
sociais eleitos pelos sportinguistas foram destituídos de um momento
para o outro sem fundamento estatutário. Isto é uma loucura, é
perfeitamente surreal.
R: Pode falar-se na existência de uma ditadura?
FV
– Quando o regime democrático é posto em causa… sim! É disso que
estamos a falar. Se há uma semana pedia a Bruno de Carvalho para
convocar uma assembleia geral e ouvir os sócios, hoje em dia o meu
pedido é diferente. Peço-lhe que se demita, convoque eleições e se
recandidate.
R: Ele não parece ter essa intenção. De que maneira se desata o nó?
FV
– Espero que esta entrevista sirva de ajuda a Bruno de Carvalho. Que
ele tenha um mínimo de coragem, peça a demissão e se recandidate. Vou
dizer-lhes porquê. Está a haver imensos movimentos – providências
cautelares, processos judiciais, possíveis suspensões –, mas esse não é o
caminho. Isso não vai unir o Sporting, apenas acentua ainda mais as
feridas já existentes. O futuro presidente do Sporting tem de estar
altamente legitimado e só há uma maneira de o legitimar… ouvindo os
sócios! Bruno de Carvalho diz que está legitimado por ter tido 90 e tal
por cento numa AG onde supostamente estiveram 6 mil pessoas. OK! Se tem
90 e tal por cento, então tem medo de quê? Venha a jogo! Só isso lhe
dará legitimidade e paz. Um líder que tem medo de ouvir o povo é um
líder fraco e sem força moral, está condenado à nascença.
R: Crê que pode ser mais forte num frente a frente com BdC?
FV
– Se houver eleições sou candidato, isso que fique claro. Estou em
condições de me colocar em jogo para esclarecer o Sporting. Vou a jogo
contra Bruno de Carvalho. Mas esse é, por agora, um cenário hipotético.
Não quero é que haja guerras entre órgãos sociais, disputas nos
tribunais. Então estamos a pedir ao exterior [aos tribunais] que decida
como é que o clube se deve governar? Não! O Sporting tem de saber
governar-se internamente. É preciso dar um murro na mesa e legitimar o
futuro presidente do Sporting. A forma inequívoca de o fazer é realizar
eleições.
R: Vê algum motivo para que ele não se demita?
FV – Não vejo que alguém que goste do Sporting não faça aquilo que estou a pedir.
R: Ele teme perder o poder?
FV
– Não sei, pois não estou dentro da cabeça dele. Sei é que não vejo um
motivo para que alguém que diz gostar tanto do Sporting o esteja a
sujeitar a isto.
R: Qual é a melhor data para se realizar o sufrágio?
FV – Ontem... já era tarde!
R: Bruno de Carvalho critica o ‘timing’ da sua saída. Tem razão?
FV
– A partir do momento em que Bruno de Carvalho começa a desviar-se dos
valores do clube, o meu primeiro dever de lealdade é com o Sporting, não
é com o presidente. Nunca um presidente estará acima de um clube.
R: Disse-lhe isso?
FV – Ele percebeu pela minha cara...
R: Quando notou que o ‘desvio’ era insanável?
FV
– Foi neste último ano, sendo resultado de várias situações. Culminou
com o clube completamente partido e em guerra civil. O Sporting nunca
esteve tão dividido como hoje. Passámos agora para outro patamar, que é o
da violação dos estatutos do Sporting, do nosso código genético, do
garante da nossa soberania enquanto clube democrático.
R: A comissão transitória está a usurpar os poderes?
FV
– Os estatutos são claros. Se existem órgãos eleitos pelos sócios,
esses mesmos órgãos não podem ser demitidos e substituídos pelo
presidente do Conselho Diretivo. A separação de poderes foi violada, o
sócio do Sporting perdeu o seu poder.
R: Planeia comparecer nas AG previstas para os dias 21 e 23?
FV
– Espero que Bruno de Carvalho tenha o mínimo de coragem, peça a
demissão e se recandidate. Espero não ser necessária nenhuma AG. Se nada
suceder só reconheço a marcação de uma AG, a do dia 23.
R: Porque não foi anteontem à manifestação?
FV
– Não fui e... não gostei de ler um ‘post’ do diretor de comunicação,
no qual brincava e gozava com os sócios que lá estavam. É esta cultura
que tem de acabar, não há sportinguistas de primeira e de segunda. Eu,
por exemplo, respeito os sócios que defendem a continuidade de Bruno de
Carvalho. Peço que se dê um banho democrático ao Sporting, que se
realizem eleições. O futuro presidente do Sporting tem de ter o engenho,
a competência e a comunicação para unir o Sporting. Só o verdadeiro
amor ao clube conseguirá unir, curar e regenerar o Sporting. Bruno de
Carvalho não tem competência para o fazer, pois é incapaz de unir.
R: BdC é hoje um homem diferente em relação ao que era em 2013?
FV
– Esse Bruno de Carvalho seria o primeiro a pedir a sua própria
demissão. Peço, por isso, ao adepto e associado Bruno que convença o
presidente Bruno a promover eleições. Creio que o Bruno presidente terá a
coragem de fazer aquilo que é impreterível fazer.
R:
BdC diz ter "mais honra militar do que alguns que hoje afirmam ser
militares", argumentando que "nunca se deixam os colegas no combate".
Como reagiu?
FV – Simplesmente ri-me. Quem diz ‘colegas’... está tudo dito! ‘Colega’ é uma palavra que não existe na tropa.
R:
Bruno de Carvalho foi assistido à zona lombar na receção ao Paços,
tendo surgido uma fotografia dele no balneário. Foi você que a tirou?
FV
– Ele sabe que não fui eu. Não sei quem a tirou, mas sei quem não foi.
Não foi ninguém do departamento médico e ele sabe disso.
«Não recebemos lições de ninguém no corpo médico»
R: A sua demissão deixou vaga em aberto na direção clínica do Sporting. Na sua equipa, quem será o seu ‘Varandas’?
FV
– Se for presidente, já tenho o departamento médico completamente
fechado. E garanto que mantém a qualidade. O diretor, se calhar, até é
melhor do que eu [risos]. Está definido.
R: Na sequência da sua saída, os restantes médicos também rescindiram contrato com o clube, num ato solidário.
FV
- Outra coisa de que fui acusado: o médico demitiu-se e ficou tudo
órfão. Não exigi nenhuma demissão em bloco. Tive uma reunião com todos
os médicos, expliquei o que fiz. Ficaram surpreendidos. Cada um tomava a
decisão que entendesse, mas até 30 de junho os serviços médicos teriam
de ser garantidos. E estão a ser. O despedimento de todos os
fisioterapeutas, isso sim, surpreendeu-me. Se há coisa onde o Sporting
não recebe lições de nenhum clube, é na estrutura médica. Retaliação?
Não sei. Sei que foi mais um tiro no pé, um de muitos.
«Que Marta Soares saiba defender o clube»
R: Tem alguma crítica a fazer ao presidente da MAG [Jaime Marta Soares]?
FV
– Não quero ter nada a ver com a MAG, que tem de fazer o seu papel. É
importante compreender que Bruno de Carvalho é o presidente do Conselho
Diretivo e Jaime Marta Soares é o presidente dos sócios, é a figura
número um do clube. Não fui eu que indigitei Jaime Marta Soares para
presidente da MAG. Foi Bruno de Carvalho, o qual tem de assumir a
responsabilidade. Perguntam-me se a MAG devia ter feito isto ou aquilo?
Não sei nem quero saber! A MAG é um órgão soberano do Sporting, nada
tenho a ver com isso. Espero que Jaime Marta Soares, o presidente dos
sócios, saiba defender o clube da melhor maneira.
R: Acha que o está a fazer?
FV – Espero que sim...
«Sporting está na unidade de cuidados intensivos»
R: Recentemente afirmou que o Sporting "está doente". Acredita que é possível existir cura, tendo em vista a próxima temporada?
FV
– É, sem dúvida. A época não está comprometida. O Sporting é um clube
especial, com muita força. Não são os resultados desportivos que definem
o futuro do Sporting, nunca foram. São 18 anos sem vencer o campeonato,
mas a lutar e a encher estádios. Não vai acontecer, mas se forem 28,
serão. Não podemos é negligenciar e enfiar a cabeça na areia. Hoje, o
Sporting nunca esteve tão dividido. A mudança tem de ser com alguém com
capacidade de unir. E não é o gostar mais do futebol ou do hóquei,
esqueçam isso. É o amor ao Sporting. Quem quiser isso, vai estar comigo.
Não tenho dúvidas nenhumas que o consigo fazer.
R: Não será mais uma época que já está hipotecada à nascença?
FV
- Isso preocupava-me há uma semana. Neste momento, preocupa-me a
sobrevivência do Sporting como o conheci. Falar de futebol, treinador,
preparação, quando está em causa a violação dos estatutos… Quem conhece
futebol sabe que isto terá um preço na próxima época. Mas agora estamos a
discutir coisas muito mais profundas, como a própria existência do
Sporting. Estamos hoje num patamar onde o voto do sócio vale zero. E o
poder do Sporting tem de estar sempre nas mãos dos sócios.
R: Considera então que o Sporting está em estado crítico?
FV
- Está, o Sporting que conhecemos está na Unidade de Cuidados
Intensivos (UCI). E temos de perceber se queremos desligar a máquina ou
tirá-lo de lá. Do que depender de mim, a máquina do Sporting nunca será
desligada. Mas é altura de os sócios perceberem que o Sporting está na
UCI. Ando na rua, em Lisboa, e milhares de pessoas falam comigo. Sei que
a larga maioria das pessoas percebe que o Sporting não está bem. O
apoio que tenho tido tem sido inacreditável, nem eu próprio esperava
isto. Creio que as pessoas acreditam em mim como uma solução, e não como
um problema. Mais do que treinadores ou jogadores, a função do
presidente que chegar tem de ser a de unir o clube. Assim como está,
partido, não ganhamos a ninguém.
R: O facto de não ter um passado ligado à gestão pode ser um argumento usado contra si?
FV
- Em tudo na vida quando lidero, lidero uma equipa. E não lidero uma
equipa de ‘yes men’. Sou forte porque a minha equipa é muito forte,
sempre foi assim! É uma equipa competente, especializada em cada área.
Sei o que sei e sei o que tenho de ouvir. A minha força está na equipa
que vou trazer - se houver eleições. A minha liderança não é
autocrática, sei liderar. Existem determinadas áreas que são a minha
vocação, por exemplo o ‘core’ do Sporting. Sei o que é o clube. Depois,
noutras áreas específicas vou ter um especialista altamente qualificado.
E tudo o que acontecer de mal serei eu o responsável. Lidero em equipa.
R: Essa equipa já está pensada? Existem contactos?
FV
- Está completamente fechada. É uma equipa jovem, profissional e
altamente competente. Não avanço com nomes, pois não estamos num ato
eleitoral.
R: Tem alguém com passado nos órgãos sociais do clube?
FV
- O Conselho Diretivo terá gente nova e competente. Mal fosse que em
170 mil sócios não houvesse pessoas com qualidade. Existe mais Sporting
para além disto...
R: Caso venha a ser presidente, suspenderá as suas funções enquanto médico?
FV
- Completamente. Serei um presidente profissional, 24 sobre 24 horas.
Considero esse o meio mais transparente que existe. Não posso exigir
competência se as equipas não forem profissionais, tal como fez Bruno de
Carvalho. Esse é o modelo mais transparente. Uma pessoa vai para
presidente do Sporting e vive de quê? De onde vem o seu ordenado? Isso é
que eu acho que levanta suspeitas. Para mim há um pilar fundamental no
Sporting: transparência. E saber dignificar o Sporting sem nunca perder a
competitividade. Isso é um pilar básico.
R: Aceita a faceta de presidente-adepto? Planeia sentar-se no banco de suplentes?
FV
- Aceito a faceta de presidente-presidente. O Sporting precisa de um
presidente profissional, uma pessoa com paixão e pulso, mas também com
muita cabeça.
R: É esse o seu estilo?
FV -
Existem vários, cada um tem o seu. Serei o que sempre fui: simples,
transparente e discreto. Sei o meu lugar. O presidente está lá para
servir o Sporting. Existe um espaço que é para os jogadores e um outro
que é do presidente. Confesso que fico preocupado quando vou ao estádio e
vejo tarjas a dizer: ‘Zero ídolos’. Isto é condenar o futuro do
Sporting. Sou sportinguista porque cresci com o ídolo Manuel Fernandes,
com o ídolo Balakov, com o ídolo Luís Figo. Nunca vai haver um miúdo de 6
anos que se torne sócio por causa do presidente. Isso não existe! Um
clube precisa de ídolos. E quem é que eles são? Os atletas! Ídolos no
futebol, no andebol, no hóquei em patins, na ginástica, no atletismo.
R: E onde encaixa aí o presidente?
FV
- Tem a missão de tentar tornar profissionais em ídolos. Não podemos
cultivar o ‘zero ídolos’, isso tem de acabar. Os miúdos gritam e choram
pelo Rui Patrício, pelo Bas Dost, pelo William, pelo Battaglia, pelo
Girão. O clube é isto, só movimenta novos sócios com ídolos.
R: Caso se verifiquem mais rescisões, pode encontrar o clube numa situação de falência técnica. Está preparado para isso?
FV
- O Sporting nunca vai acabar, tem uma dimensão que jamais acaba. Se
tiver de se reerguer, reergue-se, seja de onde for. A massa de sócios
nunca acabará. Agora, depende é do nível do qual vamos ter de nos
reerguer.
«Nunca tive um profissional tão bom como Patrício»
R: O que sentiu ao ler a carta do pedido de rescisão de Rui Patrício?
FV
– Li e vivi aquilo! É o resultado da má gestão do Conselho Diretivo e
de Bruno de Carvalho em relação aos seus profissionais. É o resultado de
inúmeros erros de liderança graves. Não gosto de ver jogadores a fazer
comunicados nem a rescindir. Tenho de defender o Sporting, mas também
preciso de perceber como se chega a este ponto. Onde está o líder? Essa é
uma das razões que me levaram a pedir a demissão.
R: Compreende os motivos invocados para reclamar justa causa?
FV
– Não sou jurista. Há profissionais que estão a tomar atitudes que se
calhar não são as melhores para o Sporting nem para eles. E pergunto:
Porque é que se chegou a este estado? Não posso ter um presidente que
apoia a equipa quando ganhamos e vira adepto quando perdemos. Não é
assim que se lidera.
R: Surpreendeu-lhe a decisão de Rui Patrício?
FV
– Até ao dia em que pedi a demissão nunca tive um profissional tão bom
como Rui Patrício. Durante o tempo em que lá estive, nunca faltou a um
treino por doença, nunca deixou de treinar porque estava maldisposto.
Deu um exemplo a todos os miúdos. Há dois ou três anos fui receber um
prémio na Gala Sporting em que Bruno de Carvalho considerou Rui Patrício
o futebolista do ano. O Rui estava fora e pediu-me para ir receber o
prémio. No discurso disse que ainda fico surpreendido com aquilo que ele
faz. É o número 1 da Seleção, número 1 do Sporting e continua a
treinar-se como se estivesse no 1º ano de sénior. Se tivéssemos mais 6
ou 7 como ele… onde estaria o Sporting!
R: Ainda assim alegou justa causa para rescindir…
FV
– Aí já mete outras variáveis, empresários e advogados… As pessoas
desvalorizam o que aconteceu em Alcochete. Aquilo marca! Os jogadores
acham que nunca mais terão condições para pisar Alcochete e Alvalade.
Aquilo nunca poderia ter acontecido.
R: Houve incúria do clube na fatídica tarde do ataque à Academia?
FV
– Esse é o dia mais negro da história do Sporting. O presidente é o
responsável pela academia, pela segurança da academia, pelo grupo, pelos
seguranças. Por tudo e mais alguma coisa. A responsabilidade é sempre
de quem lidera. A má relação criada entre os profissionais de futebol e a
massa adepta muito contribuiu para aquilo.
R: Quem é o responsável?
FV – O presidente é sempre o responsável!
R: Acha normal uma claque entrar nas instalações do clube para pedir satisfações a quem quer que seja?
FV
– Não. Estive no Sporting que ficou em 7º lugar e não vi aquilo. Já vi
manifestações de desagrado na academia, no parque de estacionamento, no
aeroporto e à saída do estádio, mas nunca tinha visto semelhante coisa.
R: Se for eleito qual será a relação com as claques?
FV
– As claques querem o melhor para o Sporting. Ora, quem quiser o bem do
Sporting estará comigo, quem ama realmente o Sporting estará comigo. Eu
próprio fiz parte da Juventude Leonina quando andava no liceu.
R: Ainda há volta a dar quanto às decisões de Rui Patrício e Podence?
FV – Enquanto sócio estou a fazer o que posso. O Sporting tem de preservar os seus ativos financeiros e desportivos.
R: Mas pode acontecer uma autêntica debandada…
FV – Isso não pode acontecer. Não pode, não pode! Não admito esse cenário. Seria um cataclismo financeiro e desportivo.
«BdC teve bons técnicos mas não soube lidar com eles»
R: Sente-se confortável em ser presidente já com decisões definidas por outrem?
FV
– A realidade neste momento é um diretor desportivo, [Augusto] Inácio.
Quando assinou, ele disse que nunca seria um problema, mas sim uma
solução. Conheço-o, estou descansado. Tudo para além disso neste momento
é absurdo falar. Tenho tudo bem organizado na minha cabeça. Gosto muito
de futebol e tenho identificado o que está mal. Academia, formação,
prospeção de atletas não formados no Sporting...
R: Fala em concreto de quê?
FV
- Não venho do futebol, mas acredito muito no meu ‘know-how’. Há coisas
básicas que se foram perdendo. Não se impõe a um jovem que sinta o
clube, ensina-se o que é. Houve uma perda de identidade do jogador da
Academia. Chegam aos seniores e veem o Sporting quase como entreposto.
Um miúdo tem de beber o futebol. Para mim é claro que os jogadores da
Academia têm de ir ao estádio. Nenhum miúdo tem o desejo de ser do
Sporting se não o vir a jogar. Não é em Alcochete, a 70 quilómetros.
Aprendem o quê? Aprendem ali, a ouvir os sócios, os cânticos. Aí se cria
o bichinho.
R: Falta, portanto, maior aposta nos produtos da Academia?
FV
- É mais grave. Aurélio Pereira, que será para sempre um símbolo e um
senhor sobre o qual me arrepio a falar, já não trabalha no Sporting há
um ano por questões de saúde. Mas não houve essa substituição. Foi falta
de coragem? É preciso perceber que há ciclos. A formação tem de voltar a
ser competitiva.
R: Deixou-se ultrapassar pelo Benfica?
FV - Perdeu muita da qualidade que tinha. Mas vamos mais do que a tempo para a recuperar.
R: Como vê a saída de Jesus?
FV
- Foi mais um grande treinador que Bruno de Carvalho teve a competência
e arrojo de ir buscar, mas com outro tipo de liderança, tinha dado
mais. BdC tem esse condão, de ter escolhido sempre bons treinadores, mas
não soube nunca lidar com eles.
R: Sá Pinto pode ser a solução?
FV - Não vou falar de treinadores… Hoje estou a tratar do coração do Sporting, para bombear forte. Essa é a prioridade.
«Se há algo que está bem feito são as modalidades»
R: Tem acompanhado a operação Cashball, onde está envolvido André Geraldes?
FV
- Há valores que são inegociáveis. A palavra suspeição nunca existiu no
clube. Aguardo com preocupação. Não temos nenhum condenado nem quero
acreditar que seja verdade. Geraldes? Tinha uma relação profissional
próxima, sim.
R: Uma investigação que teve por base as modalidades...
FV
- Se há algo que está bem feito no Sporting, são as modalidades. Quero
lembrar Bruno de Carvalho pelo bom que fez e continuar esse trabalho,
com cabeça. As pessoas acham que só sou próximo dos jogadores de
futebol, mas tratei atletas de todas as modalidades do clube.
«Se houver eleições acredito que ganho»
R: Num cenário de eleições, se não for eleito nem BdC, aceita regressar como médico, caso seja convidado?
FV – Se houver eleições, acredito que ganho.
R: Mas... e se não ganhar?
FV
– Em tudo na vida tive de correr riscos. Neste momento, penso
seriamente o que digo. Indo a eleições, os sportinguistas vão considerar
a hipótese de regenerar o clube.
R: Nunca estará, então, afastado da vida do clube...
FV
- Nunca conseguirei. Já era diretor-clínico do V. Setúbal e ao fim de
semana ia para o meu lugar em Alvalade. Os sportinguistas têm direitos e
deveres. O meu dever é saber cuidar do Sporting. Posso discordar de uma
pessoa, mas se ela está no poder e ganha, quero que ela ganhe. Muitos
preferem que o Sporting perca para terem razão. Farei tudo para ver o
Sporting na frente. E acredito que sou a melhor solução para tal.
R: Teme perder a maioria do capital da SAD?
FV
– No meu Sporting defendo que seremos sempre o detentor da maioria do
capital da SAD, tratando os acionistas com a dignidade que eles merecem.
R: A não concretização do empréstimo obrigacionista compromete as finanças?
FV
- Ouvi o presidente dizer que o plantel inteiro podia rescindir, que
não teria problemas de liquidez. O Sporting atual vive num certo
autismo.
R: Defende a reaproximação institucional com o Benfica?
FV
- Terei relações com todos os clubes que queiram jogar limpo. Se eu
jogo, vou exigir aos meus adversários que também o façam. Estive lá
dentro, na ‘arena’, e vi muitas coisas que comigo não vou deixar que
aconteçam.
Esta é uma entrevista do Jornal Record