Bruno de Carvalho e a argamassa que cola a "dita" "dura"

A contestação a Bruno de Carvalho começou a sério após o crime de Alcochete. É minha convicção que a crise em que mergulhamos teria muito menores proporções se a direcção de Bruno Carvalho tivesse assumido as suas responsabilidades e aceitasse com humildade abrir a possibilidade à pronunciação dos associados.

É minha convicção que a constituição de uma comissão administrativa que assegurasse a transição durante o período eleitoral era a situação que melhor defenderia os interesses do clube. Essa oportunidade perdeu-se certamente porque, ao contrário do que aconteceu nas AG's anteriores, Bruno de Carvalho não sentiu a segurança de ganhar com facilidade.

Não satisfeito decidiu escalar o problema usando de poderes que não lhe estão conferidos. O aborto jurídico de que é autor, a Comissão Transitória da Mesa da Assembleia Geral, é um momento embaraçoso para a história de um clube centenário. Não há vitórias que lavem a desonra de ver o nosso clube vitima de uma reles golpada, digna de um ditador de um qualquer estado pária. A primeira aparição pública da "titular" do cargo, propondo uma nova conjunção da 3.ª pessoa do plural do presente do subjuntivo do verbo dar diz já muito da "qualidade" da nova representante de todos os associados.

Gostaria de ser benevolente com aquele que foi eleito e mereceu a confiança de um número elevado de Sportinguistas e que tem obra feita no clube. Mas foi a excessiva tolerância perante todos os sinais de aviso que nos trouxe aqui. Bruno de Carvalho traiu essa confiança reiteradamente nos últimos meses, alheou-se do interesse comum para se preocupar exclusivamente com a manutenção do seu próprio poder. De factor de união é cada vez mais uma granada que estilhaça o clube. É aí que termina o sentimento de gratidão que lhe poderia ser devido.

O Sporting não é hoje mais respeitado nem sequer temido. Não tem qualquer poder de influência nas decisões dos organismos tutelares. Colecciona inimigos sem fazer um único aliado. Não é melhor tratado pelos média, que entre acusações de parcialidade, em especial aos titulos da Cofina, oferece exclusivos e directos. Não infunde temor ou respeito nos rivais, de quem se tornou o melhor aliado nos momentos que deveriam ser de embaraço. Não é preciso recuar ao que foram os últimos meses, basta ver o que sucedeu agora com o negócio Rui Patricio, cuja birra de última hora tirou mais uma vez o foco que incidia embaraçosamente sobre o SLB. Ao invés de sermos temidos os adversários já nos dispensam o mesmo olhar com que se vê um individuo com uma doença grave de cura duvidosa.

Bruno de Carvalho cometeu vários erros nos últimos meses mas o pior de todos foi encetar uma fuga para frente, recusando a realização da AG destitutiva. Uma contradição com o registo histórico das suas declarações, que aprofunda o sentimento de estarmos perante um líder que se apropriou dos temas que constituíam as nossas preocupações de forma oportunista, mas cuja sustentação acaba quando colide com os seus próprios interesses.

Foi assim com os "croquetes" que, de inimigos do Sportinguismo passaram a figurar na sua lista de honra nas últimas eleições.  Foi assim com os órgãos de comunicação social, em especial, como se disse acima, com os títulos da Cofina . Foi assim com o anticristo Jorge Mendes, a quem moveu uma fatwa mas acabou agora a oferecer a procuração do negócio de Rui Patrício. Negócio que o próprio BdC se encarregaria de fazer abortar por birra de última hora. Fica por explicar, por exemplo, em que é que diferente do negócio Alan Ruiz, cujos mais de oito milhões de euros são o dobro do dinheiro recebido pelo clube de origem, dividindo-se metade em miriades de comissões que tanto reprovou em anteriores mandatos.

Mas talvez o mais importante seja mesmo o que cai definitivamente por terra: a reivindicação do estatuto de arauto da transparência e regeneração do desporto nacional. Quem não respeita as regras basilares da instituição a que preside não é força regeneradora de coisa nenhuma.

É desta argamassa de mentiras, manipulações que se constroem as ditaduras, a par da ignorância e indiferença. A receita é a de sempre e tem funcionado em ambientes onde a balcanização e lideranças fracas diminuem o orgulho e o amor próprio. Identificam-se os inimigos, constrói-se um guião ao jeito de catecismo, infundindo um sentimento de pertença a uma causa justa, apresentando-se como redentor, difunde-se a palavra. O que era uma realidade complexa é agora muito simples: quem não é por mim é o inimigo. São esses os argumentos que nos são despejados em jeito de cassete em loop cada vez que ousamos discordar: CS, lampiões, croquetes, cartilheiros, etc, etc.

Mas se Bruno de Carvalho é cada vez mais um sério problema para o Sporting, porque se percebe que, seja qual for o final, vamos sair maus pequenos e mais fracos, ele está longe de ser o principal problema do Sporting. Esse será sempre quem o sustenta e lhe continua a dar abertura. De instituição secular de reconhecida utilidade pública o clube hoje parece-se hoje estar à beira de uma deriva religiosa de fé inquestionável num messias. Ou, em versão menos drástica, numa monarquia absolutista onde todos os poderes se  concentram numa só pessoa.

Já foram queimadas várias pontes, já foram desbaratadas várias soluções. Hoje realiza-se uma manifestação em que se pedem eleições já. Não sendo a solução que preconizaria inicialmente, essa é seguramente muito melhor que deixar o Sporting nas mãos de quem não percebe o essencial: o Sporting de um será sempre um sporting pequenino, muito mais pequenino que o Sporting que foi de todos.