sábado, 12 de maio de 2018

A entrevista de Bruno de Carvalho ao Expresso

Definitivamente os Sportinguistas não têm direito ao descanso. Um momento de particular felicidade, com a celebração da conquista de diversos títulos é interrompido com regresso do presidente ao primeiro plano para dar uma entrevista desnecessária e extemporânea.

Desnecessária porque quase nada do que é dito tem particular relevância neste momento da vida do clube, em que se decidem muitos dos campeonatos em que as diversas equipas e modalidades do clube estão envolvidas. Nem uma palavra de apoio e incentivo para os atletas ou uma mensagem de igual teor para os adeptos que se desdobram para acompanhar o clube.

Extemporânea porque volta outra vez várias páginas atrás da nossa história recente para repisar matérias que deveriam estar já definitivamente ultrapassadas, pelo menos no interesse do clube. É difícil de entender que objectivos ela visa que não pudessem ser conseguidos já depois de encerrado este período. Muito particularmente porque poderia muito bem suceder depois dos dois jogos que irão decidir a cor e o tom da época de futebol, cujos atletas e treinador são novamente visados. Insistir só revela que não percebeu completamente as consequências do seus actos, que só não foram mais graves porque houve o bom senso de não deixar levar por diante, entre outras iniciativas "brilhantes", a ideia de suspender a equipa e jogar com a equipa B. Onde estaríamos agora?


Esta não é uma entrevista, são duas entrevistas. O Expresso esteve com Bruno de Carvalho antes da derrota do Sporting em Madrid que provocou um cisma: o presidente de um lado e os jogadores do outro, com críticas violentas, ameaças de greve, suspensões e processos disciplinares pelo meio. Ficou combinada, então, uma segunda conversa para que o presidente leonino pudesse ser confrontado com o motim de Alvalade. Ao todo, foram mais de sete horas de perguntas e respostas, na casa de BdC e na SAD sportinguista, nas quais o líder leonino falou dos futebolistas, de Jorge Jesus, de Vieira e do Benfica, e do seu passado de “trolha” que serviu de preparação para o futebol. “Depois da construção civil, a bola é para meninos.”

O que lhe passou pela cabeça para escrever aquele post?

Vou fazer-vos um enquadramento importante. Primeiro, tem que ver com a linha de raciocínio que eu sigo e defendo: as críticas fazem parte e os jogadores vivem numa bolha. Mas também tem que ver com mais fatores. Antes de mais, a conversa que tive com os jogadores antes de eles irem para Madrid em que eu disse: “Considerem que quando as pessoas criticam e assobiam é porque acreditam em vocês, porque gostam de vocês — e vocês têm de corresponder com vitórias. De onze virem 22 e trazem de lá a vitória.” Na altura, nenhum dos futebolistas me disse: “Veja lá, não nos vá criticar.” Segundo, eu não fui a Madrid porque a minha filha estava para nascer, com todas aquelas questões [dificuldades na gravidez da mulher]. Mas o futebol é um mundo estranho, realmente...

Como assim?

Há uma superproteção dos jogadores e eles com muita facilidade vão para um patamar de total incoerência. Porque estes jogadores normalmente não vêm de meios fáceis ou abonados e esquecem-se rapidamente. Os salários que recebem não estão ligados à realidade do dia a dia. E depois há esta situação de redoma onde são colocados, idolatrados. Os atletas não percebem que são seres normais, cuja profissão é jogar à bola. Seres que têm uma responsabilidade, até social, acrescida, devido ao que ganham em clubes com a dimensão do Sporting. Se calhar os jogadores teriam outro comportamento em campo se não fosse esta teoria absolutamente mirabolante de que são um mundo à parte que tem de ser altamente protegido. Para caminharmos todos juntos, tem de haver um contacto que [não existe porque] os treinadores e jogadores portugueses não têm essa cultura.

Ainda assim, e apesar da forma como olha para o fenómeno, voltaria a escrever aquele post dos “mimados”?

Não, até porque apaguei a página do Facebook. 

Está arrependido?

Não é uma questão de arrependimento.

Mas voltaria a fazer aquela conferência de imprensa?

Qual? A que disse que compreendia os assobios e não os insultos? Pedi para não me chamarem nomes e assumi a culpa total, ainda que deva dizer que houve ali muita encenação, nos cartazes, nas asneiras, etcetera. A conferência durou vinte minutos, mas foi à vossa [jornalistas] custa. E ninguém foi capaz de dizer que fui eu quem foi buscar o treinador do Paços de Ferreira lá para dentro. Os jornalistas estavam a fazer perguntas sem interesse nenhum...



Se não tinham interesse, o presidente podia ter saído.

Sempre me disseram que não devia virar as costas aos jornalistas porque depois eles levam a mal.

Bem, Cristiano Ronaldo já atirou um microfone para dentro de um lago...

Não era de jornalista...

Era da CMTV.

Se é da CMTV não é um jornalista...

Se desconsidera tanto a CMTV, porque ligou para o canal na noite do post?

Bom, isso aconteceu por dois motivos. Um: o Nuno Saraiva [diretor de comunicação] estava em Madrid, com a equipa. Dois: o Nuno Saraiva já tinha tentado entrar antes em direto na CMTV e isso fora-lhe negado. Se me perguntar se [hoje] faria o mesmo, digo-lhe, de caretas, que não. Mas, pronto, liguei porque me alertaram para aquilo que o representante do Sporting estava lá a dizer em direto; extravasaram do post para o lado pessoal. 

Depois disso, dá-se uma espécie de motim, com jogadores de um lado, presidente do outro. Não perdeu o controlo da situação?

Não perdi controlo da situação coisa nenhuma. Foi tudo como dizia o meu tio-avô Pinheiro de Azevedo: só fumaça, a montanha pariu um rato, não houve consequências, ganhámos cinco seis jogos seguidos. Se eu não estivesse a passar o que passei, talvez tudo tivesse sido evitado. A pequenina oposição quis pôr as garras de fora, mas veio o corta-unhas e cortou-as. E atenção: é nesse período que anuncio a renovação com o Superbock Group e com a CUF. Os pseudoespecialistas diziam que a marca estava a perder valor — a verdade é que houve uma melhoria da reestruturação financeira, empréstimo obrigacionista que se resolverá, patrocinadores satisfeitos, modalidades cheias de saúde.

Acha que se fosse hoje a votos teria os mesmos 90%?

Em primeiro lugar, burro é aquele que a três anos de umas eleições está preocupado com isso. Essa leitura não tem interesse nenhum. Acha que daqui a três anos alguém se lembra disto? Olhe, saiu uma sondagem na qual apenas 11% das pessoas discordaram da minha posição — e eu relativizo isso também, nem me interessa.

OK, mas não houve dano com o plantel?

Isto foi um conjunto de precipitações. Aqueles que dizem que me precipitei, também se precipitaram. A relação com os jogadores? Eu não procuro o amor dos jogadores, porque o meu dever é defender, por um lado, os interesses do clube, e, por outro, gerir as emoções dos futebolistas, que querem melhores contratos, mais dinheiro, sair para o estrangeiro, etc.

Ou seja, o que nos está a querer dizer é que um grupo de jogadores insatisfeitos com os contratos aproveitou o seu post para liderar o tal ‘manifesto’ nas redes sociais contra si. 

Ficou agendada uma reunião para depois do jogo com o Paços de Ferreira à chegada da equipa, porque nessa manhã eu tinha de estar no TAD e na PGR. Depois fui surpreendido quando surgiu aquele post do Instagram [partilhado por 19 jogadores]. Pronto, aconteceu.

E porque é que isso aconteceu?

Não sei. Talvez um bug informático.

E o presidente respondeu aos jogadores, ameaçando-os com processos disciplinares, suspensões.

Ação-reação. O sentimento de traição e de deslealdade é o pior; se ficou combinado que nos iríamos reunir no dia seguinte, porque é que escreveram aquele post? Obviamente, não me senti bem com aquilo. Precipitei-me, mas não fui o único.

Jaime Marta Soares também?

Todos. Agora, espero é que não seja um período de reflexão apenas para o presidente do Sporting. É preciso que todos cresçamos um bocadinho mais. 

Há volta a dar na relação com o plantel?

A relação é esta: há uma hierarquia que tem de ser respeitada e um líder que tem de dizer às vezes ‘não’. O jogador quer sair, eu não deixo, ele fica chateado, vai para casa, no dia seguinte volta, a coisa passa. Ponto final. No futebol não funcionam os pedidos de desculpa, não são precisos. 

Nada vai mudar?

Mudou alguma coisa, porque os jogadores já deram uma volta olímpica. Também refletiram um bocadinho.

E os tais jogadores “mimados” que escreveu no post? São os capitães Rui Patrício e William Carvalho?

Olhe, as pessoas que me são leais no Sporting ficaram incomodadas com o que aconteceu, porque sabem que eu dou tudo pelo Sporting. A administração ficou ofendida, porque estava combinada uma reunião que depois foi descombinada — e, depois disso, chegou aquele post dos jogadores.

Ou seja, esses tais jogadores vão sofrer consequências no mercado?

Uma coisa lhe garanto: só vão sair jogadores valiosos se alguém pagar o valor da cláusula ou muito próximo disso.

Então é um castigo para os que pretensamente forçaram a saída com o post?

Não quero acreditar que tenham feito o post com esse intuito. Porque se o fizeram, é porque não me conhecem de todo; se querem que eu seja sensível a alguma coisa, que me ponham bem-disposto, senão vão bater com a cabeça no muro.
percurso Bruno de Carvalho acha que os jornalistas não o pintam como deve ser. “Eu sou popular e sou um exemplo de vida: tive um sonho, lutei, ganhei e tornei-me presidente do Sporting Clube de Portugal”
Recebeu mensagens do plantel de felicitações pelo nascimento da sua filha?

De ninguém, a não ser do Jorge [Jesus]: “Parabéns pelo nascimento da Leonor.” Mas recebi de todas as outras modalidades.

Qual foi o papel de Jorge Jesus nas 72 horas? Levou a mal que ele se tivesse posto ao lado dos jogadores?

Uma pergunta mais inteligente seria: quem é o líder do balneário?

O treinador.

Então acha que um treinador permitiria que os jogadores fizessem aquilo que se escreveu ao seu presidente? Que os jogadores tinham virado as costas ao presidente, gritado com o presidente, que se tinham recusado a treinar, e por aí fora. Só pode ser invenção da comunicação social, não é? Porque se fosse verdade era gravíssimo.

Está a ser irónico?

Têm de ser tudo invenções, não é? Porque senão era mau sinal haver um líder de balneário assim. E o líder de balneário é o treinador. 

Mas subscreve o líder de balneário que diz que o que importa num clube são os jogadores?

Acho que o Jorge teve uma boa tirada contabilística, porque os ativos mais fortes são os futebolistas. Mas o maior património do Sporting Clube de Portugal são os sócios e os adeptos, ponto.

Essas duas formas antagónicas de olhar para o futebol não vão colidir?

Não, porque ele não é o líder dos sócios e dos adeptos. 

Está satisfeito com a forma como o líder do balneário geriu todo este processo?

Partindo do princípio de que é tudo mentira, menos o post, sim, geriu bem.

Pergunto outra vez: está a ser irónico?

Não, não. Você acredita que alguma coisa acontece no balneário sem o OK do líder? Um líder lidera. Imagine que no meu conselho de administração acontecia uma série de coisas e de atitudes para as quais eu não tinha dado o meu OK. Se isso acontecesse, eu não era líder algum.

Falou em reflexão coletiva. O líder do balneário já refletiu?

Tem de lhe fazer a pergunta a ele.

Mas ele precisa de fazer essa reflexão?

Todos nós precisamos.

Jorge Jesus fica na próxima época?

Tem contrato, já estamos a preparar o que aí vem. No outro dia vinha num jornal que ele estava de corpo e alma no Sporting, que queria ficar, que estava identificado com o projeto. E o projeto é este: aqui é para ser campeão em todas as modalidades. Tem de haver atitude e compromisso de todos. Não quero ser mais um. A exigência tem de ser total. Eu comigo sou de uma exigência total e avassaladora. E depois tenho a máxima do meu plano e estratégia de comunicação que vem do meu tio-avô Pinheiro de Azevedo.

E qual era?

A minha mãe trabalhava com o meu tio-avô Pinheiro de Azevedo quando era primeiro-ministro por causa daquela questão de Portugal servir de ponte aérea entre Angola e Cuba, porque ela achava que aquilo nos envergonhava a todos. E ele dizia: “Ó Paulinha, mas o que é que eu posso fazer, isso é com os generais, não é comigo.” E ela insistia e ele lá foi falar com o general a dizer: “Xôr general, isto é uma vergonha, a ponte aérea e tal. Vamos fazer assim, ou faz você alguma coisa ou faço eu.” Passado um dia ou dois, manchete no jornal: “Portugal acaba com a ponte aérea.” E a minha mãe lá vai toda contente dizer: “Ó tio, maravilhoso.” E ele: “Ainda bem que estás contente.” E ela: “E se o presidente não tem feito nada?” E ele: “Isso, Paulinha, é que era uma chatice. Mas vou ensinar-te uma coisa. Para ter sucesso, a primeira coisa a fazer é criar fama de maluco. Depois, é só mantê-la.” É essa a minha estratégia de comunicação. 100% eficaz e eficiente, digo-lhe já.

Voltando atrás: o regresso ao banco de suplentes depois daquele post foi pacífico?

Muito pacífico. Era só o que mais faltava não ser pacífico, porque no dia em que isso acontecesse, era sinal de que não era líder. Eu respondo perante os sócios e adeptos.

Porque decidiu, enfim, sair do Facebook?

Porque tinha uma família alargada para dar atenção e percebi que havia uma maioria inequívoca de sportinguistas, inclusivamente aqueles que não viram nada de mal no post, que me disseram: “Eh, pá, presidente, não continue. Chega.” Se os sócios preferem o caminho B ao A, tenho de aceitar. Fui democraticamente eleito para isso. Houve alguém que me disse algo que me ficou: “Presidente, percebeu-se na cara que você queria mesmo dizer aquilo na conferência de imprensa, mas eu não o queria ouvir.” Foi de uma honestidade intelectual tremenda, uma lição que eu aprendi para a vida. As pessoas, por vezes, pura e simplesmente não nos querem ouvir. E tenho de respeitar isso. Aprendi que o silêncio é de ouro. Quando apaguei, tudo acalmou. Mas tive de ver com os meus olhos, porque não acreditava que seria assim tão simples. 

Custou-lhe sair?

Olhe, não preciso do Facebook para nada a não ser para fazer passar uma mensagem num canal privilegiado. Nestas semanas, nestes tempos, em que fui operado, em que a minha mulher teve as complicações logo a partir de 20 de dezembro — sem saber se a minha filha iria nascer em condições, estive cinco dias no hospital com a bebé em risco de vida —, em que fui diagnosticado com uma síndroma vertiginosa; enfim, durante esse período todo apercebi-me de uma série de coisas. É como um bloco de notas em que se aponta o bom e o mau: aprendi a relativizar situações, em função das dificuldades da gravidez da minha mulher; e também aprendi com quem posso ou não contar a partir deste momento. Os sportinguistas querem um presidente feliz e contente fora do Facebook? Então é isso que vão ter, sendo que a minha felicidade agora passa por estar mais perto da família. Conto-lhe isto: a minha filha de 15 anos chegou-se ao pé de mim, aos gritos, a dizer que a CMTV estava à porta de casa. “Acabou, pai! Isto é inacreditável. Não pode ser!” Não posso perder a minha filha por estar a escrever posts no Facebook. 

E quem é que o desiludiu nestes momentos?

Houve desilusões, mas guardo-as para mim. Quem não me desiludiu foram os meus únicos seis amigos que tenho desde o tempo do Maria Amália. Obviamente que a administração também me apoiou bastante, mas aqui estamos a falar num plano estritamente pessoal, certo? 

Sim.

Então só tenho seis amigos [gargalhada].

Revê-se na tese de burnout avançada por Eduardo Barroso?

Ouça… Ele tem-me acompanhado nestes problemas de saúde que tive. Ele sabe o que é gerir o Sporting. Acho que o que ele queria dizer era que uma pessoa normal, que estivesse a passar pelo que eu passei, já estaria com uma camisa de forças. O Bruno não. O Bruno aguenta, aguenta, aguenta, aguenta. 

Porque não delega mais?

Eu delego, mas… tem noção dos inimigos que eu já colecionei? Eu confio em todos, mas não quero que tenham de se sujeitar a isto. Não é justo que eles travem as guerras que eu tenho de travar.

Uma das suas primeiras ‘guerras’ estratégias foi atacar o FC Porto e Jorge Nuno Pinto da Costa. Como é que isso resultou para si e para o clube?

Quando cheguei ao futebol, achava que o poder estava num lado e, afinal, estava noutro. Facilmente percebi isso: que o Benfica tinha o poder. Agora, podia puxar dos meus galões e dizer que, enquanto estive em guerra aberta, fiquei sempre à frente do FC Porto.

De que forma é que esse poder se manifesta?

Em primeiro lugar, quero relembrar a cena dos vouchers. Era tudo uma mentira pegada, mas depois os responsáveis do Benfica e os árbitros disseram que era verdade, que existiam, que eram ao portador e que podiam ser à discrição. Depois vieram os chavões: “Mas algum árbitro se vende por um jantar?” A seguir, comecei a dizer que havia alguém que se achava o rei-sol — e acusaram-me de estar obcecado com o Benfica. E o que dizem, então, os e-mails? Que havia pessoas que se julgavam acima da lei, que tinham montado uma teia sem limites que abrangia Federação, arbitragem, Governo, polícia, etc. A polícia pode, de uma vez por todas, mudar a sociedade portuguesa. Se me perguntar se eu acho que é verdade, eu digo, enquanto cidadão, que é verdade. São muitos sinais: vouchers, emails, E-Toupeira. Se isto resultar em nada, as pessoas não vão gostar. O ‘Apito Dourado’ teve um problema: não havia redes sociais. As redes sociais podem ser uma forma de estupidificação das massas, mas também são um lugar onde tudo aparece, onde tudo é escrutinado. Se fosse agora, o resultado seria outro.

Acha que perdeu algum título por causa disto? 

Acho que isso aconteceu no campeonato 2015-16 [Benfica sagrou-se campeão com dois pontos de vantagem sobre o Sporting].

Mas nos anos que se seguiram e nos anteriores acha que o Sporting também podia ter ganhado? 

E não acha estranho só sermos burros no futebol? Conseguimos ser campeões em todas as modalidades menos no futebol... sénior masculino, porque no feminino também já fomos. Falta-nos esse neurónio no futebol masculino, deve ser isso...

Alguma vez presenciou algumas das coisas que são referidas nos e-mails e que podem configurar pelo menos tráfico de influências? 

Ninguém ligou nenhuma... Mas vocês ligaram alguma coisa quando eu disse que o presidente do Benfica, na garagem da Liga, quis fazer um acordo em que ora ganhava ele ora ganhava eu?

Tem testemunhas disso?

Desculpe lá, eu fui chamado à Liga para falar disso. Mas o assunto foi arquivado. E é incrível, porque a Liga tem uma câmara na garagem.lar O presidente do Sporting fotografado na sua casa em Lisboa

Então há imagens?

Não. Dizem eles que apagaram. E apagaram porquê?, perguntei eu. Eles deviam ter mantido as imagens.

Isso foi quando?

Foi uma reunião que se fez na Liga quando eles estavam a querer expulsar o Mário Figueiredo. É na época 2013/14. E depois acabei eu a levar um processo.

Quais eram os termos do acordo proposto? Ganhar um de cada vez os títulos?

Ele [Luís Filipe Vieira] disse-me isto. E eu respondi: “Espere aí um pouco que eu vou à casa de banho.” E depois saio, vou para a porta principal da Liga e liguei ao motorista a dizer para me ir buscar que eu não queria aturar mais aquele tipo e ele, que gaguejava, só me respondia: “Mas ele tá tá tá tá tá tá aqui ao meu lado.” O homem entrou no carro e tentou convencer o meu motorista a convencer-me. Não sei que relação ele lá tinha com o motorista dele, que achou que convencia o meu motorista que um acordo destes era muito benéfico para o Sporting. Eu já disse isto. E fui processado.

E já assistiu a mais comportamentos que indiciem tráfico de influências?

Precisa de mais do que disto? Quando uma pessoa faz uma proposta destas, o resto não me espanta nada.

Surpreendeu-a detenção de Paulo Gonçalves?

As pessoas têm de decidir o que querem fazer de Paulo Gonçalves: ou condecoram-no ou prendem-no. Condecorar, porque foi campeão em todo o lado, mas é preciso ver como é que ele conseguiu ser campeão. Ganhar no FC Porto, Boavista e Benfica não é para qualquer um. 

FC Porto e Benfica já tinham conquistado títulos antes da chegada de Paulo Gonçalves.

E o Boavista? 

Não. 

Pois é.

Aparentemente, já fez as pazes com Pinto da Costa e até se sentou na tribuna presidencial ao lado dele. Vê-se a fazer o mesmo com Luís Filipe Vieira? Apertar-lhe-ia a mão?

A resposta é: não. Os problemas que tive com o FC Porto foram centrados em mim. No Benfica já se ultrapassou tudo o que era razoável. Já houve situações em que a minha morada privada foi revelada publicamente… E acho que a amizade entre a Cinha Jardim e a minha ex-mulher é estranha, para ser simpático…

O que nos está a dizer é que a sua ex-mulher está a ser instrumentalizada na disputa desportiva?

O que estou a dizer é que acho completamente estranha e descabida esta amizade meteórica entre a Cinha Jardim e a minha ex-mulher. Mas se quiserem fazer perguntas mais interessantes do que essa...

O que é que isso implica com a sua filha?

Implica o facto de a minha ex-mulher de repente achar que eu só posso ser pai da minha filha 67 dias por ano.

Mas antes tinham guarda partilhada?

Tínhamos o mesmo acordo que temos agora, mas era encarado de forma perfeitamente normal. E neste momento a minha ex-mulher decidiu levar o acordo de forma literal. E infelizmente está a ser apoiada por uma juíza que acha que uma pessoa pode ser pai 365 dias estando 67 dias com uma filha. Eu estou a pedir a guarda partilhada porque não acredito que se possa ser pai em 67 dias. Apenas progenitor e ama. Isto não se faz... Vocês estão habituados aos presidentes que têm fortunas, negócios e então acham que podem atacar todos de forma igual. Ainda não perceberam que a minha vida é esta. Não alterei absolutamente nada. E infelizmente, não posso ir à Quinta das Conchas, a um café ou jantar fora com as minhas filhas sem segurança. Se quiser ir jantar — com segurança — tenho de ir para os restaurantes mais caros. Como se tivesse possibilidades para fazer isso. Não tenho. E os jornalistas queixam-se de que eu estou a atacar a profissão deles, não percebendo que também estão a atacar a minha vida e o sustento da minha família. E se julgam que isto não tem influência na decisão patética que esta juíza tomou... claro que tem! Estou a ser muito prejudicado por uma imagem absolutamente falsa que a comunicação social passa. Até na minha vida pessoal sou prejudicado. Porque ninguém normal toma uma decisão como a desta juíza sobre a minha filha, quando a jurisprudência diz que o ideal é a guarda partilhada. Fiquei muito ressentido com a comunicação social por isto.

Os últimos e-mails do Benfica revelam algo mais?

Por exemplo, o e-mail do Powerpoint de Domingos Soares de Oliveira… Bom, o que me surpreende é como é que o Estádio da Luz inteiro não assobiou esta gente toda e o presidente da mesa da Assembleia Geral não pediu eleições. Se um post meu deu no que deu, imagine que o Powerpoint era meu. Eu não saía daqui com dores de costas, mas todo partido com a pancada que levaria. Há pessoas que foram constituídas arguidas, outras presas — e eu fiz um post... O Sporting é mesmo um clube sui generis.

Acha que a linguagem que usa é adequada à função que desempenha?

Nós estamos a falar de futebol, não estamos a falar de ópera. Temos de usar um palavreado adequado ao mundo em que estamos. Venho da construção civil para o futebol, ou seja, fui trolha e deixei de o ser. Nos meus primeiros dias eu também ia de fato e gravata e com os sapatinhos para as obras. E ouvi isto: “Aqui o gravatinhas tem a mania que manda, mas nós vamos fazer-lhe a folha.” Pensei: “O gravatinhas sou seu.” Fui a casa, troquei de roupa, ganga e T-shirt, voltei a essa obra — que é aqui onde nós estamos, nesta rua e neste prédio, fui eu que fiz isto tudo — e disparei asneiras a torto e a direito. E as coisas fizeram-se e passei a ser respeitado. Mas depois do que passei na construção civil, devo dizer que o futebol é só meninos. Digo-vos mais: o tipo de presidente que eu sou, o presidente-adepto, é o presidente do futuro. As coisas não andam para trás, o futebol tem de ter uma transparência total, porque as pessoas estão fartas, fartas, fartas. Temos é de trazer pessoas sérias para o futebol — e sério sou eu. Chega de hipocrisia. O futebol não precisa de indícios de corrupção, de gente presa, de tráficos de influência, de programas de televisão desportivos que são uma nulidade. Mas, depois, a culpa é do Bruno de Carvalho, do casaco do Bruno de Carvalho, do fumo e do cuspo — como é que eu conseguiria cuspir e expelir fumo ao mesmo tempo? Dizem: “O Bruno tem de ter é bom senso.” O que é isso de bom senso? Se há um manual de conduta presidencial, que mo enviem, porque eu preciso de o ler para me comportar convenientemente.

Sente-se excluído e perseguido?

Nada no futebol me espanta, nem o facto de estes tipos terem todos a primeira classe e eu, que sou o único licenciado e com um mestrado, me sentir como aquele que tem apenas a primeira classe. A mim espanta-me a forma que a comunicação social arranjou para ganhar dinheiro comigo, não percebendo que o poderia fazer de uma forma muito melhor. Primeiro, porque sou popular. Segundo, porque sou um exemplo de vida: tive um sonho, lutei e ganhei, quando era chamado nas primeiras eleições, “o homem um por cento”. Terceiro: há o Bruno que faz o “Congresso Internacional The Future Of Football”, que levou propostas à Assembleia da República, Presidente da República, Parlamento Europeu e à Comissão Europeia que irão ser aplicadas. E esse Bruno não tem interesse para a comunicação social. Recordo que tive uma entrevista com um diretor de um jornal desportivo, em que gastei quatro horas da minha vida na Academia, e como não disse uma asneira, a pessoa levantou-se e disse-me, na minha cara, que a entrevista não tinha tido interesse. “Pois é a primeira e a última vez que você me entrevista.” O que eles querem saber é se uso ou não cuecas vermelhas. Lá fora, a BBC liga-me, aqui as pessoas acham que ganham dinheiro amplificando aquilo que de mau eu possa ter feito ou dito. No entender deles.

E qual é o seu entender?

Eu preciso de paixão, eficácia e eficiência. A célebre frase das nádegas foi eficiente. Se gostei do que disse? Não. Mas fui 100% eficaz, alertando para uma manobra dos bastidores sobre o fim da centralização dos direitos televisivos: era 50% do maior clube do Norte [Porto], 50% do maior clube do sul [Benfica] e o Sporting ficava nos outros. A partir daí, começaram a falar da tal bipolarização.

Isso aconteceu no início da sua vida no Sporting e parece não ter mudado muito.

Não mudei, até porque a mudança de estilo, já vos disse, foi na construção civil. Aprendi que temos de representar um papel nos determinados contextos em que estamos. No futebol, tenho de usar um português muito básico, provocar choques que emitem ondas contra o Bruno, mas que se fale sobre o que eu quero pôr na agenda. E isso tornou-me uma pessoa muito mais amargurada. Foi-me dito uma vez por um diretor que o posicionamento na grelha da TV ou nas páginas de um jornal depende do tipo de relacionamento pessoal entre as partes. Vou contar este exemplo. Passei coisas que não desejo a ninguém, mas ganhei um processo contra uma juíza que me dizia que uma criança precisa de um pai e de uma mãe, e eu respondia assim: “Sim, ela tem um pai, que cuida e ama, e vou encontrar uma mãe, porque a pessoa que a deu à luz não é isso.” Venci esse preconceito do pai e da mãe há quase 15 anos e fiquei com a guarda total da minha filha mais velha. Eu sou realmente diferente, têm de perceber isto: não tenho negócios nem negociatas, não quero mais nada do que ser presidente do Sporting. Sou uma ilha deserta linda de morrer no meio de um oceano num planeta de um só continente onde toda a gente se conhece.

É acusado de promover o culto da personalidade e dou-lhe um exemplo concreto: aquele vídeo que passou nos ecrãs do estádio de Alvalade a anunciar que iria ser pai.

Foi uma péssima iniciativa e nunca mais farei uma coisa destas. Não tenho necessidade disso para me promover, porque teria tido muito mais visualizações no meu Facebook do que ali. Mas quem pensa que eu preciso dos ecrãs do Sporting para alguma coisa, lá está, não é estimulante.

Então mas porque é que o fez?

Porque foi uma campanha para angariar novos sócios, que até foi engraçada. A comunicação social manipula. Até quando fui eleito e disse “bardamerda” para quem não é do Sporting… Pegaram nesta expressão, mas esqueceram-se de tudo o que foi afirmado antes: “Estive o dia todo a ser atacado nas televisões por paineleiros que me chamaram demagogo e populista e eu e a minha família tivemos de levar o dia todo com estas pessoas. Por isso, e citando o meu tio-avô, digo bardamerda para os que não são do Sporting.” O Rogério Casanova, acho que na Tribuna Expresso, foi o único que disse que não percebia como é que a comunicação social não tinha percebido o fenómeno Bruno de Carvalho e citou os nomes das pessoas que passaram esse dia todo a atacar-me.

4 comentários:

  1. Obrigado Por divulgar a entrevista. So falta a tal parte ma. E que comeca por criticar a entrevista mas EU Nao encontrei nada de mal. Nada. O homem assumiu os erros e explicou a situacao. Gostei

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    1. Se diz isso, é porque não percebeu as “farpas” em tom irónico enviadas ao treinador. Horas mais tarde novo ataque a Jorge Jesus relativamente ao post do “pai”. Vamos ter uma pré-época escaldante com a BdC a tentar que Jesus saia de Alvalade por iniciativa própria.

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  2. Nestas entrevistas todas, ninguém lhe pergunta pela mãe da primeira filha. Ninguém lhe pergunta porque é que ela desapareceu de Portugal e nunca mais cá voltou.

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  3. No mundo do Bruno:

    "...nesta rua e neste prédio, fui eu que fiz isto tudo..."

    "...mas depois do que passei na construção civil, devo dizer que o futebol é só meninos. Digo-vos mais: o tipo de presidente que eu sou, o presidente-adepto, é o presidente do futuro..."

    "...Temos é de trazer pessoas sérias para o futebol — e sério sou eu."

    "...Segundo, porque sou um exemplo de vida."

    Como se isto tudo fosse só burnout...

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