Tive o privilégio de ontem ter assistido no Jamor ao regresso do Sporting aos títulos, interrompendo um jejum que há sete anos se havia iniciado precisamente no mesmo local. Já quase tudo deve ter sido já dito e escrito sobre o sucedido pelo que deixo uma análise pessoal resumida por tópicos sobre este momento que teve tanto sofrimento e amargura como de paixão e alegria desmedida.
Jamor mítico e ultrapassado
Não há em Portugal um lugar como o Jamor para fazer a grande festa do futebol português que é a final da taça. Porque a final da taça não é apenas o jogo que se joga num estádio com uma atmosfera única. É também muito o que acontece nas muitas horas que o antecedem.
Mas não se deve escamotear a realidade de um palco que acabou ultrapassado no tempo e que hoje, no que diz respeito ao conforto e sobretudo à segurança dos adeptos, está longe dos mínimos desejáveis. Por razões puramente aleatórias, que se prendem com a conjugação de resultados que determinam os finalistas, os "3 grandes" não se têm encontrado neste local. Veremos o que sucede quando tal acontecer.
Apesar do esforço que se tem feito, de forma pouco convicta, os principais problemas permanecem. E estes são vários, como por exemplo o número reduzido de entradas/saídas que, numa situação de emergência nunca até agora verdadeiramente testada, transformará o local numa armadilha fatal. Sendo este talvez o aspecto mais preocupante, realce-se com outro exemplo o episódio caricato da rega do relvado de forma manual e de alcance reduzido que todos tivemos ocasião de presenciar.
Mas convenhamos que pior que as condições que são mais dificeis de mudar são as decisões incompreensíveis da organização que obrigam os adeptos a permanecer mais de uma hora em filas intermináveis, onde se acumulam tensões e situações de perigo potencial para todos, para que os autocarros das equipas possam passar. Isto já depois de estarmos a meio da segunda década do século XXI e até os miúdos parecem melhor habilitados para fazer uso de toda a panóplia de meios de comunicação...
Grande triunfo em jogo pequeno
De forma sucinta pode-se resumir o encontro a um jogo de ofertas onde o esforço e o erro predominaram sobre a táctica e o talento. O jogo parecia ter ficado decidido muito cedo, com duas falhas monumentais na mesma posição, mas com protagonistas diferentes (Cédric e Miguel Lopes). A forma como ambos abordam os respectivos lances e as decisões que tomam são manifestamente deficientes para jogadores do seu nível e no jogo desta importância.
A desvantagem numérica e no resultado provocou danos anímicos evidentes na equipa do Sporting levando o jogo para a zona de conforto do Braga, que ficou a viver da procura do erro para lançar as suas habituais transições. O Sporting ficava em grande sofrimento para contornar a superioridade numérica arsenalista, que lhe permitia controlar o jogo.
Talvez tenhamos tido ontem a sorte que tantas vezes parece faltar nos momentos das grandes decisões. Parece-me contudo que a forma como empurramos a decisão para as grandes penalidades foi tanto o justo prémio para a forma abnegada com os jogadores se entregaram, mesmo que muitas vezes com reduzidas doses de discernimento compreensível face às circunstâncias adversas, como castigo para o Braga não fazer muito mais que deixar correr os ponteiros do relógio, pensando que a decisão estava consumada.
Vitória saiu do banco e do inconformismo
No estádio, após a expulsão de Cédric, preconizei precisamente a mesma substituição que Marco Silva realizou. Essa viria a ser particularmente infeliz, como agora se sabe. Convenhamos também que o cenário era particularmente difícil para gerir a partir do banco. Mas a entrada de Mané e depois de Montero seriam determinantes para que, nos minutos finais, se chegasse ao empate. Mané esteve melhor a fechar o corredor direito que os que aí o haviam antecedido e a presença de Montero entre os defesas arsenalistas foi o factor de desequilibro que afectou a segurança de execução que até aí vinham revelando. Juntamente com o inconformismo dos jogadores, e o acerto de Patrício nos momentos finais do prolongamento e nos penalty's, foram os catalisadores para a explosão de felicidade que se viveria momentos depois.
Momentos de felicidade indescritível
Todas as imagens de felicidade indescritível que se viveram aquando da obtenção do empate e sobretudo quando a nossa vitória foi confirmada, ficaram apenas registadas na memória, apesar de poder ter realizado as filmagens e fotografias de uma vida. Tendo ficado no topo norte, junto ao novo acesso norte, havia espaço para dar largas à alegria e foi isso que fiz e presenciei. Gente que se desconhecia a cair em longos abraços, lágrimas de felicidade (pronto, ok, também deixei lá algumas...), gritos esfuziantes de adeptos a correr sem direcção definida, pessoas abraçadas a rebolar pelo chão ou de joelhos no chão e braços abertos para o ar, agradecendo aos deuses do futebol que tantas vezes parecem esquecerem-se de nós nos momentos importantes.
Uma felicidade sem adjectivos que contrastou com o espectáculo deprimente de descrença e o desânimo nas centenas que ainda muito cedo começaram a virar costas à sorte da equipa, encaminhando-se para as portas de saída. A minha leitura sobre este episódio confrangedor não tem maior severidade que constatar que em jogos de final da Taça grande parte do público não é o que habitualmente frequenta os estádios, estando ali presentes por razões que ultrapassam em muito o apreço pelo jogo e ligação ao clube.
Fim de um embaraçoso jejum
Um clube como Sporting, para quem o futebol é sua modalidade mais representativa, não pode estar sete anos a coleccionar zero conquistas. Que o final de um embaraçoso jejum represente o inicio de um paulatino e sustentado regresso à normalidade que tanto ansiamos. Que os passos seguintes, nomeadamente no que à preparação da nova época diz respeito, sejam cumulados de sabedoria acerto.
Não finalizo sem agradecer a todos sem excepção que trabalharam para tornarem possível os momentos inolvidáveis que ontem tive oportunidade de viver. E também a todos com quem tive o privilégio de partilhar todas as emoções: o
Bancada de Leão, companheiro de muitos quilómetros, alegrias e desilusões, ao Solar do Norte, local de fervor clubista sem igual, a todos os desconhecidos que me e a quem me abracei, ao Bruno Martins e Hugo Malcato, companheiros de blogue, e Pedro Faleiro a quem voltei a rever, ao fim de muito tempo. E finalmente ter tido a oportunidade de conhecer o Ben Shave himself!
Excelente texto! Festa incrivel, a vivida ontem!
ResponderEliminarPerguntava o meu companheiro do lado, no fim dos 90 minutos: porque temos de sofrer sempre tanto? Ao que eu respondo: prepare-se, porque ainda vai sofrer mais. Isto vai a penalties! Mas ser do Sporting é isto. Lutar para ganhar!
Apenas um reparo, o jejum começou na Supertaça que ganhámos ao Porto no Algarve, em 2008.
SL,
Pedro Ferreira
Pedro, obrigado pelo elogio e pela rectificação.
EliminarTexto emotivo mas cheio de racionalidade.
ResponderEliminarOntem não estive lá, por opção. Não quis. Fui ter com o meu pai e tio e vimos na TV. Grande sofrimento que culminou numa alegria enorme, daquelas que ficam, para sempre. Ainda bem que foram vividas junto de quem importa.
grande abraço
Cantinho,
Eliminarera impossível não haver emoção a rodos depois do que ontem foi vivido. Um grande abraço.
Leão, antes de mais um grande abraço. Também estive lá (graças ao meu Pai que tanto insistiu comigo) e posso não ter deixado lágrimas mas emocionei-me no final como se fosse um miúdo a ver a primeira final da minha vida. Foi épico.
ResponderEliminarNão podemos ser tão severos com quem saiu mais cedo. Muitos daqueles já viram muitos filmes que acabaram mal. Nunca consegui tomar a decisão mas já tive vontade, algumas vezes. Sempre tive comigo quem me convencesse a ficar. Outras vezes, como na Luz em 2001, fui eu que convenci outros a ficarem. Depende do dia, do estado de espírito, das experiências, de muita coisa.
Ontem comentava com o meu Pai: "já vimos penalties do Sporting ao vivo?" O meu Pai lembrava-se de uma experiência caricata com o Rangers, na década de 70 (ganhámos nos penalties mas o jogo nem devia ter ido a penalties porque já vigorava a regra dos golos fora e o Rangers já estava apurado); eu da Taça, na Luz, em 2004/2005. Os nervos começaram a apoderar-se de nós. Mas não sei como nem porquê eu, que estive pessimista todo o dia, estava super-confiante nos penalties. Às vezes não dá para explicar. E essa parte é o que o futebol tem de melhor: o inexplicável.
Um grande abraço, já merecíamos, todos nós
Custa perceber as dura criticas para os que saíram antes do tempo como é obvio a frustaçao era enorme e muitas vezes os últimos minutos tornam-se num espectaculo deprimente pouco recomendável a famílias com crianças, alias houve durante a 2 parte varias escaramuças entre Sportinguistas consequência do muito álcool consumido mas também da enorme frustaçao que as pessoas sentiam. Muitos dos "heróis" que ficaram seriam os mesmo que rebaixariam os jogadores depois do jogo acabar caso o resultado se mantivesse...
EliminarSobre o jogo foi dos momentos mais entusiasmantes que tive o prazer de assistir, o SCP fez uma boa primeira parte acabando traído pelos erros individuais e na 2 parte quando as pernas já pouco permitiam acabamos por ter a fortuna do jogo, infelizmente o SCP que teve no jamor foi uma copia fiel do que foi durante toda a época... Somos melhores que os adversários mas acabamos traídos por uma defesa que mete agua por todo o lado.
Todos estão de parabéns desde o Presidente aos adeptos passando por todos os profissionais do clube sem excepçao.
Ace-XXI
Belo texto, que o Sporting continue este caminho, aproximando-se de forma sustentada aos rivais (financeiramente falando) e que este grupo continue a dar nos alegrias
ResponderEliminarSL
Koba, obrigado e abraço retribuído.
ResponderEliminarEm relação aos penalty's devo dizer que após a defesa do Patrício fiquei com uma fé inabalável que trazíamos a taça.
Abraço
Os afortunados que estiveram no Jamor, para saberem o que é emoção, deviam era estar num café onde faltou a luz aos 82 min ... ah, e ver os penaltis com decalagem de som relativamente ao café do lado...
ResponderEliminarFoi bom, um pontapé no destino, nos erros patetas e a recompensa do trabalho de uma época. Para mim a chave da vitória foi o controlo emocional que a equipa demonstrou, há uma imagem logo após sofrermos o segundo golo e em que os jogadores reagem em campo mais agressivamente, acelerar o jogo sem segurança, passes de risco, correrias desenfreadas sem nexo, discussões com árbitro e adversário em que focam Marco Silva a pedir calma e "cabeça". Era isso mesmo que era necessário, manter a frieza e fazer o nosso jogo, se fosse para cair era agarrado às convicções da equipa e não com cada um a correr para seu lado.
Grande Patrício! Grande Capitão! A vitória fica-lhe tão bem depois de tudo aquilo que já passou!
Ah, uma palavra para o adversário-que-tem-a-mania-mas-no-fundo-no-fundo-isso-passa-lhe, demos dois de avanço e jogámos só com dez. Nem assim...
ResponderEliminarGrande abraço, amigo Zé. Foi óptimo ter estado contigo e com tanta gente. Vemo-nos em Agosto - se calhar, até na Supertaça.
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