Football Leaks, o tsunami que abala o império de Jorge Mendes
"O dia em que uma consultora fiscal recebe um questionário das Finanças sobre um cliente seu é um dia de trabalho. Para uma consultora que faz assessoria a estrelas do desporto agenciadas por Jorge Mendes, é um dia de trabalho extra, porque isso implica um custo mediático associado se a história correr mal. E se essa estrela for Cristiano Ronaldo, esse custo é multiplicado por mil ou por milhões. E é um dia de sarilhos .
A partir do momento em que a informação chegou, o 3 de dezembro de 2015 não podia ser apenas mais um dia nos escritórios da empresa de serviços jurídicos Senn Ferrero: o Ministério das Finanças espanhol abrira uma investigação, que ainda está em curso, para apurar possíveis irregularidades de Ronaldo nas suas declarações do Imposto sobre o Rendimento de Não Residentes (IRNR) relativas aos anos 2011, 2012 e 2013. Naquelas perguntas enviadas para o número 3 da Plaza de La Lealtad (perto do Museu Nacional do Prado e da Bolsa de Madrid), os inspetores mostraram-se particularmente interessados na questão dos direitos de imagem do jogador do Real Madrid e isso comportava um risco maior para Ronaldo. A Senn Ferrero sabia porquê. Os contabilistas de Jorge Mendes que a Senn Ferrero alertou também sabiam porquê. E este é o porquê: um esquema empresarial complexo com paragens nas Caraíbas, na Irlanda e em contas bancárias na Suíça que geria desde 2009 os rendimentos provenientes da publicidade prestada por Ronaldo a várias marcas.
Ao todo, de 2009 a 2014, Ronaldo recebeu €74,8 milhões pelos seus direitos de imagem como jogador do Real Madrid e também já recebeu adiantados €75 milhões para o período 2015 a 2020, mas só na declaração de rendimentos de 2014 é que mencionou este bolo. Ou melhor, uma fatia deste bolo, €22,7 milhões, repartidos em dois pedaços. O que representam estes dois pedaços, o que aconteceu ao resto do montante acumulado, quais as offshores usadas, como foram vendidos os direitos de imagem em 2009-14 e 2015-20, por que caminhos andaram Ronaldo e outros jogadores agenciados pela Gestifute de Jorge Mendes - estas são algumas das questões que derivam de uma extensa análise aos documentos extraídos da plataforma Football Leaks. A investigação foi liderada pela revista alemã “Der Spiegel”, que partilhou os dados com a rede European Investigative Collaborations (EIC), um consórcio de jornalismo de investigação composto por mais de uma dezena de jornais e que contou com a colaboração do Expresso.
Esta é a história sobre Ronaldo. Luzes, câmara, contratação
O “Big Brother” de Cristiano Ronaldo começou a 6 de julho de 2009, sentado no banco de trás de um carro, com um motorista e uma câmara de televisão para documentar o dia. “Hoje há jogo ou quê?”, diz Ronaldo em espanhol. Ele sabe que não há jogo, está a ensaiar uma piada. Talvez não acredite que aquelas pessoas à porta do estádio Santiago Bernabéu estejam ali apenas porque ele próprio estará dentro do Bernabéu daqui a pouco. Serão 80 mil fãs a aplaudir o português, vestido de branco, ladeado por Eusébio, Don Alfredo di Stefano e Florentino Pérez. Não faltarão o “Hala Madrid!”, os agradecimentos, os toques na bola de futebol, o abraço aos adeptos que conseguirem furar o perímetro de segurança. Ronaldo foi contratado pelo Real Madrid e a sua apresentação aos sócios e adeptos foi transmitida em direto por televisões de todo o mundo. Naquele momento, Ronaldo tornou-se global. Os seus assessores tinham-no previsto.
A 20 de dezembro de 2008, ainda jogador do Manchester United, Ronaldo assinara outro contrato, longe do rebuliço. Foi com a Tollin Associates Limited, uma empresa registada na Vanterpool Plaza, que fica em Road Town, na ilha de Tortola (Ilhas Virgens Britânicas - BVI). Nas Caraíbas. Para os mais curiosos, a Vanterpool Plaza é um prédio de dois andares em tons de amarelo; no piso térreo há uma farmácia gerida por uma senhora chamada Vanterpool, o piso superior está alugado a uma firma de advogados.
Segundo os contratos obtidos pela revista “Der Spiegel” e partilhados com o consórcio EIC, ficou acordado que de 1 de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2014, a Tollin seria a depositária dos direitos de imagem do jogador e o jogador seria o recetor de “todos os rendimentos recebidos pela sociedade”, à exceção de 20 mil euros anuais e possíveis gastos operacionais. E, também, à exceção da comissão de Jorge Mendes. É que, uns dias depois, a 30 de dezembro de 2008, a Tollin transferiria a exploração desses direitos de imagem a uma empresa com ligações a Jorge Mendes, a Multisports & Image Management (MIM), sediada em Dublin. E a MIM, por sua vez, já tinha uma colaboração com a Polaris Sports, também com sede na Irlanda e controlada por Jorge Mendes; ambas tornar-se-iam responsáveis por negociar todos os acordos publicitários em nome de Cristiano Ronaldo. Funcionaria assim: o dinheiro dos contratos publicitários iria para a MIM e para a Polaris e, após deduzidas as respetivas comissões dos intermediários, o resto seguiria para a Tollin - era o mesmo jogo que Mourinho já jogara [ver páginas seguintes]. Ou seja: as marcas lidariam diretamente com a MIM e com a Polaris e só depois os seus pagamentos viajariam para a Tollin, fazendo com o que o rasto se perdesse no caminho entre a Irlanda e as Caraíbas. Porquê este esquema? Porque com este tipo de estrutura é possível explorar as vantagens fiscais das BVI.
Recordar Beckham: Vamos por partes, como num jogo de futebol. Um longo jogo de futebol.
Aquecimento. Um cidadão é um cidadão e uma empresa é uma empresa e os impostos sobre as receitas geradas pelos direitos de imagem são mais baixos se o pagamento for feito a uma empresa e não a um cidadão. E se o pagamento for feito a uma empresa com sede na Irlanda, um lugar com um regime fiscal especialmente competitivo, as taxas serão ainda mais baixas. A MIM e a Polaris, ligadas a Mendes, estão ambas sediadas na Irlanda, onde a taxa de tributação sobre as empresas é de 12,5%. É esta taxa que se aplica aos lucros destas empresas: as comissões são tributadas, o resto das receitas de Ronaldo seguem livres para a Tollin.
Primeira parte.
Quando Ronaldo chegou a Madrid em 2009 estava em vigor a “Lei Beckham”, uma lei aprovada pelo governo espanhol em 2004 para atrair trabalhadores estrangeiros com elevados rendimentos. A “Lei Beckham” (assim popularizada por ter tido entre os primeiros beneficiários o futebolista David Beckham) foi revogada em 2010, mas os residentes estrangeiros então a viver em Espanha tiveram direito a um período de transição que acabaria a 31 de dezembro de 2014. Já voltaremos a esta data: 31 de dezembro de 2014. Ora, esta medida garantia aos estrangeiros residentes em Espanha uma tributação de não residente, os chamados “impatriados”, que pagariam impostos apenas pelos rendimentos obtidos em Espanha e a uma taxa de 24%, muito inferior à taxa de até 48% que se aplicava aos residentes com salários mais elevados. Usando esta legislação, os conselheiros de Cristiano Ronaldo estimaram que cerca de 80% dos rendimentos dos direitos de imagem do jogador eram gerados no estrangeiro e à volta de 20% provinham de Espanha; no total, entre 2009 e 2014, a Tollin encaixou €74,8 milhões pela exploração dos direitos de imagem de Ronaldo: €63,3 milhões ‘do estrangeiro’, €11,5 milhões de Espanha. Segundo os assessores de Ronaldo, ao abrigo da “Lei Beckham”, só estes últimos tinham de ser declarados. O fisco espanhol parece duvidar.
Segunda parte.
Durante anos, nem os tais 20% figuraram nas declarações de rendimentos do jogador. Não aconteceu em 2011. Nem em 2012. Nem em 2013. Eles vieram à tona apenas em 2014, cinco anos depois da apoteótica apresentação no Bernabéu. A 30 de junho de 2015, no último dia possível para apresentar a declaração, os consultores fiscais compilaram e emitiram o documento para as Finanças, a que a investigação da “Spiegel” e do EIC tiveram acesso. Aí se incluía o salário como empregado do Real Madrid (mais de 34 milhões de euros, que refletiam um bónus em cima do seu ordenado base anual); a casa em Madrid, as compras, algum dinheiro em contas bancárias e os carros, mas não os seus bens no estrangeiro: as casas em Portugal, as contas nos bancos SGKB - St. Galler Kantonalbank (Suíça), BPI (Portugal) e Banque Internationale (Luxemburgo). Também não se mencionava a sua conta no banco Mirabaud, em Genebra.
Os contabilistas de Ronaldo decidiram apresentar na declaração às autoridades fiscais espanholas o valor de €22,7 milhões: €11,5 milhões pelos direitos de imagem de 2009 a 2014 sem referências ao nome Tollin ou ao facto de Ronaldo ter recebido esse dinheiro via uma empresa nas Ilhas Virgens Britânicas; e €11,2 milhões pelos direitos de imagem de 2015 a 2020, pagamento a cargo de uma sociedade chamada Arnel, com morada na… Vanterpool Plaza, na Road Town da ilha de Tortola, nas BVI.
O mais importante seria que o nome da Tollin ou do seu administrador não aparecesse em lado algum. Depois do rocambolesco caso de evasão fiscal dos Messi, pai e filho, era fulcral que Ronaldo mantivesse a sua reputação intacta. A defesa dos interesses de Ronaldo estava a cargo da Senn Ferrero e do advogado português Carlos Osório de Castro, que trabalha com a Gestifute há alguns anos.
E agora os penáltis.
O magrebe
*European Investigative Collaborations
80%
Os colaboradores de Cristiano Ronaldo e da Gestifute fizeram a seguinte divisão para os direitos de imagem do futebolista do Real Madrid: 80% para os proveitos gerados fora de Espanha, 20% para os proveitos gerados em Espanha, onde o português reside desde 2009.
O INÍCIO
Quem é Peter Lim?
Segundo a “Forbes”, estima-se que Lim tenha uma fortuna a rondar os 2,4 mil milhões de dólares, que terá enriquecido um dia quando investiu na compra de uma empresa de óleo de palma que depois revendeu a um preço exorbitante. Além de ser um “bom amigo” de Cristiano Ronaldo, Peter Lim também é um grande amigo e parceiro de negócios de Jorge Mendes, o agente/gestor de carreira de Ronaldo. Porque foi através de Mendes que Lim se tornou dono do Valencia, clube da primeira liga espanhola que já foi treinado por Nuno Espírito Santo, o primeiro futebolista a ser representado pelo agente português, nos anos 1990. Além disso, há vários futebolistas no Valencia que fazem parte da carteira de clientes de Jorge Mendes, como Cancelo, Enzo Pérez ou Rodrigo.
O que é a “lei Beckham”
Para ser sincero, não acredito que o Jorge Mendes esteja assim em tão maus lençóis. Isso é propaganda dos muitos inimigos que terá.
ResponderEliminarAquilo é gente muito profissional, já o provaram, e não acredito tenham cometido erros infantis, como alguns já cometeram.
A ligação ao Peter Lim não percebo o que tem a ver com isto. Se o Lim tiver problemas fiscais será com Singapura de onde é original e onde vive.
Já saiu a notícia que o Ronaldo cumpriu as obrigações para com o fisco espanhol e eu acredito.
Penso que a montanha vai parir um rato.
Mas eu percebo a campanha que há contra o Mendes e que vem de vários sítios, entre os quais Itália e Portugal. Sítios que até já estão identificados. Até o próprio Sporting está interessado em mandar abaixo o Mendes.
Esta opinião é apenas minha, não conheço o Mendes nem me interessa conhecer.
Não é ilegal ter contas em paraísos fiscais nem lá ter dinheiro. Eu próprio já tive uma empresa em Jersey. What´s the problem? Também já tive uma conta num offshore patrocinada por um banco português. Tudo legal.