Sabemos do que fala mas não sabemos responder...
Octávio Machado é daquelas personagens que não deixa ninguém indiferente, dividindo em cada extremo os que sobre ele se pronunciam. Ou gostam dele ou detestam-no. É um homem controverso e de controvérsias, mas tem a rara virtude de dizer o que pensa, de forma directa, por vezes crua, mas falando sempre verdade, a sua verdade. Quem lê o “Vocês sabem do eu estou a falar” reconhece imediatamente o discurso octaviano, constatando que o autor não se refugiou nos truques habituais dos muitos que agora decidem pôr no papel as suas memórias.
O livro tem um capitulo dedicado à sua passagem pelo Sporting que merece uma leitura atenta. É um documento que relata, numa visão muito própria, os meandros do futebol leonino e do futebol nacional e de cuja leitura se pode extrair algumas das causas do longo jejum do nosso futebol. O extracto cuja leitura proponho, até pela sua actualidade, versa a constituição da SAD leonina, onde Octávio formula perguntas que muitos de nós gostávamos de saber a resposta. Os negritos são da minha responsabilidade.
“A meio da minha passagem pelo Sporting foram criadas as SAD, Sociedades Anónimas Desportivas, em que todos nos envolvemos de corpo inteiro, jogadores, treinadores e demais funcionários do clube, todos com dedicação e abnegação.
A SAD do Sporting foi um êxito estrondoso, a paridade na aquisição de acções foi de um para vinte, ou seja, quem queria vinte só teve direito a uma. Eu, por exemplo, queria mil e só obtive cinquenta, acções essas que ainda hoje conservo. E embora tenha sido um grande sucesso, na recta final o Sporting foi ultrapassado pelo FC Porto, já que este conseguiu ser o primeiro clube a oficializar a constituição de uma SAD. Foi qualquer coisa de incompreensível, porque o primeiro há-se sempre ser o primeiro. O facto é que o Sporting deixou-se ultrapassar no registo da SAD. Não gostei, sinceramente não gostei. Eu gosto de ganhar sempre e penso que o Sporting, por todo o trabalho que foi efectuado, devia ter sido o primeiro clube a constituir-se como SAD.
De qualquer forma, essa foi uma altura em que o Sporting se projectou de uma maneira extraordinária. Com a SAD do Sporting vieram também os protocolos de intercâmbio desportivo, assinados com clubes de várias regiões do mundo, tudo responsabilidade do Norton de Matos e, claro, do presidente do clube. A minha pergunta, passados estes anos, é esta: onde é que estão, hoje, esses protocolos? Onde é que está tudo isso? Será que os protocolos serviram apenas, naquela altura, para satisfazer determinados interesses económicos? Seria interessante reflectir sobre o nascimento e a morte desses protocolos de colaboração com outros clubes. Julgava eu que as SAD iriam trazer ao futebol português aquilo que nunca houvera: rigor nas contas e cumprimentos dos orçamentos. Lamento profundamente que, anos depois, fazendo um levantamento daquilo que foi o projecto Roquette, se chegue à conclusão de que os orçamentos nunca foram cumpridos e que o rigor ficou à porta de casa.”
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