A morte de Moniz Pereira como pretexto para mais um ajuste de contas com o passado
Houve, em muitas dessas reacções, algo que me chamou à atenção e que é uma marca muito profunda no "actual Sporting": a procura incessante de ajuste de contas com o passado. Tal como em várias outras ocasiões, para que a narrativa tivesse alguma coerência, foi convenientemente esquecido um aspecto importante da vida do Professor: o seu passado como dirigente desse tempo, cujas contas estão permanentemente em aberto para ajuste. Numa versão menos favorável é o período de tempo que muitas vezes serve para ser usado como desculpa para não se fazer melhor, não se querer ou exigir mais.
Não o tendo conhecido pessoalmente, duvido que Moniz Pereira quisesse ver-se assim instrumentalizado. É o exemplo de alguém cujas escolhas nem sempre concordámos, mas cujo Sportinguismo nunca poderia ser posto em causa, como foi por muitos com objectivos específicos. E se há um traço comum na sua passagem pelo Sporting esse é a coerência, a honestidade, a convicção, diria mesmo até a convicção obstinada. Não vejo por isso a renegar uma parte importante do seu passado, mais propriamente entre 1995 e 2011.
Foi no seu tempo de vice-presidente, ao tempo de Santana Lopes, que foi feito o infame referendo sobre as modalidades, com o resultado de todos conhecido. Foi ainda com a sua participação nos órgãos sociais que foi erigido o estádio em que, apesar das promessas que lhe foram feitas, não haveria pista de atletismo. E já quando a contestação crescia no mandato de Bettencourt, foram várias as vezes que saiu em defesa da direcção de que fazia parte, quando eram por demais evidentes os sinais de desgoverno.
Em que é isso menoriza a figura de Moniz Pereira? A meus olhos nada. Provavelmente, pela sua vontade alguns dos erros cometidos teriam sido evitados, outros até mesmo aprofundados. Por exemplo, a pista de atletismo no estádio de Alvalade seria um deles. Se hoje nos queixamos do fosso, o que seria Alvalade com oito pistas a separar-nos do relvado? E quem não se lembra do aspecto desolador do velho Alvalade a menos de um quarto da lotação para ver atletas de primeiro plano mundial, nos meetings de Santo António organizados por Moniz Pereira?
A questão central neste ajuste de contas interno que se assiste em modo permanente há já vários anos está na forma desonesta como frequentemente é efectuado. Desonesto porque se personaliza em apenas alguns as decisões que, em grande parte, foram tomadas de forma colectiva, com maiorias quase sempre retumbantes. Onde estão hoje os que votaram favoravelmente?
A contestação a decisões como a construção do estádio, o respectivo financiamento e execução das obras e orçamentos, a extinção de modalidades ou mesmo as contas da SAD e do clube, (que mereceram aprovação quase sempre expressiva) feita hoje, ignorando muitas vezes as condições e circunstâncias de então também é outro sintoma de desonestidade. Quem em devido tempo se levantou contra a construção do estádio? Quem então fiscalizou a execução da obra e das condições de financiamento? Hoje é fácil.
Não duvido que este é um dos maiores problemas do Sporting, a nível interno: o da sua reconciliação com o seu passado. Este "novo Sporting" começou por ser binário: "nós" ou o "Sporting é nosso", como os dignos e únicos representes do verdadeiro "Espírito Leonino". Agora ameaça tornar-se esquizofrénico: reconhece apenas os êxitos como deles, o passado de glória pertence-lhes. Os fracassos foram os "outros". Mesmo quando os responsáveis por uns e outros sejam em muitos casos os mesmos.
Esta atitude foi inicialmente fomentada pela actual administração e instrumental para chegar ao poder. Tal até se compreende pelo desejo geral de corte epistemológico com um passado que a antecedeu. Mas, como estratégia, é falível a curto prazo, a menos que os resultados - sempre os resultados! - a sustente.
Parece-me que este "Sporting do antes e depois" é um Sporting menor. Pode até servir momentaneamente os interesses dos que estão de passagem. Mas não os de uma instituição centenária cuja maior força sempre residiu no seu carácter inclusivoe abrangente, onde se acolhem indistintamente pessoas de qualquer "ascendência, sexo,raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social".
Excelente post! Do melhor que eu já li. E vai de encontro ao que penso.
ResponderEliminarO que se tem feito nos últimos 3 anos não se faz. Abriram-se feridas que poderão levar anos para sarar!
Claro! Magnífica resposta!
EliminarRecuperar o Sporting não se faz! Chamar à pedra quem prejudicou clube, muito menos. Os últimos 3 anos têm sido um HORROR!!
Um pesadelo. E mais tarde ou mais cedo, vamos todos constatar isso.
EliminarUm pesadelo para quem tem motivos para estar envergonhado. Mas, mesmo muitos desses entretanto seguiram em frente, porque só querem o bem do clube. Já outros, como você, continuam a cultivar o azedume. Bom proveito.
EliminarO melhor texto sobre o Sporting Clube de Portugal e os seus problemas actuais que li nos últimos meses.
ResponderEliminarE, como o Sporting e os Sportinguistas não são exactamente uma espécie à parte, também descreve muito bem a actual sociedade portuguesa.
Acho que só alguém que não olha para o Sporting como um todo (história,adeptos,socios) é que não vai perceber este post
ResponderEliminarMuito bem, Leão de Alvalade. É muito oportuna a recordação de Salazar Carreira, é muito justo o elogio a Moniz Pereira!
ResponderEliminarBruno de Carvalho é de outro “campeonato”, muito diferente dessas grandes figuras leoninas. Ele foi hábil na forma como explorou as frustrações e as desilusões dos sportinguistas e como usou as fragilidades e as contradições das direcções herdeiras do chamado projecto “Roquette”. É exemplar como, tendo dito BdC algumas verdades (por exemplo, sobre Filipe Soares Franco), conseguiu cobrir tudo com o manto diáfono do oportunismo e da hipocrisia.
E construiu uma ficção, cortando no que lhe convinha com o passado recente ou distante, usando os sócios como figurantes a quem na realidade nunca deu contas. Sempre com a finalidade de construir a narrativa favorável em cada momento e definir a estratégia para a fase seguinte.
Leão de Alvalade, excelente reflexão.
ResponderEliminarO passado vê-se instrumentalizado para o que for conveniente aos interesses e à imagem do actual presidente do Sporting, já que Bruno de Carvalho em face do incumprimento de muitas promessas e pela falta de conteúdo que revela, precisa desse passado para que se perpetue no poder. O exercício de poder e a vaidade que o exercício lhe proporciona são a sua maior motivação. Para ele não existe nada maior do que o próprio: Sporting (clube centenário), Moniz Pereira, João Benedito, Manuel Fernandes, seja lá quem ou o que for, para Bruno de Carvalho tudo é menor do que o próprio. Não é matéria de estilo. Ele é um sociopata e isso mostra. Evidentemente, lideranças deste género tornam o clube mais pequeno já que uma das melhores sensações que a clubite nos proporciona é a de fazermos parte de algo infinitamente maior do que nós. A partir do momento em que temos um pequeno indivíduo que tenta confundir-se com o Sporting, é só natural que muitos não só estranhem como o rejeitem.
Dito isto, fique claro que Bruno de Carvalho embora faça parte não é responsável pelo contexto que aqui nos trouxe, contexto esse que em última análise culminou na sua eleição. O "Sporting menor" que referes no último parágrafo agravou-se com Bruno de Carvalho mas esse processo de desfragmentação iniciou-se muito antes dele, resultado de sucessivas lideranças débeis e desfragmentação sobre a qual ele em 2011 capitalizou e que hoje fomenta para que se preserve no poder.
É fundamentalmente por isto que para mim Bruno de Carvalho não é mais nem menos do que mais um numa linha de incapazes que lideraram o Sporting nas últimas décadas.
Se houve alguém a querer instrumentalizar a morte do Moniz Pereira, foram de facto o já citado Luiz "adepto do golfe" Soares "dedico uma hora por dia ao clube" Franco e o inenarrável piqueno Godo...
ResponderEliminarMas prontos...
A acrescentar a pérola "o sportinguista só quer saber de futebol"
EliminarImagino que se confunda com ele próprio.
Lamentável como manipulam símples declarações: "foi uma figura ímpar no Sporting, mas mudar o Sporting propriamente dito não mudou, porque em maia de 100 anos foram muitos que o serviram".
EliminarÉ por isso que a estratégia de Bruno de Carvalho resulta. Existirá sempre quem lhe dê voz. Ele é o único presidente (no Sporting) cuja afirmação se faz não pelos méritos próprios mas pela diabolização dos predecessores, o que diz muito sobre a falta de conteúdo da sua actuação.
EliminarLF Vieira no Benfica é a mesma coisa. O fantasma Vale e Azevedo foi / vai sendo suficiente para que exiba uma base de apoio muito grande.
Que os dois maiores clubes portugueses tenham presidentes como Bruno de Carvalho e LF Vieira é sintomático - como diz o Frederico - do país que temos. As pessoas gostam de lideranças deste género. E lideranças como estas precisam das Rutes e FCS para que subsistam.
Lda;
ResponderEliminarDe acordo com os comentários elogiosos anteriores. Este post está soberbo. É digno de se guardar, como exemplo e para memória futura.
O Sporting! vive dos Sportinguistas, uns merecem a distinção pelo que deram ao clube,outros merecem ou mereciam ser apagados da história do clube, enfim não podemos deixar de viver e amar o clube, e de dar o real valor a quem o tirou da banca rota, estamos todos de luto mas, não devemos aproveitar para políticar o luto. ..Viva o Sporting vivam os Sportinguistas
ResponderEliminarQuem cultivou o azedume é quem sente a necessidade de "dividir para reinar".
ResponderEliminarLê o artigo e reflete sobre ele...
#Nãomedeixemcair
Excelente texto que nem sempre merece a minha concordância. É este tipo de intervenção - honesta, corajosa, objectiva - que deveria merecer um debate profundo sobre o Sporting e sobre a catarse que ainda não foi feita desde o já longínquo ano de 1988. Continuamos a viver num mar de contradições, sempre a navegar à vista mas sem qualquer rumo sustentado. O povo sportinguista, com "a ajuda prestimosa" dos media que nunca gostaram de nós, lá vai cantando e rindo, optando sempre pelas soluções que, ao longo dos anos, lhe vão vendendo. Como sempre, o "panem et circenses" tem que se manter actualizado. Entretanto, paulatinamente, o Clube vai perdendo as suas matrizes. Bem haja pelo magnífico artigo. Sergio Abrantes Mendes
ResponderEliminarCom a permissão do Leão de Alvalade,
Eliminar" ... associação, nas visionárias mãos de cândidos, potentes amadores, pioneiros, espírito, nasceu na Lisboa do século passado, ao 6º ano, o Sporting Club de Portugal. Dois anos mais tarde, ao 8º, nasceria um dos seus muitos filhos. Olhemos esta personalidade do universo sportinguista, cavaleiro, sem cavalo, atleta de saltos (comprimento), corredor, velocista, futebolista, em regime de avançado, 83 golos «em mais de 130 jogos realizados». Uma máquina. António Abrantes Mendes representou o clube, nos relvados, entre 1925 e 1939, eternizado na galeria dos mais jovens futebolistas a estrear-se na equipa do Sporting Club de Portugal. Tinha na estreia 17 anos de idade e dividia a actividade com os estudos de «Direito». Daí, a alcunha de «avançado-doutor». Campeão regional de salto em comprimento e campeão Nacional de futebol em duas ocasiões, 1933/34, onde participou nos encontros da Associação de futebol de Lisboa (campeonato de Lisboa) e 1935/36, época onde alinhou em encontros da I Divisão, dois títulos de campeão Nacional somados aos 4 (regionais) campeonatos de Lisboa. No total, 14 épocas integrado no plantel do Sporting - outros tempos, verdadeiros, onde o Sporting foi gigante, onde o clube de José Alvalade reinou. Aos outros, rivais, a missão de tentar acompanhar.
Foi ainda técnico em 1945/46, época iniciada como treinador principal [não sei se completa(da)], na qual o clube venceu a taça de Portugal - Cândido de Oliveira era director do futebol. Foi ainda dirigente nas presidências de Joaquim Oliveira Duarte e António da Cunha Rosa, bem como olheiro que 'descobriu' para o Sporting João Martins (nos treinos da CUF), João Martins que seria autor do primeiro golo na história da taça dos clubes campeões Europeus de futebol. Foi também (Abrantes Mendes) secretário técnico na equipa que venceu a taça dos Vencedores das taças em 1963/64.
Infatigável, inflexível, exemplar, «avançado-doutor» progenitor de Sérgio Abrantes Mendes, filho que tal como o pai foi jogador (amador) mas ao contrário do pai não foi avançado. Antes, defesa central. Tal como o pai, formar-se-ia em «Direito», tornando-se Juiz, director geral dos serviços Judiciários e inspector geral da Administração do território. No ano do falecimento do pai António, 1988, o filho Sérgio ver-se-ia eleito presidente da Mesa da Assembleia Geral do clube. Novamente, outros tempos, onde as coisas faziam mais mas sobretudo melhor sentido.
Para bom entendedor meia palavra basta ...
Não trago António Abrantes Mendes ao «blogue» por acaso, já que este modelo de devoção ao sportinguismo está de parabéns, nascido tal como lê o 1º parágrafo, ao 2º ano de vida do clube, há 105 anos, a 5 de Fevereiro.
À sua prezada e honrada herança, o nosso obrigado."
Homenagem um dia feita ao seu pai, no dia em que completaria 105 anos de vida. Espero que não contenha erros - não é fácil validar fontes. Um abraço em nome do "A Norte".