O futebol é fértil em surpresas e, como a generalidade do desporto, frequentemente dá-nos grandes lições. A vitória da selecção portuguesa no Campeonato Europeu em França foi seguramente ambas: surpresa e uma lição e este post hoje falará sobretudo disso.
Para os mais novos a presença da selecção nacional nas grandes competições é vista hoje com normalidade, mas para os da minha geração isso estava longe de ser um hábito. Depois da geração dos Magriços de 1966 foram necessários quase vinte anos para ver novamente a selecção numa fase final. Coincidentemente, foi em França (1984) que uma das melhores gerações de jogadores de que me lembro nos fez sonhar, até acabar em pesadelo numa véspera de S. João que nunca mais esquecerei.
Jogadores notáveis como Eusébio, Coluna, Damas, Bento, Eurico, Diamantino, Chalana, Gomes, Jordão, Néné, Figo, Futre, Rui Costa, muito bem secundados por outros de enorme valor, não conseguiram o que esta agora acaba de alcançar: um título colectivo ao mais alto nível. Com sinceridade, confesso que não esperava agora, depois de ver ficar de mãos vazias selecções mais dotadas de talento que a actual.
Um líder é isto
A grande diferença registada nesta selecção para as demais - pelo menos para as que vi jogar - esteve indiscutivelmente no líder e na forma como soube liderar o grupo de selecionados. Sóbrio em todos os momentos, pouco dado a estados de alma em quaisquer circunstâncias, foi o principal responsável pelo notável espírito de corpo e de missão, talvez as principais virtudes dos actuais campeões. Inevitavelmente terá que se estender os créditos a quem o foi buscar, num momento de profunda indefinição e ainda por cima com um castigo a pender-lhe sobre o pescoço.
Estou longe de ter grande apreço pela proposta de jogo de Fernando Santos, o que nem sequer é de agora. Mas uma das grandes lições que fica desta conquista é que para chegar à vitória não há apenas um caminho. E este, não sendo o que mais me agrada, não pode deixar de ser registado como tendo sido alcançado sem derrotas.
Momentos
Se fomos suficientemente audazes a sorte - que tantas vezes se alheou de nós em competições anteriores - fez questão de nos acompanhar em momentos chave, alguns deles sem intervenção directa. Por exemplo, o golo dos islandeses no último jogo da fase de grupos, já depois da hora, teria repercussões decisivas no emparelhamento com os adversários, teoricamente mais acessíveis na fase a eliminar. O golo do Quaresma e o penalty defendido por Patrício são também momentos incontornáveis no percurso até à tribuna de honra do Stade de France.
Fado
Soubemos merecer este titulo, partindo de um nível aparentemente baixo para acabar em grande. O percurso das equipas haveria de nos dizer que o empate com a Islândia não foi assim tão mau como pareceu na altura. Esse terá sido o jogo com a Hungria onde, paradoxalmente, fomos uma equipa vulnerável, precisamente a antítese da imagem de que a Europa registou do actual campeão. Talvez tenha sido aí o jogo em que tivemos azar de forma reiterada. Mas o que representaria noutras ocasiões um evento como a lesão de Ronaldo, senão uma súbita síncope e capitulação? A forma como superamos o infortúnio, ainda por cima perante um poderoso anfitrião, é matéria da qual se constroem os heróis e as lendas.
Capitão
Se nenhum profissional de futebol merece passar pela provação a que Ronaldo foi submetido, o que lhe aconteceu acabou por ser a revelação, como se preciso fosse, do compromisso dele com a camisola que veste, a bandeira que representa e com os colegas que capitaneia. Que exemplo!
O herói improvável
O golo do Éder é o momento que ficará eternizado na memória de um povo. Porque esta vitória não é apenas de quem gosta de futebol. É uma vitória de todos nós, pequenos como somos, mas cujos horizontes nunca aceitamos confinarem-se entre os espanhóis nas costas e o medo da imensidão do mar. E quem melhor do que um protagonista com a história de vida pessoal e profissional dele para protagonizar o grito de afirmação e de revolta destes lusitanos nos confins da Ibéria que não se governam nem se deixam governar? E logo com a França...
P.S. - Tenho pena dos que sofrem de clubite aguda e para quem o maior triunfo do futebol português até hoje tenha sido vivido como uma mera extensão das diatribes do nosso campeonato.
Pode parecer exagero, fruto da euforia, mas esta selecção levava consigo o espírito de outros heróis da História: Nuno Álvares Pereira, Pedro Álvares Cabral, D. João II, Infante D. Henrique, D. Afonso Henriques... De volta à crença que nos levou novamente a ser audazes, estrategos exemplares, destemidos exploradores, valentes conquistadores.
ResponderEliminarPARABÉNS PORTUGAL! Que Orgulho!
Leão de Alvalade,
ResponderEliminarEstando de acordo sobre muita coisa, destacaria 3 dos tópicos que mencionas: a imagem de serenidade, auto-controlo e simpatia que Fernando Santos deixa, Éder, que ajudou a aliviar o sufoco francês fazendo nalguns momentos a equipa portuguesa subir no campo, boa personalidade, autor do belo golo na final e por fim o júbilo de uma conquista para o futebol português. Portugal era o único país Europeu ao nível dos grandes (em futebol) que não tinha um troféu sénior na sua montra. Agora já o tem, conseguido com muito acaso, sem que o merecesse (discordo dessa parte do texto) mas tem-no e daqui a alguns anos ninguém se lembrará deste Europeu mas muitos se lembrarão que um dia Portugal venceu qualquer coisa em futebol de selecções.
Só uma coisinha pequena estimado LdA: pena Fernando Santos ao nível de jogo ter-se mostrado tão diferente do que se conhecia dele. Fernando Santos era (pode ser que ainda o seja, mas nesse caso não o mostrou) um daqueles treinadores portugueses que sem maravilhar nunca deixou as suas equipas e clubes desamparados. As suas equipas (Sporting, Benfica, na Grécia) mostraram sempre boas qualidades. Mais difícil se torna perceber as razões para tão pouco futebol, tanta concessão aos adversários e deixar-se à perfeita mercê do acaso. E fazê-lo treinando uma selecção onde está ao seu alcance rodear-se dos melhores jogadores em actividade, mas até nisso (escolhas de jogadores) Fernando Santos na minha opinião falhou com algum estrondo.
Um abraço Leão de Alvalade.
MM,
Eliminarquando falo em merecimento (isto estava no texto original e não percebi porque não ficou) refere-se sobretudo ao jogo final e não como apreciação a todo o torneio. Prende-se sobretudo com a forma como superamos o infortúnio da lesão do Ronaldo e pela forma como estivemos perante um adversário individualmente mais forte e a jogar no seu terreno.
Completamente de acordo.
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