3 ou mais um sportinguista que regressa a casa
Como dizia, nao era suposto pensar num balanço do ano que finda exactamente hoje a partir de um episódio pessoal, neste caso o afastamento de quase dois anos do Estádio de Alvalade, mas a ideia foi ganhando sentido à medida que pensava nos vários pontos de contacto entre um encontro e o outro, assim como no facto de, para muitos sportinguistas, haver um longo período de, pelo menos, desorientaçao, estupefacçao e indefiniçao entre a saída de Paulo Bento justamente no começo dessa temporada 2009/2010 e o princípio desta. O balanço, no fundo, é isso mesmo: regressar a esse período, constatar essa viragem e formular os auspícios do ano que virá, tudo a partir desses dois jogos e do tempo, tao maleável, entre eles.
Três. Falamos de um período entre dois jogos, sim, mas que atravessa três épocas. E falamos de dois jogos nos quais o Sporting vence e marca três golos, por três jogadores distintos e, ao mesmo tempo, tao parecidos, quase dois anos depois. Mas já lá iremos.
Tanto na noite de 14 de Março de 2010 como na de 22 de Dezembro de 2011, o Sporting é orientado por uma promessa dos bancos portugueses - Carlos Carvalhal e Domingos Paciência -, a orientar pela primeira vez um grande clube nacional. Mais que isso, em ambos os jogos defronta e ganha com contundência a um rival de quem tem muito pouca distância na table classificativa, e a equipas orientadas por outro treinador em ascensao cujos méritos até aí já lhe merecem augúrios de voos maiores. No caso do adversário de 2010, o Vitória de Guimaraes de Paulo Sérgio, esse voo seria mesmo o próprio Sporting.
Ambas vitórias precedem um encontro muito importante para a temporada do clube: actualmente, a aspiraçao de confirmar a luta pelos lugares da frente e fazer um bom jogo e um bom resultado contra o campeao em título, e em 2010, a segunda mao dos oitavos de final da Liga Europa contra o Atlético de Madrid, numa eliminatória ainda em aberto e o último grande repto de uma temporada de enorme instabilidade.
Voltandos aos jogos em questao, em ambos se verificou uma afluência mais elevada do que o (tristemente) esperado para a circunstância da época - com aproximadamente 35 mil espectadores no jogo de Março de 2010 e os pouco mais de 20 mil na quinta-feira de dezembro de 2011 - e em ambos os encontros, o Sporting dominou sem grandes preocupaçoes e conseguiu uma vitória incontestada, assim como uma exibiçao convincente, novamente tendo em conta os parâmetros da época - e no caso do jogo de 2010, tendo em conta a época que se seguiria. Entrando com um onze repleto de internacionais, os golos foram marcados, em ambos os casos, por um lateral argentino de impacto recente, por um goleador com lugar cativo no espaço emocional sportinguista (salvaguardando as devidas distâncias, como é evidente) e por uma promessa à espera de uma explosao com a camisola do clube.
Deixando de lado questoes estatísticas e de classificativa, poderíamos concluir a paralaxe, dizer que as grandes semelhanças entre os dois encontros nao seriam mais do que estas. A grande diferença, assim em singular, porém, é o sentido em que vai cada uma destas equipas e, porque nao dizê-lo, o rumo de cada um destes projectos desportivos. O Sporting de 14 de Março de 2010 e o de 22 de Dezembro de 2011 encontraram-se algures nestas intersecçoes trazidas aqui à luz, mas o primeiro descia nessa altura a ladeira que o de hoje em dia faz o que pode por escalar. A época seguinte, de resto, com a equipa simbolicamente liderada pelo treinador derrotado nesse domingo de Março, viria a confirmar essa descida a um tempo sem tempo nenhum para grandes feitos, nem pensar nem implementar grandes ideias. A um tempo de esforço, de desagregaçao e de profunda desconfiança e algum amadorismo na gestao do futebol professional. Um tempo cujos efeitos negativos acabaram por alastrar à percepçao do clube como um todo, tendo no futebol formativo e nalgumas modalidades as suas primeiras vítimas e no clubismo dos adeptos uma espécie de pandemia da qual a custo tentamos agora livrar-nos.
Fazer o balanço é por isso constatar que as principais semelhanças sao também parte das diferenças entre descer e fortalecer-se de novo, entre esse 2010 e este 2011. Grande parte dos internacionais desse 11 de Carvalhal, alguns formados no clube, acabariam em breve a sua ligaçao ao clube, nalguns casos entre traumas colectivos - como Liedson - e controvérsia já histórica - como Moutinho. Alguns dos internacionais, porém, resistiram até hoje e vivem o seu melhor momento no clube e quem sabe da sua carreira desportiva, como Rui Patrício ou Joao Pereira, e outros, de história recente no clube, nao se cansam de louvar a grande estructura, profissional e humana, que os acolheu.
Em ambos encontros, dizíamos, marca um lateral argentino, mas Insua tem hoje mais crédito e mais estabilidade para progredir do que Grimi em 2010. Também nos dois jogos marca um jogador que inspira expectativas mas novamente, o peso da responsabilidade sobre os jogadores em formaçao é hoje muito diferente: enquanto que o golo de Saleiro nao foi suficiente para fazer crer, a uma maioria mas sobretudo a si próprio, que poderia ir mais longe com camisola verde-e-branca vestida, o golo de Carrillo permitiu juntar a concretizaçao a uma lista de qualidades que, potenciadas, lhe trarao a ele e à equipa um futuro mais optimista.
Finalmente, em ambos os encontros marcou um goleador. É verdade que Van Wolfswinkel nao é Liedson. E que Liedson nao é Jardel. E que Jardel nao é Acosta. E que Acosta nao é Manuel Fernandes e por aí fora até Peyroteo, quem sabe. Mas Liedson sairia do clube menos de um ano depois, conseguindo aquilo que noutras alturas já teria feito questao de deixar claro, o seu desejo de voltar ao Brasil. Sairia sem cumprir a promessa de ganhar um título mas como internacional português, com mais anos que o 31 da sua camisola e com a devoçao absoluta dos adeptos do Sporting. E Van Wolfswinkel, que nao é Liedson, marca golos, gera jogadas, admira os adeptos e os companheiros e é admirado por todos. Tem tudo por alcançar, tanto no clube como na selecçao e transpira confiança e potencial para o conseguir. Encarna, por isso, aquilo que todos esperamos e este todo é hoje mais coeso, uníssono e metódico que o de 2010 e o que se seguiria no resto desse ano e na primeira metade de 2011.
Resumindo, com todas as mudanças a nível directivo e na gestao técnica do futebol do clube, este período foi de queda e recomeço, de recuperação de princípios de gestão fundamentais para um modelo que se quer de sucesso e até mesmo de repensar o que é o sucesso de um clube como o Sporting. De beber do trabalho bem feito que se continuou a fazer noutros quadrantes menos visíveis do clube, de algumas modalidades que continuaram a ter êxito desportivo durante este período e que conseguiram mesmo feito inéditos na história leonina, casos do futsal, do atletismo, da equipa de natação, do andebol e do renascido hóquei em patins, para citar alguns exemplos. Indícios de três elementos fundamentais, o trabalho, a uniao e a confiança, base das outras três insígnias, o esforço, a dedicação e a devoção que forjam a glória intemporal do Sporting.
Talvez por isso este balanço seja, nao o de um Sporting que voltou, mas o do regresso de valores algures adormecidos entre um momento e o outro. Um balanço que afinal nao é mais do que a formulaçao de que algumas ideias nao voltem a dormir. E, a título pessoal, que nao eu nao volte a estar tanto tempo sem ir ao estádio e possa assim ajudar um pouco mais a mantê-las despertas, com o resto de nós.
31 de Dezembro de 2011
Texto escrito por Tiago Romeu (adepto do Sporting radicado na Catalunha) para o A Norte de Alvalade.
Grande Tiago,
ResponderEliminarParabéns pelo que escreveste, precisas de publicar mais textos.
Abraço e SL
Parabéns pelo texto, Tiago. E um agradecimento sentido por teres escolhido o "ANorte" para o publicar. Ganha o blogue e os seus leitores com esta tua participação.
ResponderEliminarPara já, que o meu tempo é (infelizmente) mt curto, gostava de realçar este aspecto: mt engraçado e, mais importante ainda, pertinente a comparação entre os dois jogos indicados no post e as considerações que encontras a partir desse pressuposto: dois momentos das ultimas três épocas de SCP, com factos curiosamente coincidentes enquadrados numa lógica, ou melhor dito, em conjunturas, completamente distintas. Gostei da ideia e gostei do seu desenvolvimento. Basicamente tb concordo com as observações evidenciadas.
Sábado, se Deus quiser, lá estaremos no nosso santuário, certo? :)
Cumprimento e SL!
Obrigado aos dois pelo comentários, fico contente que tenham gostado.
ResponderEliminarInfelizmente, nao sei quando poderei voltar a Alvalade, tenho sempre a má sorte de, quando estou em Lisboa, haver ou jogo fora ou haver paragem de campeonato (Verao, Natal...). Gostava muito de poder ir lá no sábado mas infelizmente estarei a torcer à distância, como estive nesses quase 2 anos entre os dois jogos. Um afastamente totalmente circunstancial.
Um abraço e saudaçoes leoninas,
tiago